INVESTIGAÇÃO

Disseminação de fake news deve entrar na mira da CPI da Covid

Pauta voltou a ganhar destaque após depoimento do representante da Daviti no Brasil, Cristiano Carvalho, na última semana. Representantes de redes sociais, como Twitter e Facebook, poderão ser ouvidos no retorno do recesso

Luiz Calcagno
Sarah Teófilo
postado em 18/07/2021 06:00
 (crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado)
(crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Após 12 semanas de trabalho, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, interrompe as oitivas por 15 dias de recesso parlamentar. O que não significa que os trabalhos não continuam. O momento agora, como já ressaltado pelos senadores, é de análise documental, para observar tudo o que já chegou e planejar a estratégia para o próximo semestre, com a retomada das sessões presenciais e oitivas em 3 de agosto. Apesar de não haver, ainda, agenda para o próximo período, os parlamentares apontam que devem manter o foco sobre as negociações suspeitas de vacina, mas querem que um dos braços da comissão se dedique a apurar a disseminação de desinformação no âmbito da pandemia.

O assunto fake news sempre apareceu na comissão. Senadores de oposição e independentes ao governo, que integram a ala majoritária (o chamado G6), já falavam sobre o “gabinete do ódio” enquanto apurava-se a existência de um grupo negacionista de assessoramento ao presidente Jair Bolsonaro, chamado pela CPI de “gabinete paralelo”. O grupo alimentava o mandatário com informações negacionistas sobre a covid-19, como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença. Além dessa vertente, a comissão também já se debruçou nas apurações sobre a organização e sobre as omissões do governo durante a pandemia. No meio do caminho, surgiram informações sobre suspeita de irregularidades na compra de vacinas, que se tornou a principal linha. Mas, agora, a ideia é abrir uma frente contra as notícias falsas.

Holofotes
O assunto voltou a ganhar força, em especial, na última semana, e foi reforçado pelo último depoimento antes do recesso, do representante da empresa estadunidense Davati Medical Supply no Brasil, Cristiano Carvalho. A empresa ganhou os holofotes depois que o cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominghetti, apontado como vendedor autônomo de vacinas pela americana, disse que, ao tentar vender 400 milhões de doses de vacina da AstraZeneca ao Ministério da Saúde, recebeu pedido de propina de US$ 1 a dose. Cristiano contou que teve uma reunião com parte do alto escalão do Ministério da Saúde após articulação do tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida, presidente da organização de extrema-direita Instituto Força Brasil.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), confirmou ao Correio que o grupo e o financiamento e divulgação de notícias falsas devem se tornar uma nova frente de trabalhos. O vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), concorda. “O Instituto Força Brasil é um personagem novo. Ele nos leva à CPMI das Fake News. Pelo que vimos, esse instituto financia sites negacionistas em relação à pandemia. Uma série de requerimentos que pretendemos aprovar é em relação a isso”, aponta.

Um dos integrantes mais atuantes da comissão, Humberto Costa (PT-PE) ressalta que é preciso aprofundar a apuração relativa à desinformação, pontuando que, nesse período de recesso, haverá o apoio das equipes que estavam assessorando a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News. A CPI aprovou na última semana um requerimento para colaboração da equipe técnica da CPMI com os trabalhos da Comissão da Covid. “Precisamos avançar nessa área que foi muito importante. Vamos dar um reforço nisso”, afirma. O senador diz que irá insistir na marcação imediata das audiências de representantes de empresas relacionadas a redes sociais, como Twitter e Facebook.

“É muito importante não somente para que a gente contribua para o esclarecimento de toda a rede de desinformação que foi utilizada na pandemia, mas também identificar os vínculos de financiamento que os principais sites de desinformação tiveram por parte do governo, e de empresas que se beneficiaram da venda de medicamentos que não tem eficácia contra covid-19”, ressalta. A CPI, que tinha previsão inicial de fim em 90 dias, acabaria em agosto, mas foi renovada por igual período e segue até novembro, com potencial de desgaste ainda maior para Bolsonaro. A expectativa é quebrar o sigilo das páginas, do compartilhamento de informações e seguir o dinheiro. “Começaremos agosto com o Força Brasil. O golpe da Davati já ficou esclarecido. O que nós queremos saber é qual o papel de cada um dos personagens do governo nesse golpe, e porque o instituto estava intermediando vacinas, se era negacionista”, diz Randolfe.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) ressalta que é preciso investigar a difusão de informações falsas. “Isso precisa ser concluído. Essa análise nos dará consistência para fazer determinados depoimentos e subsidiar a produção de relatório”, afirma o parlamentar.

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Núcleos temáticos

Durante reunião virtual realizada na manhã de ontem, a CPI da Covid decidiu criar sete núcleos temáticos para acelerar a análise de documentos durante o recesso parlamentar, que começa hoje. As frentes de trabalho avaliarão documentos relacionados aos seguintes temas: Precisa/Covaxin; atuação de empresas intermédiárias; empresa VTC Operadora de Logística; fake news; negacionismo; e os hospitais federais do Rio de Janeiro, que tem no senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ). um dos alvos.

Portas abertas

A apuração sobre suspeitas em relação à negociação de vacinas continua. As informações levadas sobre a Covaxin e a Davati abriram um flanco ainda a ser explorado pelos senadores, que apontam que o ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, e o presidente da República se recusaram a tratar diretamente com fabricantes de vacinas, negaram imunizantes a preços mais baixos, mas abriram as portas para atravessadoras que cobravam mais caro. No caso Davati, também é citada a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), presidida pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, que atuou com o Instituto Força Brasil na tentativa de venda de imunizantes da empresa americana.

Em nota, o instituto já informou que apoia iniciativas que “tenham por objeto promover ações relacionadas à Saúde” e que não tem relação comercial ou de cooperação com a Davati. “Tratamos assuntos relacionados à vacinação com a Secretaria Executiva, principalmente no sentido de aperfeiçoar a legislação que facilitava a vacinação por empresas privadas, com vistas a acelerar a imunização da classe trabalhadora e liberá-las à produção”, explicou.

Novas oitivas
Além da nova frente sobre o Instituto Força Brasil e o financiamento e disseminação de notícias falsas, novos temas podem surgir com a análise de documentos que a comissão já reuniu de 27 de abril até agora. Apesar de não haver agenda elaborada, estão na lista para depor o dono da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiniano. A empresa é representante do laboratório Bharat Biotech no Brasil, que é alvo da CPI no caso Covaxin. Os senadores falam em reconvocar o ex-secretário-executivo da Saúde, coronel Elcio Franco. A senadora Simone Tebet (MDB-MT), que, apesar de não ser membro da comissão, tem atuado de forma significativa, destaca que o intervalo será importante. “Nós precisávamos desse recesso. Documentos vão trazer novos elementos”, diz, ressaltando que “é hora de olhar a documentação que chegou”.

Integrante da tropa de choque de Jair Bolsonaro, Marcos Rogério (DEM-RO) destaca que irá insistir na investigação sobre os estados. Ele não acredita, porém, que o foco da CPI vá mudar. “Eu quero investigar tudo, independentemente se é Ministério da Saúde, estado ou municípios. Mas o grupo majoritário não quer”. Para o senador, não haverá fôlego para se manter no caso das vacinas por mais três meses. “Acho que se a CPI continuar como está hoje, onde o grupo que comanda tem foco no governo federal, ela não terá assunto para se postergar por mais 90 dias. Vai ficar repetitivo”, diz.

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