Ameaças à democracia

Forças Armadas não apoiarão aventura antidemocrática, garante militar

Oficial de alta patente assegura ao Correio: lealdade ao presidente Jair Bolsonaro não significa apoio a um golpe. Analistas veem divisão na caserna, mas negam respaldo a uma investida autoritária

As ameaças antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro têm levantado dúvidas sobre o apoio das Forças Armadas a eventuais investidas autoritárias do chefe do Poder Executivo. Não houve, até o momento, qualquer manifestação dos fardados condenando o discurso de Bolsonaro, que disse recentemente que, caso o voto impresso não seja aprovado para as eleições de 2022, o pleito não ocorrerá.

Essa pauta, uma das mais sensíveis para o governo — que já enxerga a possibilidade de derrota nas urnas, de acordo com as últimas pesquisas de opinião —, está prestes a ser enterrada. Isso porque, no Congresso, já há um posicionamento da maioria dos partidos contra a PEC do voto impresso. A proposta de emenda constitucional quase foi derrubada nesta sexta-feira (16), quando os deputados se reuniram para votar o parecer do relator na Comissão Especial. Prevendo a derrota e o sepultamento do texto, os parlamentares governistas conseguiram adiar a votação para agosto, após o recesso parlamentar.

Sem o voto impresso, aumenta o receio de uma radicalização da parte de Bolsonaro, pois ele ameaça não reconhecer o resultado das urnas, a exemplo do que fez Donald Trump nos Estados Unidos — o que resultou na invasão do Capitólio, em Washington, causando a morte de cinco pessoas.

Chance zero

Mas um militar de alta patente garantiu ao Correio que Bolsonaro não terá apoio das Forças Armadas caso atente contra a democracia. Não existe, segundo ele, qualquer possibilidade de os fardados apoiarem qualquer ato desse gênero.

“É absurdo, não existe a menor possibilidade. As Forças Armadas são instituições de Estado, não de governo, e vão continuar após Bolsonaro. Não há o menor cabimento. Todo praça ou militar mais moderno que está no comando vai dizer o mesmo”, assegurou.

Ele explica que os militares são leais aos seus comandantes-em-chefe, mas que isso é totalmente diferente de apoiar um golpe. “Os militares foram leais ao Fernando Henrique Cardoso, ao Luiz Inácio Lula da Silva, à Dilma Rousseff, ao Michel Temer, e ninguém questionou se teria golpe. Por que questionar agora? Continuarão honrando seus compromissos e valores de moral, ética e princípios”, assegurou.

O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também aposta contra o apoio das Forças Armadas ao presidente em um eventual ataque à democracia. Ele explica que há, sim, militares que estão alinhados ao presidente, mas que, para dar um golpe, é necessário mais que apenas vontade. O ato, segundo ele, implicaria em uma crise institucional, seguida de uma grave crise social e econômica.

“Eu não creio que tenham a intenção de acompanhá-lo em uma aventura golpista. Você não teria apoio de uma superpotência, um país forte como o Estados Unidos, por exemplo, e não teria apoio do empresariado. Não interessa para o empresariado ver uma ruptura institucional e não conseguir, por exemplo, fazer negócios com outros países. Não interessa o Brasil ficar isolado e sofrer sanções econômicas de vários tipos”, observou.

Racha

Já Márcio Coimbra, cientista político que já integrou o governo Bolsonaro em 2019 e agora é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais do Mackenzie, vê um “racha” nas Forças Armadas quando o assunto é o apoio ao governo. Ele acredita que a democracia brasileira está em um momento de maturidade e afirma que a sociedade, especialmente do ponto de vista econômico, está globalizada.

“Teríamos sanções da União Europeia, dos EUA e de outros países. Os impactos comerciais de um presidente da República tentando subverter a ordem institucional e constitucional seriam enormes”, explicou.

Coimbra acredita que os comandantes das Forças que estão do lado da Constituição têm tentado ignorar as posições de Bolsonaro para se manterem em seus cargos. E se precisarem se manifestar de forma rígida em um futuro próximo, tenham como fazê-lo.

Mobilização da base

O cientista político não descarta, no entanto, que Bolsonaro esteja falando sério quanto a tentar impedir o processo eleitoral. “Ele pode levar isso à frente, mas ele está tentando mobilizar a base porque precisam de conflito. A base dele é de confronto, não de entendimento. Ele precisa sempre de um inimigo para antagonizar”, disse.

Para Coimbra, quando Bolsonaro atenta contra as eleições democráticas, comete "um crime de responsabilidade, passível de impeachment. Mas o objetivo dele é tumultuar o processo eleitoral, porque sabe que diante da situação atual, vai perder. Está seguindo a mesma cartilha do Trump nos EUA”, alerta.

Nesse sentido, segundo Coimbra, o grande risco não diz respeito às Forças Armadas, mas aos policiais militares. “Eu não vejo como grande problema qualquer coisa em relação às Forças Armadas, mas vejo em relação às polícias militares, que me gera muito mais preocupação”, salientou.

Desde que os protestos de rua da oposição foram retomados, diversos manifestantes já foram presos ou abordados por policiais militares em atos ou fora deles, após exporem faixas contra Bolsonaro. Em março, a PM do Distrito Federal prendeu cinco manifestantes que portavam uma faixa com os dizeres “Bolsonaro genocida”.

A corporação afirmou que eles foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN), já que havia, na faixa, uma charge em que o presidente aparecia pintando uma suástica.

Em maio, outro caso chamou a atenção: um militante do PT em Goiás foi parado por um soldado da PM-GO por ter, em seu carro, um adesivo que chamava Bolsonaro de genocida. O militar constrangeu o manifestante e disse que o enquadraria na LSN por calúnia. O homem foi detido, mas o delegado não viu enquadramento legal para autuá-lo conforme a Lei de Segurança Nacional.

 

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