ONG traz Bolsonaro na cúpula

Ligada a uma pessoa próxima do reverendo Amilton de Paula, a "Missão Humanitária do Estado Maior das Forças Armadas" tem sede nos EUA e foi registrada em outubro de 2020. O surpreendente é que o documento da entidade tem o presidente e Mourão como dirigentes

» Bruna Lima » Sarah Teófilo
postado em 05/08/2021 00:40

Mais um elemento pode reforçar, de acordo com a CPI da Covid, a relação próxima entre Jair Bolsonaro e o reverendo Amilton de Paula, apontado como intermediador do governo federal junto à Davati Medical Supply, empresa que ofertava 400 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 sem qualquer conhecimento do fabricante, a AstraZeneca. O nome do presidente consta, segundo a denúncia feita ontem pela Agência Sportlight, como diretor-presidente de uma ONG norte-americana, com sede no estado da Flórida, ligada a Roberto Cohen, apontado como parceiro do reverendo.

Durante o depoimento à CPI, na última terça-feira, Amilton negou ser próximo de Bolsonaro ou a pessoas do governo federal que pudessem ter aberto as portas para avançar nas negociações das vacinas — cujas tratativas estão na mira da comissão de inquérito, após revelação de que membros do Ministério da Saúde ligados aos militares ali lotados e ao Centrão estariam pedindo propina para fechar contratos. Mas o reverendo confirmou conhecer Cohen e, segundo ele, é normal que dirigentes de outras entidades com fins humanitários se coloquem “à disposição para fazer parcerias”. Amilton, porém, disse não saber detalhes da ONG “Missão Humanitária do Estado Maior das Forças Armadas”, entidade que supostamente Bolsonaro integra.

A ONG foi registrada em Miami em 30 de outubro de 2020, durante a pandemia. De acordo com documentos aos quais a Sportlight teve acesso, Cohen aparece como secretário, Bolsonaro como presidente-diretor e o vice-presidente Hamilton Mourão como vice-diretor. A “Missão Humanitária do Estado Maior das Forças Armadas” se denomina “uma organização diplomática, humanitária, com missão de paz, militar, organização intergovernamental e nonprofit” — sem fins lucrativos, em inglês.

Credibilidade
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) trouxe a denúncia de que a ONG faz uso de nome, brasão e informações de instituições oficiais para passar credibilidade. Nesse contexto, o parlamentar defendeu que esse seria uma forma de operar das entidades ligadas a Amilton, a exemplo da Secretária Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), presidida e fundada pelo religioso, cujo nome dá a ideia de ser um braço do governo federal e que fez uso indevido da logo da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Estamos diante de falsários e estelionatários que tentam enganar incautos na administração pública e/ou beneficiar espertos e oportunistas”, disse Prates, completando que o governo federal tem obrigação de checar a entidade “porque tem aqui a logomarca do Pátria Amada, o Brasão da República, o gov.br e o endereço no mesmo endereço do Ministério da Defesa”.

Apesar da própria cúpula de liderança da CPI ainda ter dúvidas quanto ao envolvimento de Bolsonaro com a ONG, sobretudo pelas inconsistências que a envolvem, a crítica é a demora em se pronunciar sobre o caso. “Todas as outras instituições negaram qualquer relação (com a ONG). A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) assim o fez; o Conselho Nacional de Justiça também e o nome da instituição não consta no portfólio da ONU (Organização das Nações Unidas). Só Jair Bolsonaro não desmentiu”, estranhou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Para o parlamentar, o que salta aos olhos é que a proximidade de Amilton com o governo é maior do que o reverendo disse ter. “Existia uma relação íntima e próxima junto a agentes políticos do governo que possibilitaram trânsito livre no Ministério da Saúde”.

Na avaliação de Humberto Costa (PT-PE), ter o respaldo de Bolsonaro “é um cartão de visita que dispensa muita coisa”, abrindo as portas para a instituição. “O presidente da República precisa dizer se deu aval. Se deu, está sendo usado de forma inadequada”. O Correio acionou a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e da Vice-Presidência para questionar se os nomes do presidente e de Mourão foram ligados à entidade de forma consentida e legal, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Deputado tumultua e é expulso da sessão

 (crédito: Pedro França/Agência Senado)
crédito: Pedro França/Agência Senado

O deputado federal Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR) foi expulso, ontem, da sala da CPI da Covid pelo vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por tumultuar a sessão. O parlamentar havia gravado um vídeo para as redes sociais, durante a oitiva do ex-assessor do Departamento de Logística (DLOG) do Ministério da Saúde, tenente-coronel Marcelo Branco, criticando a comissão. “O senhor não pode desrespeitar esta comissão, não pode atuar desta forma, e eu pedirei para os seguranças daqui do Senado tomarem as devidas providências”, disse Randolfe. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) acusou a interferência de ser “o modus operandi do governo”. Fora da sala, Stephanes chamou Randolfe de prepotente e disse que a CPI quer apenas prejudicar Bolsonaro.

Articulação para golpe

Em um depoimento de sete horas à CPI da Covid, o ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, tenente-coronel Marcelo Blanco, negou qualquer pedido de propina no âmbito das negociações de vacina contra covid-19 e disse que buscou conversas com o cabo da Polícia Militar de Minas Luiz Paulo Dominghetti — apontado como vendedor autônomo de vacinas da Davati Medical Supply — para negociar aquisição de imunizantes para iniciativa privada. A história, porém, não convenceu os senadores, para os quais a justificativa de Blanco não faz sentido e que se estava montando um grande golpe contra o erário.

O colegiado lembrou que em fevereiro de 2021, período no qual o militar afirmou negociar vacinas para a inciativa privada, não havia qualquer lei que permitisse a compra de imunizantes que não fosse pelo governo federal — a lei foi sancionada em 11 de março. Blanco foi convocado para falar sobre as negociações da Davati junto ao Ministério da Saúde e do encontro entre ele, Dominghetti e o ex-diretor de Logística do ministério Roberto Dias, em um restaurante de Brasília, no dia 25 de fevereiro.

Apesar de ter sido considerado um depoimento, os senadores destacaram que o relato reforça “as convicções que nós temos de que estava se montando ali um grande golpe de corrupção contra o Ministério da Saúde na aquisição de vacinas”, como destacou Humberto Costa (PT-PE). (BL e ST)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação