ENTREVISTA

"Militares têm responsabilidade", avalia Aldo Rebelo

Ex-presidente da Câmara diz que integrantes das Forças Armada têm compromisso com o Brasil e não vão querer entrar em aventura indesejada como um golpe de Estado. Ele afirma que Bolsonaro se transformou "num fator de turbulência e instabilidade"

Vicente Nunes
João Vitor Tavarez*
postado em 03/09/2021 05:56 / atualizado em 03/09/2021 05:57
Aldo Rebelo:
Aldo Rebelo: "Quem comanda a tropa são os profissionais da ativa. E estes permanecem em silêncio, pois agem dentro da legalidade. Não podem opinar sobre a situação política. A exceção é um caso ou outro isolado. A maioria cumpre sua tarefa institucional" - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo disse não ver possibilidade de um golpe de Estado no Brasil, apesar do momento de turbulência que atinge o país: o presidente Jair Bolsonaro tem subido o tom das críticas ao Judiciário e ameaçado as eleições de 2022. Além disso, o chefe do Executivo busca respaldo nas Forças Armadas.

“O acirramento concentra-se mais na esfera política e por isso, creio, não tenha capacidade de gerar um fenômeno indesejado ao país, como um golpe de Estado. Não há forças capazes de promover uma aventura dessa natureza”, frisou Rebelo, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.

Questionado sobre como está o clima nos quartéis em meio aos embates na República, o ex-ministro da Defesa frisou que militares da ativa, em geral, não comentam sobre política no país. “Aqueles da reserva são quase civis. Manifestam-se politicamente. Mas quem comanda a tropa são os profissionais da ativa. E estes permanecem em silêncio, pois agem dentro da legalidade”, ressaltou. Veja os principais trechos da entrevista.

Como vê este momento político acirrado no país?

É necessário observar o panorama político com serenidade. O Brasil vive, de fato, um momento de turbulência. Contudo, o país continua se dedicando às outras funções. O acirramento concentra-se mais na esfera política e, por isso, creio, não tem capacidade de gerar um fenômeno indesejado ao país, como um golpe de Estado. Não há forças capazes de promover uma aventura dessa natureza, em que pese o presidente da República, que deveria ser o chefe da busca pela conciliação, ter se transformado num fator de turbulência e instabilidade.

Essa turbulência atrapalha muito a economia, como o recuo do Produto Interno Bruto, da produtividade industrial, da renda e na vida dos brasileiros em geral.

A instabilidade agrava o que já é difícil, a economia. O Brasil vive um processo de estagnação econômica e, por isso, não consegue retomar o crescimento. Quando o país cresce, há dinheiro para quase tudo (setores). Quando não cresce, não se tem recursos para nada. A economia também vive um processo inflacionário em cima dos mais pobres, encarecendo o preço do gás, da gasolina e dos gêneros de primeira necessidade. Outro ponto é a multiplicação da pobreza, marcada pela redução da renda dos mais pobres. Somado a isso, temos um país isolado internacionalmente. Briga frequentemente com países vizinhos e outros, como a China. É uma situação muito difícil.

Esse é o motivo para os “donos do dinheiro” se divorciarem de Bolsonaro?

A economia precisa de estabilidade política, digo, institucional, outra área que vive um conflito, que é natural na democracia. Mais do que isso. É quase um momento de confronto. Então, isso gera insegurança institucional e jurídica, o que gera desconfiança na economia e, por isso, assume posição crítica em relação ao governo e, sobretudo, ao presidente da República.

Como ex-ministro da Defesa, o senhor tem conversado muito com militares para medir o clima nos quartéis. O que tem ouvido deles referente a esta tensão política?

Os militares da ativa são transformados, indevidamente, em protagonistas. Aqueles da reserva são quase civis. Manifestam-se politicamente. Mas quem comanda a tropa são os profissionais da ativa. E estes permanecem em silêncio, pois agem dentro da legalidade. Não podem opinar sobre a situação política. A exceção é um caso ou outro isolado. A maioria cumpre sua tarefa institucional.

Acredita em engajamento de militares num eventual golpe de Estado?

Não creio, pois o ambiente político, no Brasil e no mundo, é muito diferente de 1964 (início da ditadura militar no país). Naquele ano, os militares receberam um apelo da mídia para realizar intervenção armada. Grandes editorialistas da época e entidades pediam o golpe. Indústrias, setores do agronegócio, políticos e outros segmentos queriam um golpe. Hoje em dia, não vejo esse movimento. Militares têm grandes responsabilidades no país em diversas frentes. Então, não vão querer entrar nessa aventura.

E de polícias militares?

Também não acredito. Policiais da ativa têm deveres a cumprir. Ainda que tenham simpatia pelo presidente da República, não vão se engajar em uma aventura de golpe.

Como avalia o movimento para o 7 de Setembro? Pode ser um ponto de ruptura?

Não creio que será ponto de ruptura. Mas é um ponto de confusão. Sete de setembro é a data magna do Brasil. É um momento sublime da nossa pátria, quando conquistamos a independência, e deve ser celebrado como um evento de todos os brasileiros, mas, agora, vamos às ruas para um conflito entre as pessoas. É legítimo que adeptos de Bolsonaro se manifestem? Sim, acho que é, assim como os opositores se manifestem. Mas é errado escolher o 7 de Setembro para isso. Há mais de 300 dias no ano. Por que escolher o dia da pátria para dividir o Brasil? É inaceitável!

Há segmentos produtivos e neofascistas defendendo o evento?

Teve gente ameaçando invadir o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal), o que só aconteceria caso os dois órgãos não tivessem autoridade nenhuma. Agora, não vi os chefes dessas instituições se manifestarem duramente, com linguagem incisiva. Até porque são instituições democráticas. Não podem ser ameaçadas.

O STF tem cometido excessos, como alega Bolsonaro?

Claro que tem cometido, mas como se enfrentam os excessos do Supremo? Com ameaça aos ministros e à Corte? Não. Isso só credencia o STF a promover excessos, que não são de hoje.

Como impor limites para todos?

Uma das possibilidades é passar por uma nova Constituição. Infelizmente, hoje, não a temos mais, pois virou a interpretação do STF.

Bolsonaro sancionou a Lei de Segurança Nacional, mas vetou o trecho que trata da disseminação de fake news e o que aumenta a condenação de militares que cometerem excessos. Como avalia?

Primeiro, o país precisa de uma Lei de Segurança Nacional. O mundo, hoje, é carregado de inseguranças e ameaças em diversas áreas. Segundo, esse dispositivo não é para proteger crimes e erros de governantes. Tem de servir para proteger a segurança da nação, inclusive, se necessário, contra os seus governantes. Criou-se uma ideia de que a Lei de Segurança Nacional ameaça os direitos individuais, e não deve ser assim. Em relação às fake news, o tema fica numa fronteira entre a proteção contra ilícitos cibernéticos e a violação da liberdade de opinião. É uma matéria muito difícil e controversa no momento.

O que levou o país a eleger Bolsonaro à presidência? Ele tem chance de recondução?

O processo de combate à corrupção destruiu boa parte do mundo político. Então, quase nada ficou de pé. Na poeira dos escombros, ficou Jair Bolsonaro, que trouxe a imagem de militar e sem envolvimento com corrupção. As pessoas consideraram que ele pudesse resolver o problema (do país). Mas, como os brasileiros não conheciam direito Jair Bolsonaro, sequer imaginariam que ele, no exercício da função, ia atrapalhar. O Brasil é muito mais complexo em relação ao que Bolsonaro projetava. Vejo com dificuldade a reeleição.

* Estagiário sob supervisão de Cida Barbosa

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