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Braga Netto não teria apoio em "aventura golpista", avaliam especialistas

Apesar das supostas ameaças, ministro da Defesa, Braga Netto, não teria respaldo numa eventual tentativa de ruptura institucional, destacam especialistas. Avaliação é de que general blefa tentando frear apurações da CPI da Covid

Sarah Teófilo
postado em 26/07/2021 06:00
 (crédito: EVARISTO SA/ AFP)
(crédito: EVARISTO SA/ AFP)

A última semana foi marcada pela divulgação de um suposto recado do ministro da Defesa, general Braga Netto, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condicionando a realização das eleições de 2022 à aprovação, na Casa, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que institui o voto impresso. O militar negou a informação, noticiada pelo jornal O Estado de S. Paulo, mas defendeu a mudança no sistema eleitoral.

Consultados pelo Correio, historiadores que estudam os militares no Brasil classificam como remoto o risco de ruptura institucional promovida pela categoria. A avaliação deles, entretanto, é de que a postura do Ministério da Defesa tem o objetivo de reforçar uma “campanha de medo” para tentar frear as apurações da CPI da Covid, no Senado, que estão atingindo militares. De acordo com a reportagem do Estadão, a suposta ameaça de Braga Netto ocorreu em 8 de julho, data que coincide com a crise entre fardados e a comissão parlamentar, que tem apurado a relação de militares com negociações suspeitas de aquisição de vacinas contra o novo coronavírus.

Diante dos avanços nas investigações, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou, no último dia 7, que os bons militares deviam estar envergonhados com o “lado podre das Forças” Armadas. No mesmo dia, o Ministério da Defesa divulgou uma dura nota, assinada pelos comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha, além do próprio Braga Netto, enfatizando que “não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

No dia 9, o jornal O Globo publicou entrevista com o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, na qual ele dizia que as Forças não emitiriam 50 notas, que seria apenas aquela. “Homem armado não ameaça”, enfatizou. O comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiou a postura, ao publicar a entrevista em seu Twitter. O comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, ficou em silêncio.

Professor de história contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Francisco Teixeira, estudioso da história militar, afirma que é preciso entender o suposto recado de Braga Netto no contexto do clima de CPI. “Os fenômenos-chaves são o ‘lado podre’ das Forças Armadas e a tentativa de abrir uma punição contra Pazuello (general da ativa Eduardo Pazuello, que não foi punido após participar de evento político, proibido pelas regras dos militares)”, diz. “O que desmoralizou as Forças, fundamentalmente, foi aquele rol de coronéis fazendo negociata e a necessidade clara de punir o Pazuello. Se essas duas avançam, toda tentativa de ter as Forças Armadas como uma força tutelar da República não funciona. Como você pode querer até que as Forças deem um golpe ou façam qualquer coisa se aparecem como um bando de negocistas?”, questiona.

Teixeira ressalta que Braga Netto tentou paralisar a CPI em tudo que se referia a militares. Nesse cenário, apesar de o general mostrar-se um grande bolsonarista, o professor avalia que ele não vocaliza o conjunto de militares, porque não tem liderança na caserna, tampouco apoio, e que as últimas ameaças tentam cativar respaldo por parte daqueles que estão em volta do presidente. “Ele tem muita resistência interna. Parece-me que está falando isso para unificar esse grupo minoritário que está em torno do Bolsonaro no momento em que ele se mostra muito enfraquecido”, analisa.

“Terror”

Rodrigo Patto Sá Motta, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que risco de ruptura existe, mas que os militares estão passando recado para Lira, ou enviando nota para CPI, justamente para amedrontar. “Estão pelo menos fazendo uma campanha de terror. Acho que o objetivo imediato deles é, por meio do medo, conseguir o que querem: que a CPI se contenha, que não vá à frente em investigações. É um jogo de ameaça. Tem um certo elemento de blefe.”

De acordo com ele, é preciso ponderar se há possibilidade de ir “além do blefe”, porque o Brasil já trilhou esse caminho. “Mas é menos provável hoje, em função das mudanças no mundo, no país. A questão é sempre avaliar qual o tamanho do risco, se tem como sair do blefe e se tornar algo concreto”, explica.

Também estudioso da história militar, João Roberto Martins Filho, professor titular sênior da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é outro que acredita existir a tentativa de fazer “campanha de terror”. “Só que a sociedade não está com medo, está impaciente. Postura de outros Poderes e órgãos mostram isso”, diz. Fazem ameaças, mas, na verdade, querem assustar a CPI para não ir muito longe na questão dos coronéis.” Ele vê como “muito difícil” tentativa de ruptura, até porque não existe apoio da sociedade, como ocorreu no passado. “Se houvesse uma tentativa vinda do ministro da Defesa, com apoio do presidente, isso poderia gerar uma divisão no alto-comando do Exército, que, talvez, não acompanhasse uma aventura que não tem futuro.”

Segundo Martins Filho, o cenário é de um governo e um ministro enfraquecidos. O professor aponta que Braga Netto é um radical apoiador de Bolsonaro, mas que os militares estão observando os grandes desgastes de suas imagens promovidos pelo general. Segundo o estudioso, a divisão começou lá atrás, quando o presidente demitiu todos os comandantes e o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. A situação piorou com a decisão de não punir o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por participar de evento político ao lado do chefe do Planalto.

Prevenção

De tanto se falar em militares e golpe, há uma produção de efeito preventivo, uma vez que “quem vai dar golpe não avisa”, sustenta Carlos Fico, professor titular de história do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele enfatiza que “tradição de militares falando grosso sempre existiu”, assim como o risco de ruptura institucional. Entretanto, ressalta que, no momento, com a polarização política e a queda de Bolsonaro nas pesquisas, se os militares embarcassem em alguma aventura visando a ruptura institucional, haveria um desgaste enorme das Forças.

Rodrigo Patto destaca que os militares nem deveriam fazer parte de governo. “Lugar de militar é no quartel, não na política. Isso tem de ser quebrado. Não é questão de competência técnica, é questão de você entregar o comando do país para quem tem armas”, diz. “O perigo é a pessoa querer usar a arma para nunca mais sair do comando do país. Acho que é preciso diminuir essa influência política dos militares, fazer com que recuem, porque é claro que isso é antessala de um regime autoritário.”

Carlos Fico afirma, no entanto, que “tradição de militares intervindo na política sempre houve desde a proclamação da República”. “Agora, está muito exacerbado, por conta de muitos militares presentes no governo de extrema-direita. Mas é uma ilusão achar que houve alguma fase da história republicana que militares não fizeram política”, frisa. De acordo com ele, o Brasil não tem a “proeminência do poder civil”, e que, então, “qualquer manifestação de militares, sobretudo generais, oficiais, acaba repercutindo negativamente no sentido de preocupar os democratas quanto à possibilidade de uma nova ruptura institucional”.

Por sua vez, Francisco Teixeira ressalta que o quadro é de desqualificação do sistema democrático, com um governo formado por militares, o que, para ele, é resultado da falta de ação por parte do Estado em punir militares que, no passado, fizeram avaliações políticas. O professor afirma que Braga Netto se posicionar sobre voto impresso é de grande gravidade.


PEC dos Militares
Tramita na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 21/21, que proíbe militares da ativa de ocuparem cargos de natureza civil na administração pública, seja da União, seja dos estados ou municípios. O texto, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), foi encaminhado, pouco antes do recesso parlamentar, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, após receber 189 assinaturas — acima do mínimo necessário para o início da tramitação, que é 171. As supostas ameaças do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, à realização das eleições de 2022 fizeram aumentar as chances de aprovação da matéria.


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Documentos em atraso

No momento em que um processo de politização avança sobre a cúpula militar, três documentos fundamentais para a orientação da atividade das Forças Armadas no Brasil aguardam que suas atualizações, apresentadas há um ano pelo governo, sejam aprovadas pelo Congresso. São eles a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional. O atraso na tramitação, entre outros reflexos, faz com que ainda estejam válidas as diretrizes de 2016, definidas na administração Michel Temer. Na visão de especialistas, uma profunda discussão dessa pauta pelos parlamentares, com a participação da sociedade civil, contribuiria para corrigir distorções e prevenir atritos como o que ocorre, no momento, entre a cúpula militar e o Congresso.

Conforme a Lei Complementar nº 136/2010, as atualizações devem ser enviadas pelo governo ao Parlamento a cada quatro anos. Em 22 de julho de 2020, esse rito foi cumprido pelo então ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que entregou os textos ao presidente do Senado à época, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na atualização da Política Nacional de Defesa apresentada pelo governo Bolsonaro ao Congresso, há alerta sobre possíveis tensões e crises na América do Sul, em uma referência à instabilidade política na Venezuela, embora o nome do país não seja citado. Segundo o texto, esse cenário pode levar o Brasil a mobilizar esforços para a garantia de interesses nacionais na Amazônia.

A análise das atualizações dos documentos militares é atribuição da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), presidida pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG). Como justificativa para o atraso na tramitação, o parlamentar afirmou que o colegiado foi reinstalado somente no final de junho, após ter as atividades suspensas em razão da pandemia da covid-19.

“A demora deu-se em função de a CCAI não estar funcionando. Com a sua reinstalação, pretendemos, já no início de agosto, discutir as prioridades para o segundo semestre. A discussão dos documentos da Defesa é uma delas”, disse Neves. De acordo com o parlamentar, a demora não representa prejuízos, porque “os documentos são orientadores das políticas que as Forças Armadas já implementam há bastante tempo”.

Membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed), Alcides Costa Vaz vê problemas na falta dessa discussão. “Prejuízo eu vejo, primeiro, no sentido da consolidação de uma cultura de defesa. Isso significa, antes de mais nada, o próprio debate parlamentar sobre temas importantes do ponto de vista doméstico, do ponto de vista internacional, para mergulharmos nessa crise entre militares, Parlamento, pandemia, militares no governo”, frisa. “Toda essa discussão teria balizamentos mais claros se esses procedimentos estivessem muito bem construídos e consolidados”, disse o especialista.


Atribuições
A Política Nacional de Defesa é o principal documento de planejamento do setor no país. Estabelece objetivos e diretrizes para o preparo e emprego da capacidade militar de Exército, Marinha e Aeronáutica. Já a Estratégia Nacional de Defesa traz diretrizes e prioridades na operacionalização da política. Por sua vez, o Livro Branco da Defesa Nacional permite uma visão geral da defesa e das Forças Armadas, com o objetivo de conferir transparência e estabelecer confiança mútua entre o Brasil e outros países.

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