Nas entrelinhas

À procura de um líder

Correio Braziliense
postado em 30/07/2021 22:59 / atualizado em 30/07/2021 22:59

Faltam pouco mais de 14 meses para os brasileiros se decidirem sobre Jair Bolsonaro. Ou eles concedem mais quatro anos de mandato ao presidente, ou sustam a permanência do ex-capitão do Exército no Palácio do Planalto. Independentemente do resultado das urnas, duas certezas terão se formado sobre o homem que veste a faixa presidencial desde janeiro de 2019. A primeira: o bolsonarismo permanecerá no cenário nacional, pois representa, a um só tempo, uma prática política e o pensamento de uma parcela significativa da sociedade brasileira. Como se sabe, a mentalidade bolsonarista guarda algumas características evidentes: fervor religioso, conservadorismo, pseudoliberalismo econômico, valorização das corporações, militarização, compadrio de ocasião, apreço à máquina estatal, repulsa à agenda ambiental, desprezo à cultura. Até o último dia de governo, pouco importa o ano, o presidente continuará a metabolizar essas ideias no seu modo de fazer política. E acrescentará seu estilo pessoal, conhecido por todos: verborrágico, chulo, agressivo, incoerente, preconceituoso, negacionista, conspirativo.


A segunda certeza referente a Jair Bolsonaro é o estado desagregador que permanecerá na vida política e social brasileira. Nas eleições de 2018, o candidato personificou o discurso do antissistema. Consagrou a figura do outsider, dizia que Deus está acima de tudo, apregoava uma nova política e manifestava profunda intolerância à corrupção. Com essa receita eleitoral, o “mito” conquistou a indignação dos brasileiros revoltados com os escândalos trazidos à luz pela Lava-Jato e atraiu uma parcela conservadora do eleitorado, que andava quieta após 13 anos de gestões petistas. Bolsonaro formou uma maioria no país, ainda que por um momento.


Passados quase três anos, no entanto, o presidente mostra-se incapaz de construir uma coalizão política que dê rumo ao país. Com a popularidade em queda livre, Bolsonaro escolheu o caminho do confronto para sobreviver: ofende adversários, ataca instituições da República, dissemina teorias conspiratórias catadas da internet para impressionar incautos. Na disputa partidária, em nada contribuiu para reduzir a nefasta profusão de legendas. Desvencilhou-se do partido que o levou ao Planalto quando entendeu que não lhe servia mais. Chamou para perto de si o Centrão, do qual sempre fez parte, a fim de pavimentar uma incerta campanha de reeleição. Trata-se de um governante cada vez mais refém e isolado, sem condições de buscar um consenso, seja no meio político, seja na sociedade.


Entre os brasileiros, está cada vez mais difícil identificar um alinhamento de interesses, enquanto as grandes questões nacionais se agravam ou são postergadas. A paralisia é agravada pela ausência de políticas públicas que estimulem a sociedade a reagir a cenário tão inóspito. Não se discutem ideias. O debate político se resume a atacar o adversário das urnas. Vive-se uma politização nefasta, cujo produto é uma rixa que contamina toda ação coletiva — lembremos as controvérsias inúteis e as ações deliberadas para sabotar medidas como distanciamento social, o uso de máscara, o respeito à ciência e a compra de vacinas. A política no Brasil de 2021 desagrega. Separa amigos. Afasta parentes. Alimenta um fla-flu sem vencedores.


A conjunção desses dois efeitos do bolsonarismo impõe enormes desafios para a democracia brasileira. Nada indica que o presidente mudará sua natureza beligerante, para não dizer autoritária. Essa postura mostra-se claramente prejudicial, no momento em que a nação precisa se unir em favor de um esforço de reconstrução, não apenas da economia, mas também na saúde pública, na educação, no meio ambiente, na boa política. Se perceber que não reunirá condições para continuar no Planalto, Bolsonaro levará a fundo a ofensiva contra a ordem democrática, com ataques sistemáticos aos Poderes constituídos e ao sistema eleitoral. Caberá às instituições da República assegurar ao país a continuidade na via democrática.


A sociedade brasileira, por sua vez, terá a missão de escolher o próximo chefe da nação em momento tão conturbado. Trata-se de decisão da maior importância, considerando a gravidade dos problemas que nos afetam. Do meio milhão de mortos por covid ao abandono da Cinemateca Brasileira, não faltam motivos para o eleitor repudiar aventuras políticas e buscar um líder à altura da nação.

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