O presidente Jair Bolsonaro virou alvo de investigação da Polícia Federal por suspeita de prevaricação. A corporação abriu um inquérito a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para apurar se o chefe do Executivo cometeu crime ao não reportar às autoridades competentes as suspeitas de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. O mandatário teria sido alertado, em março, numa reunião com o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e com o irmão dele, o servidor da pasta Luis Ricardo Miranda. Na ocasião, Bolsonaro teria culpado o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) pelo “rolo”.
Caberá à PF dizer se o presidente, de fato, não tomou as medidas cabíveis quando soube das suspeitas. À CPI da Covid, Luis Miranda disse que Bolsonaro teria prometido procurar a Polícia Federal, o que parlamentares destacam que nunca aconteceu. O inquérito só foi instaurado na corporação em 30 de junho, após o escândalo estourar.
Luis Miranda deve voltar a ser ouvido pela comissão. Na primeira vez em que compareceu ao colegiado, depôs com Luis Ricardo Miranda, chefe do Departamento de Importação do Ministério da Saúde. Foi o servidor quem suspeitou de irregularidades envolvendo a negociação do imunizante, apontando problemas na invoice (nota fiscal internacional) enviada pela Precisa Medicamentos, empresa que intermediou o contrato. Ele também relatou ter sofrido “pressões atípicas” para acelerar a importação do produto, apesar de erros na invoice.
Bolsonaro nunca negou a reunião com os irmãos Miranda. E o deputado do DEM, por sua vez, já insinuou, em mais de uma ocasião, que teria uma gravação da conversa. Os áudios já teriam até mesmo circulado entre alguns parlamentares governistas na Câmara.
A Covaxin é produzida pelo laboratório Bharat Biotech, representado no Brasil pela Precisa, um dos alvos da CPI da Covid. O governo negociou a compra das doses às pressas, quando ainda não havia aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e quando Bolsonaro afirmava que não compraria vacinas contra o novo coronavírus sem autorização da agência.
Notícia-crime
Foi marcado por idas e vindas o pedido da PGR para que a PF abrisse um inquérito visando investigar Bolsonaro. A solicitação só ocorreu após a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrar a Procuradoria. A magistrada enviou uma notícia-crime, protocolada por senadores, para análise do órgão. A PGR, cujo procurador-geral, Augusto Aras, é próximo de Bolsonaro, chegou a pedir ao Supremo para aguardar a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid e, só então, se pronunciar sobre a notícia-crime.
A resposta de Rosa Weber foi dura. Ela enfatizou que “no desenho das atribuições do Ministério Público não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República” e apontou que a Procuradoria “desincumbiu-se de seu papel constitucional”. Só após a reprimenda a PGR pediu, então, a investigação de Bolsonaro.
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Pena leve
O crime de prevaricação está previsto no artigo 319 do Código Penal, com pena de até um ano de detenção. No entanto, uma avaliação interna no Supremo Tribunal Federal é de que, pelo fato de o delito ser de baixo potencial ofensivo, com penas leves, dificilmente o inquérito resulte em uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que a investigação conclua que o chefe do Planalto prevaricou ao não comunicar a PF após suspeitas no Ministério da Saúde, o mais provável é que seja proposto a ele um acordo de não persecução penal — neste caso, ele teria de aceitar algumas condições para que o processo seja encerrado.
Alinhamento
A notícia-crime foi protocolada no STF pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). O inquérito aberto pela PF, no entanto, será tocado por dois órgãos que têm as cúpulas alinhadas ao governo. A Procuradoria-Geral da República, que tentou sem sucesso adiar a investigação, e a Polícia Federal.
Presidente: "Prevaricação não se aplica a mim"
O presidente Jair Bolsonaro negou, ontem, que tenha cometido crime de prevaricação. Segundo o mandatário, a medida só pode ser aplicada a funcionários públicos. Ele enfatizou, ainda, que encaminhou ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, as denúncias de corrupção no contrato da vacina indiana Covaxin, mas, conforme sustentou, a pasta não teria encontrado indícios de irregularidade. As suspeitas de ilegalidades teriam sido relatadas ao mandatário pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e pelo irmão dele, Luis Ricardo Miranda, chefe de Importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, durante reunião no Palácio da Alvorada.
“Entendo que prevaricação se aplica a servidor público, não a mim. Mas eu tomei providência. Falei com o Pazuello. Passei para a frente os papéis que ele (Luis Miranda) deixou lá”, afirmou Bolsonaro. “Até a do Luis Miranda, mesmo conhecendo toda a vida pregressa dele, a vida atual dele, eu conversei com Pazuello: ‘Pazuello, tem uma denúncia aqui do deputado Miranda, de que estaria algo errado acontecendo. Dá para dar uma olhada?’ Ele viu e não tem nada de errado”, acrescentou.
Bolsonaro também comentou a possibilidade de a reunião com os irmãos Miranda ter sido gravada, como deu a entender o parlamentar do DF. “Se houve gravação, isso é crime. Pelo amor de Deus. É a mesma coisa: pega cinco colegas, vamos bater um papo, a gente começa a falar um monte de abobrinha. Nada que eu me lembre foi tratado com ele com a ênfase que ele vem dizendo”, frisou.
Desde a denúncia dos Miranda, o governo já mudou de versão sobre o assunto. A primeira foi num pronunciamento oficial do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e do ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco, no qual sustentaram que as irregularidades apontadas pelos Mirandas tinham sido corrigidas. Depois, a alegação é de que Pazuello foi informado a respeito do caso em 22 de março, dois dias depois da reunião dos irmãos com Bolsonaro. O general, no entanto, foi exonerado do ministério em 23 de março. O governo, então, afirmou que Pazuello repassou as suspeitas a Elcio Franco, que deixou o cargo em 26 de março.
O chefe do Executivo se recusou, ontem, a confirmar se mencionou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), como suposto envolvido nas negociações da Covaxin, conforme depoimento dos irmão Miranda à CPI. Os dois relataram que Bolsonaro teria dito que os problemas no contrato seriam “rolo” do Barros.
Questionado se pensar em tirar o parlamentar da liderança do governo na Câmara, afirmou que “tem de dar crédito a ele, até que provem que tem alguma culpa em algum lugar”. “Ele vai depor (na CPI da Covid) dia 20. Ele depondo, a gente conversa logo depois. Ele vai depor e, após o depoimento dele, eu vou conversar com ele novamente.”
A respeito do inquérito aberto pela Polícia Federal para investigá-lo, Bolsonaro destacou que o caso está com o “nosso” ministro da Justiça, Anderson Torres, e o “nosso” diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, que escalou o delegado William Tito Schuman Marinho.
“Para começar, o processo demora. Mas, pode ter certeza, está aberto aqui o Anderson, o nosso ministro da Justiça, o nosso Maiurino (diretor-geral da PF). Se bem que eu não mando na Polícia Federal, pessoal. E não tem como botar cabresto na PF”, ressaltou. O ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixou o governo em 2020 acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF para livrar seus filhos e familiares de investigações. No caso mais recente, o delegado que investigou seu então ministro Ricardo Salles perdeu o cargo.
Propininha
Também ontem, Bolsonaro voltou a atacar membros da CPI da Covid. Ele chamou o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM); o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) de “três patetas” pela investigação sobre a Covaxin.
“Me acusam de corrupção, de uma coisa que nós não compramos. E se tivesse corrupção, pode haver, né?, a gente apura e pune. Agora, para comprar 400 milhões de doses com 1.000% de propina, né? A imprensa toda disse aí: ‘Ó, vai comprar vacina com 1.000% (de superfaturamento)’. A um dólar cada vacina, que seria a propina, daria 400 milhões de doses vezes 1.000% e vezes R$ 5 daria em torno de R$ 250 bilhões. Que propininha? Para um cabo da PM. Quem acredita nisso? Só aqueles três patetas da comissão: Renan, Omar e o saltitante. A história tá bem clara, não enxerga quem não quer”, disparou. (Com Agência Estado)
Código Penal
O artigo 327, o Código Penal, diz que, para os efeitos da lei, são considerados funcionários públicos “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública”. Dessa forma, portanto, ele pode responder por prevaricação.