Poder

"Ninguém fechará esta corte", avisa Fux

Em resposta às ameaças e à recusa de obedecer decisões judiciais por parte de Jair Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal adverte o Congresso Nacional sobre o dever constitucional de apurar crimes de responsabilidade. Lira e Pacheco pedem atenção ao Brasil real

» ISRAEL MEDEIROS » FERNANDA STRICKLAND
postado em 09/09/2021 00:21
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

As ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal, em mais um degrau da crise institucional que se arrasta há meses, provocaram uma forte reação dos demais Poderes republicanos. A resposta mais contundente partiu do Judiciário, alvo principal dos ataques de Bolsonaro nas manifestações de Sete de Setembro. O ministro Luiz Fux, presidente do STF, disse, em pronunciamento, que “ninguém fechará” a Corte. E lembrou o papel constitucional do Congresso Nacional na apuração de crimes de responsabilidade cometidos pelo chefe do Executivo. As declarações inflamadas de Bolsonaro para multidões de apoiadores também provocaram reações de representantes do Parlamento, da Procuradoria-Geral da República e de partidos políticos. Não há sinal de distensionamento após o Dia da Independência, sequestrado pela ideologia bolsonarista.


Na abertura da sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux expressou o sentimento recolhido dos demais ministros na noite anterior. “Ofender a honra dos ministros e incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas e ilícitas e intoleráveis em respeito ao juramento constitucional que todos nós fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta Corte”, disparou Fux.


Após explicitar a defesa incondicional da democracia, o presidente do STF alertou para as consequências de desafiar o Poder Judiciário. “Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de apresentar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, disse Fux. Ele acrescentou que as discordâncias e questionamentos a decisões judiciais devem ser feitas de acordo com a lei, através de recursos processuais e sem desobediência.


O ministro conclamou, ainda, os líderes do país a se preocuparem com os reais problemas que assolam a população, como a pandemia do novo coronavírus — que já matou mais de 580 mil brasileiros —, o desemprego e a inflação. O ministro fez, também, um apelo à população. “Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo ou o povo contra suas instituições”, pontuou Fux. “Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos”, completou.

Impeachment

O discurso de Fux foi, em larga medida, a resposta mais forte às investidas de Bolsonaro. E contrastou com o tom adotado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), responsável por dar início a um processo de impeachment. Lira disse que é hora de dar um “basta” na escalada da crise entre o Executivo e o Judiciário. “Não vejo como possamos ter ainda mais espaço para radicalismo e excessos", afirmou. Ele lamentou, ainda, que "bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade”.


Lira fez questão de externar o posicionamento da Câmara, com recados para o Executivo e o Judiciário. “Não posso admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas — como a do voto impresso. Uma vez definida, vira-se a página. Assim como também vou seguir defendendo o direito dos parlamentares à livre expressão — e a nossa prerrogativa de puni-los internamente se a Casa com sua soberania e independência entender que cruzaram a linha", disse o presidente da Câmara. Chefe de poder que mantém mais contato com o Palácio do Planalto, Lira foi procurado pelos ministros Ciro Nogueira e Flávia Arruda. Reuniu-se com o presidente Bolsonaro, em uma tentativa do governo de encontrar uma saída para o impasse institucional.
O presidente do Senado também se pronunciou. Rodrigo Pacheco (DEM-MG) afirmou que o Brasil vive uma “crise real”, com a alta da inflação e do preço dos combustíveis e afirmou que a solução para estes problemas não está em questionar a democracia. “Nós vivemos em um país em crise. Uma crise real. De fome e de miséria que bate à porta dos brasileiros, sacrificando a dignidade das pessoas. (...) A solução não está no autoritarismo, não está nos arroubos antidemocráticos, não está em questionar a democracia. A solução está na maturidade política dos poderes constituídos de buscar convergências para aquilo que interessa aos brasileiros”, disse.


O procurador-geral da República, Augusto Aras, adotou um tom igualmente moderado. Classificou as manifestações como “festa cívica" de uma “sociedade plural e aberta”. (Israel Medeiros, Jorge Vasconcellos, Raphael Felice, Fernanda Strickland).

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Entre o golpe e a retórica

Ministros aposentados do STF ouvidos pelo Correio criticaram a conduta do presidente contra o Supremo Tribunal Federal. Para Francisco Rezek, Bolsonaro “perdeu o controle”. “Ele não governa o país. Abandonou essa prática em nome do seu único interesse de proteger a si mesmo e aos seus familiares. Até mesmo o propósito da reeleição tem a ver com isso, que é menos importante pela conservação do poder por mais quatro anos do que pela preservação desse escudo protetivo contra os vários processos que correm na Justiça. Isso é uma tragédia nacional sem tamanho”, ponderou.


Ex-presidente da Corte, Marco Aurélio Mello lamentou o “discurso ácido” de Bolsonaro durante as manifestações de terça-feira, que não condiz com o comportamento de um presidente da República. Segundo ele, “decisão judicial cumpre-se ou impugna-se”. Para o ministro, ao falar em ignorar as determinações do Supremo, Bolsonaro comete um “arroubo de retórica” e “dá um péssimo exemplo”. “O momento é de diálogo, de temperança e de compreensão”, observou.
Sepúlveda Pertence, que também já presidiu o STF, disse que a reação de Bolsonaro é descabida, ao baixar o nível para questionar a atuação de ministros. Ele também frisou que o discurso do presidente “parece preparatório de um golpe”. “Eu prefiro não acreditar, mas é de causar muita preocupação. Nem nas piores crises do STF se chegou ao ponto que vimos na terça-feira. Esse presidente não é de levar muito a sério as suas ameaças, mas é bom não confiar demais”, pontuou.

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