O depoimento do consultor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) que atua no Ministério da Saúde William Amorim Santana, ontem, à CPI da Covid reforçou a estranheza sobre os erros identificados na invoice (nota fiscal internacional) da vacina indiana Covaxin, assim como avalizou relato do servidor da pasta Luis Ricardo Miranda de que sofreu “pressões atípicas” para liberar a importação do imunizante. A vacina é produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos, alvo da CPI.
Santana atua na Divisão de Importação, chefiada por Miranda. À CPI, ele relatou ter identificado erros na invoice. “Não é comum. Não nessa quantidade (de erros)”, frisou. O consultor afirmou que Miranda relatou ter sofrido pressões por parte da “chefia dele” — no caso, o tenente-coronel Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde.
A oitiva foi quase completamente sobre a análise da invoice, um dos pontos de maior questionamento na CPI. Isso porque, mesmo com os erros, a vacina teve autorização para ser importada, concedida pela fiscal do contrato de compra, Regina Célia Oliveira. Ela, no entanto, nega ter respaldado o documento.
Segundo Santana, a área onde atua recebeu o primeiro e-mail da Precisa em 16 de março, pedindo providências para a abertura da licença de importação, com o contrato em anexo. No dia 18, um segundo e-mail foi recebido, com a invoice. Nos erros apontados por Miranda e confirmados pelo consultor estão o pedido de pagamento antecipado de US$ 45 milhões; o número incorreto de imunizantes (três milhões, em vez de quatro milhões, como constava no contrato); e o nome de uma terceira empresa para receber o pagamento, Madison Biotech, sediada em Cingapura, que não estava no documento.
Amorim relatou que, em 18 de março, encaminhou o e-mail para a área de fiscalização, da servidora Regina Célia. No dia 22, Santana disse que submeteu novamente os documentos à área de fiscalização. “Até aquele momento, eu pontuei que a primeira parcela já se encontrava em atraso”, afirmou, uma vez que a primeira entrega de vacinas deveria ter sido enviada no dia 17.
Mesmo com os problemas, Regina Célia permitiu a continuidade do processo. À CPI, ela afirmou que o seu aval foi apenas em relação ao quantitativo de vacinas. Segundo ela, em relação à divergência do nome da empresa, a análise caberia ao setor de importações. Santana e Miranda, entretanto, sustentaram que alertaram Regina Célia sobre divergência e a submeteram à servidora.
O primeiro e-mail enviado pela Precisa Medicamentos, em 16 de março, chamou a atenção dos senadores. O conteúdo diz: “Com a anuência da Secretaria-Executiva, peço auxílio na solicitação da primeira LI (liberação de importação) de embarque aéreo”. Questionado se esse procedimento é normal em outros processos de importação dos quais ele participou, Santana disse que não. “Não, eu nunca recebi um e-mail de um fornecedor nesses termos”, destacou. As apurações da CPI mostram que todas as negociações de vacinas contra covid-19 passavam pelo então secretário-executivo, coronel Elcio Franco.
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CNBB cobra apuração sobre corrupção
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cobrou apuração “irrestrita e imparcial” das denúncias sobre irregularidades cometidas pelo poder público na pandemia. A entidade afirmou que se posiciona para “defender vidas ameaçadas, direitos desrespeitados e para apoiar a restauração da justiça, fazendo valer a verdade”.
A nota, assinada pelo presidente da CNBB, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, argumenta que a democracia do país passa por um dos períodos mais desafiadores da história e que a morte de mais de meio milhão de brasileiros por covid-19 foi “agravada pelas recentes denúncias de prevaricação e corrupção no enfrentamento à pandemia”, sem citar diretamente a CPI da Covid ou o presidente Jair Bolsonaro.
“Apoiamos e conclamamos às instituições da República para que, sob o olhar da sociedade civil, sem se esquivar, efetivem procedimentos em favor da apuração, irrestrita e imparcial, de todas as denúncias, com consequências para quem quer que seja, em vista de imediata correção política e social dos descompassos”, complementa a CNBB.
O posicionamento da entidade foi comemorado por líderes da oposição. “Importantíssima a nota publicada pela CNBB pedindo apuração rigorosa das denúncias feitas na CPI da Pandemia. Resposta contundente de uma instituição respeitada às investidas autoritárias das Forças Armadas e do Ministério da Defesa. Entendam: o tempo das quarteladas acabou!”, disse Juliano Medeiros, presidente nacional do PSol em suas redes sociais. De acordo com o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), “quem quer que tenha feito da pandemia uma oportunidade para prevaricar ou praticar corrupção deve responder por seus atos”.
Essa não foi a primeira vez que a CNBB se posicionou contra o governo. Em 2019, a entidade refutou a reforma da Previdência, proposta pela equipe econômica e que se concretizou naquele mesmo ano. Em julho de 2020, vazou uma carta assinada por 152 arcebispos, bispos e bispos emérito da Igreja Católica com duras críticas a Bolsonaro. No documento, os líderes alegaram, entre outras coisas, que o mandatário utilizava o nome de Deus para difundir ódio e preconceito. Na época, o texto estava em análise pela CNBB.
Já em abril deste ano, na 58ª Assembleia-Geral da CNBB, os membros criticaram a postura negacionista do chefe do Planalto e as declarações dele contra o Estado democrático de direito. Bolsonaro, que se diz católico, não respondeu às críticas.
*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa