Poucas coisas são tão unânimes em nosso país quanto o sentimento de que a política brasileira tem evoluído quase sempre para pior e que, dificilmente, vamos superar problemas como a pobreza e a desigualdade social se as instituições políticas não forem radicalmente transformadas. Esta possibilidade, no entanto, está cada vez mais longe no horizonte.
Na semana que passou, fomos surpreendidos com a notícia de que o Congresso Nacional, ao votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022, encontrou um meio de incluir no texto um novo valor para o financiamento público das eleições do ano que vem. O Fundo Eleitoral, que, em 2018, chegou a R$ 1,8 bilhão para cobrir os custos das campanhas, está sendo, agora, majorado para R$ 5,7 bilhões, um aumento de 217% diante de uma inflação que, no mesmo período, não será superior a 20%. O disparate torna-se mais gritante se nos lembrarmos de que está em vigor um teto constitucional que limita todas as despesas do Orçamento federal à inflação acumulada.
Em meio a tantas crises e tantas carências, quando, até por instinto de sobrevivência, a nação começa a se mobilizar para sonhar com alguma mudança nas eleições de 2022, os políticos cometem esta afronta, capaz de matar qualquer esperança ainda no nascedouro.
Uma das coisas mais fáceis que existem é condenar os políticos por tudo o que fazem. Mais difícil é investigar e condenar quem concorreu também, fora da política, para o contexto em que eles atuam. Não sou mais um político em atividade, mas, por 20 anos, exerci mandatos parlamentares e fui membro da Constituinte de 1987. Nesta condição, tive tempo e interesse para refletir sobre os defeitos do nosso sistema político. A conclusão a que chego hoje é que o Supremo Tribunal Federal é um grande responsável pela miséria da política brasileira.
O maior problema da nossa política é a excessiva fragmentação partidária. Temos 33 partidos representados no Parlamento, mas a maioria deles não representa nada, nem ninguém. São meras plataformas para obtenção de benefícios privados. Nesta Babel partidária, os governos têm que negociar no varejo o apoio às suas políticas, e, com isto, raramente têm apoio para políticas verdadeiramente públicas.
Em 1995, o Congresso aprovou uma legislação que impunha um limite mínimo de votos para que os partidos tivessem acesso ao Parlamento, a partir das eleições de 2006. Em vigor a lei, teríamos logo algo como cinco a seis partidos. Nas vésperas do pleito, no entanto, 10 anos após a lei, o Supremo resolveu decidir que era inconstitucional, sacramentando de vez o caos na ordem política.
Estava aberto o mercado das transações políticas que desqualificam tanto a vida pública brasileira e que nos tornam uma nação ingovernável. A intervenção do Supremo na feitura das leis não parou aí.
Ao redigir a Constituição de 88, a Constituinte optou por não alterar o sistema de financiamento eleitoral que já existia, e que havia elegido os constituintes. As eleições seguintes se realizaram dentro das mesmas regras de sempre, sem nenhum problema. De repente, em 2015, o Supremo decidiu que aquele sistema também era inconstitucional e que as campanhas deveriam ser financiadas com dinheiro público, com o pretexto de melhorar a representação política.
Hoje, eu me pergunto se haverá uma única pessoa que tenha a coragem de afirmar que a representação política melhorou em relação ao passado. A população sabe que tudo piorou muito e ela tem de continuar pagando caro para que tudo piore ainda mais. Se temos partidos demais, se eles custam muito caro e ainda tornam o país ingovernável, temos que reconhecer que tudo isto se deve a erros grandes demais do Supremo Tribunal.
Um dos seus ministros disse, certa vez, que o Supremo tem o privilégio de errar por último. Se seus erros são incorrigíveis, poderiam, pelo menos, ter mais humildade e prudência ao julgar questões de ordem pública e que afetam de modo permanente a vida do país. Isto, contudo, pode ser sonhar demais.
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