AstraZeneca alertou não ter representante

Farmacêutica avisou ministério em janeiro ao saber que havia duas empresas tentando "vender" suas vacinas. Ainda assim, pasta negociou com 3ª suposta intermediária, a Davati

» Sarah Teófilo
postado em 30/07/2021 00:26
 (crédito: Edilson Rodrigues)
(crédito: Edilson Rodrigues)

Documentos enviados pelo Ministério da Saúde à CPI da Covid, nesta semana, mostram que a farmacêutica AstraZeneca informou à pasta, em 29 de janeiro, que não negociava suas vacinas por meio de intermediárias. Ainda assim, mesmo alertada, a pasta negociou com uma suposta representante, a empresa americana Davati Medical Supply, na qual o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti atuava como vendedor autônomo de imunizantes e tentava comercializar 400 milhões de doses com o governo brasileiro. A negociação é alvo da comissão de inquérito.


O e-mail foi remetido por uma diretora da AstraZeneca para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com cópia para a secretaria-executiva do ministério, afirmando ter conhecimento de que duas empresas tentaram vender a vacina da farmacêutica ao ministério — a Biomedic, com sede no Espírito Santo, e Virality Diagnostic. Na mensagem, a diretora diz que recebeu comunicação de diferentes instituições, inclusive do próprio gabinete da secretaria-executiva, questionando a veracidade da informação recebida de que a Biomedic teria contrato de exclusividade com a AstraZeneca para venda de 300 milhões de doses de vacina — que seriam entregues em fevereiro — e a Virality teria 50 milhões de doses.


“Conforme mencionado anteriormente para essa diretoria em outra denúncia, em virtude do compromisso humanitário externado pela AstraZeneca e a unidade de Oxford, toda a produção da vacina AZD1222 durante o período de pandemia é destinado, exclusivamente, a governos e organizações internacionais de saúde ao redor do mundo. Ou seja, não há possibilidade de comercialização da vacina produzida pela AstraZeneca no mercado privado”, frisou a diretora no e-mail. Ela ainda pediu que houvesse uma investigação das supostas representantes “de forma a se permitir a confirmação definitiva dos ilícitos que estão sendo praticados pelas mesmas e a cessação da prática”.


Mesmo com os alertas, a secretaria-executiva, chefiada então pelo coronel Elcio Franco, negociou a vacina da AstraZeneca com a Davati, que se apresentou como intermediária. Dominghetti chegou a participar de reunião com o militar, assim como o representante da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho, em 12 de março. A negociação foi revelada depois que Dominghetti relatou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose do ex-diretor de Logística do ministério, Roberto Dias, em 25 de fevereiro, ao oferecer 400 milhões de doses da vacina.


Negociação

No caso envolvendo a Biomedic, documentos enviados à CPI mostram que a chefia de gabinete da secretaria-executiva enviou ao então diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre, em 1º de fevereiro, após a resposta da AstraZeneca, ofício dizendo que o ministério havia sido “contatado por cidadãos que se apresentam como supostos representantes de laboratórios internacionais, com propostas de vendas de vacinas contra a covid-19”. Quando a pasta entrou em contato com o laboratório, foi negada a representação.


Os documentos mostram uma troca de mensagem sobre vacinas entre Elcio e alguém que se dizia representante da Biomedic. Indagado se ainda havia interesse do ministério, o ex-secretário-executivo responde: “Claro que sim”. A mensagem foi encaminhada pelo próprio ministério à PF e, agora, à CPI. Também constam e-mails do sócio da empresa, Christian Faria, à secretaria-executiva, nos quais ele pede agilidade na resposta do governo. “Preciso saber disso hoje, pois estou segurando para que esta compra venha para o Brasil”, diz uma mensagem de 25 de janeiro.


Em outra, no dia 26, ele escreve: “Segue (sic) em anexo documentos solicitados. Peço muita agilidade para não perder estas vacinas. Os documentos que estão manchados serão entregues em original após a assinatura do contrato (...). Se este documento e outras coisas não fossem reais eu não sairia de casa com a coluna fraturada, gastaria dinheiro e enfrentaria um avião até Brasília se não estivesse tudo documentado”.

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CGU encontra fraudes em documentos

A auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou fraudes em dois documentos enviados pela Precisa Medicamentos ao Ministério da Saúde, no âmbito do contrato de aquisição da Covaxin, vacina indiana contra covid-19 do laboratório Bharat Biotech. Um deles é uma procuração, em que a Bharat dá poderes à empresa brasileira para negociar o imunizante; o outro é a declaração de inexistência de fatos impeditivos.


“Os dois foram confeccionados a partir de colagens de um miolo de imagem de texto sobre a moldura da imagem de outro documento digitalizado, moldura esta que contém a logomarca da Bharat, seu carimbo e assinatura do seu diretor-executivo e o rodapé. Não temos certeza de quem fez isso, e isso vai ser alvo de novas investigações”, afirmou, ontem, o ministro Wagner Rosário, ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no Palácio do Planalto.


A identificação foi feita depois que, segundo Rosário, a controladoria estranhou que ambos tinham o texto em português, quando todos os outros documentos da Bharat estavam em inglês. O laboratório indiano rompeu acordo com a Precisa na semana passada, ocasião em que informou que não confeccionara os dois documentos. Foi esse um dos motivos para o fim do acordo pela Bharat. A situação ainda será apurada pela CGU, que pretende identificar quem fez as colagens.


Apesar disso, Rosário afirmou que “não há dúvida de que a Precisa era a representante da Bharat”. Isso porque, em um documento de outubro do ano passado, o laboratório indiano passou para a empresa autorização para negociar a vacina, algo que reafirmou em 24 de fevereiro, após pedido de esclarecimento da área jurídica do ministério. O ministro da CGU afirmou que não havia irregularidades em relação ao contrato.


Já Marcelo Queiroga afirmou que o contrato de compra da Covaxin será cancelado, decisão foi tomada após investigação da CGU sobre o processo de aquisição de 20 milhões de doses por R$ 1,6 bilhão. (ST com Agência Estado)

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