Em depoimento à CPI da Covid, ontem, o ex-assessor especial do Ministério da Saúde Airton Antonio Soligo — conhecido como Airton Cascavel — atribuiu à Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde, então sob a chefia pelo coronel Élcio Franco, a exclusividade das negociações para compra de vacinas contra a covid-19. Para os integrantes da comissão, cada vez mais cresce o protagonismo do militar em transações pouco ortodoxas em nome da pasta, tanto que, conforme disseram, é praticamente certo que seja indiciado ao final dos trabalhos do colegiado.
Cascavel afirmou que não tinha função de lidar com vacinas, mas que foi a São Paulo como interlocutor do ministro Eduardo Pazuello para fazer a aproximação com o Instituto Butantan, e que também atuou da mesma forma no caso da AstraZeneca para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Questionado sobre participação no diálogo para a compra da Covaxin, Cascavel disse: “No Ministério, esses tratos sempre foram lá na Secretaria-Executiva. Todo o diálogo era com o Élcio Franco”, assegurou. O coronel já foi indicado como responsável pelas tratativas relacionadas ao imunizante indiano em outros depoimentos à CPI.
O ex-diretor de Logística do ministério Rodrigo Ferreira Dias também fez diversas referências de que os contratos de vacinas que estão na mira da CPI, por suspeita de cobrança de propina, eram comandados por Élcio.
Já a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI) Francieli Fantinato indicou ter sido Élcio quem decidiu não optar por adquirir mais doses de vacinas pelo Covax Facility, consórcio internacional coordenado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo ela, o ex-secretário-executivo disse que “não tem como colocar todos os ovos na mesma cesta”.
Além de negar envolvimento em contratos de vacinas, Cascavel disse que se afastou porque “picaretas das vacinas” procuraram o ministério para tentar negociar junto ao governo federal. “Criei ojeriza ao ver isso. Estava no ministério e quantos picaretas apareciam. E eu resolvi não receber nenhum, porque, no momento em que você não tinha a fábrica da AstraZeneca, não tinha um milhão de vacinas para entregar para o Brasil, picaretas apareciam querendo vender 200 milhões”, disse.
O papel de Cascavel dentro do ministério seria o de realizar uma articulação política em ações envolvendo o enfrentamento à pandemia. O convite a ele foi feito por Pazuello, que conheceu durante a Operação Acolhida — que recebeu refugiados venezuelanos fugidos da fome no país vizinho. Segundo informações colhidas pela CPI, ele agia nas reuniões tripartites entre o ministério e os conselhos nacionais de saúde dos estados e municípios, como um verdadeiro braço do ministro — apesar de passar algum tempo sem qualquer vínculo formal com o ministério.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sustentou que a atuação de Cascavel na pasta foi irregular. Por conta disso, os senadores Randolfe e Eliziane Gama (Cidadania-MA) consideram que Cascavel praticou crime de usurpação da função pública.
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Investigação de Bolsonaro
Se o governo usou a Polícia Federal para intimidar a CPI da Covid, como creem os senadores, os membros do colegiado querem dar o troco exigindo que o Poder Executivo seja investigado por divulgar um inquérito sigiloso da PF sobre suposta fraude em urnas eletrônicas. O vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), cobrou que o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, interpelem o presidente Jair Bolsonaro. O senador cobrou por conta da investigação de suposto vazamento de documentos coletados pela CPI à imprensa. A apuração da PF veio depois de ser noticiado que houve a supressão de trechos em que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello cita o presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).
Quebras de Pazuello são mantidas
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve, ontem, a quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello decretada pela CPI da Covid. Ao analisar o recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para tentar vetar a medida, o ministro concluiu que a ordem foi devidamente justificada pela comissão e pode ajudar no avanço das investigações sobre atos e eventuais omissões dos gestores públicos na pandemia.
Em sua decisão, Lewandowski lembrou que as comissões parlamentares têm “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” e podem determinar diligências que julgarem necessárias no curso de suas apurações. “Desempenham um relevantíssimo papel institucional na elucidação de fatos de interesse da coletividade, sobretudo daqueles que, em condições normais, não viriam ao conhecimento da sociedade ou das autoridades competentes”, defendeu o ministro.
Os requerimentos para quebrar os sigilos de Pazuello foram apresentados pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e aprovados por maioria na comissão. A devassa alcança o período posterior a 2018, quando o general ainda não era ministro da Saúde. Na avaliação de Lewandowski, não há abuso ou ilegalidade na extensão da medida.
“O critério cronológico fixado para a quebra dos sigilos do impetrante coincide, a meu ver, em linhas gerais, com o objeto da CPI, na forma da justificativa apresentada pelos parlamentares, segundo a qual fixou-se ‘o ano de 2018 como termo inicial, de modo a permitir a análise comparativa entre os períodos pré e pós-pandemia’”, escreveu.
Lewandowski faz a ressalva de que os documentos e dados confidenciais obtidos pela CPI devem permanecer em “rigoroso sigilo”. Em junho, o ministro já havia julgado recurso semelhante da AGU em favor de Pazuello. O novo pedido foi apresentado depois que a comissão ampliou as quebras de sigilo do general.