Na sessão mais tensa da CPI da Covid até agora, o ministro da Controladoria Geral da União, Wagner Rosário, não explicou as razões pelas quais demorou a tomar providências para que o contrato de compra da vacina Covaxin, pelo Ministério da Saúde, fosse suspenso. Contrariando alertas dos próprios auditores da CGU, ele afirmou que o órgão não barrou a aquisição do imunizante fabricado pela Bharat Biotec porque verificou que o preço das doses, no site da própria fabricante do medicamento, não fugia à regra dos valores de imunizantes que vinham sendo negociados com o Ministério da Saúde. Ao final, por determinação do presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), o ministro passou da condição de testemunha para a de investigado.
O clima do depoimento de Rosário esteve ruim desde o início, pois tanto ele quanto os senadores todo o tempo mantiveram o tom agressivo nas perguntas e nas respostas. Por conta disso, o chefe da CGU foi alertado em pelo menos quatro oportunidades de que estava sendo “petulante” — como classificou o senador Rogério Carvalho (PT-SE) — e “desrespeitoso” — como lembrou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Até mesmo os advogados que acompanharam o ministro pediram que moderasse o tom, pousando pelo menos duas vezes a mão sobre o ombro dele.
O confronto chegou ao ápice e ao ser inquirido pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que apontou que Rosário não interveio para impedir o fechamento de um contrato de fornecimento de vacinas repleto de vícios e inconsistências — um processo investigativo já corria dentro da CGU.
“O episódio de hoje me lembrou um pouco que nós já tivemos um procurador-geral da República e engavetador também. E agora temos um controlador-geral da União que também passa pano, deixa as coisas acontecerem. Eu fico imaginando que vaio fazer esse inquérito prévio, se realmente vai investigar e apurar quem são os servidores públicos omissos que esconderam o contrato da Covaxin de cada um de nós e da população brasileira”, cobrou Simone.
“Com todo respeito à senhora, recomendo que lesse tudo de novo. A senhora falou uma série de inverdades”, rebateu Rosário.
“Não faça isso! O senhor pode dizer que falei inverdades, mas não me peça para fazer algo porque sou senadora da República. Não é meu papel ler o contrato da Covaxin, é papel de vossa excelência”, reagiu Simone.
A partir daí, começou a confusão. A senadora disse que Rosário se comportava como “menino mimado” e ele reagiu afirmando que ela estava “descontrolada”. O bate-boca se generalizou, com os parlamentares cobrando respeito do chefe da CGU e sendo chamado de “machista”. No meio do bate-boca, o senador Otto Alencar (PSD-BA) classificou o ministro como “moleque de recados”, “descarado” e “pau mandado”.
Depois de suspensos os trabalhos da CPI, Simone disse que Rosário a procurou para se desculpar e tentar superar o episódio. Mais tarde, o chefe da CGU se manifestou também pelo Twitter.
“Senadora: apesar de tê-lo feito pessoalmente, reitero meus pedidos de desculpas caso minhas palavras tenham lhe ofendido. Às vezes, no calor do embate, somos agressivos inconscientemente. Estendo minhas desculpas a todas mulheres que tenham se sentido ofendidas”, registrou.
Reação atrasada
O ministro foi confrontado sobre as datas em que soube dos problemas no contrato da Covaxin e quando mandou tomar providências. Rosário deu a ordem para iniciar a investigação da CGU após a CPI ser instalada — começou as atividades em 27 de abril e o processo interno na controladoria começou em junho. Conforme disse, quando chegou ao seu conhecimento a possível fraude, sua determinação foi que “desse foco às irregularidades”.
Rosário, porém, se escorou no argumento de que só haveria possibilidade de superfaturamento caso o governo tivesse efetivamente pago pelas vacinas. “Mostre um documento que mostre que a CGU disse que o contrato era regular, tudo bem, a gente assume”, desafiou Rosário ao responder ao relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL).
O senador insistiu na demora da CGU para investigar o contrato entre o ministério e a Precisa e indagou por que o valor de US$ 15 por dose, bem mais alto que o de outras vacinas, não levantou suspeita da CGU. Rosário, que admitiu ter feito a consulta no site da própria fabricante da Covaxin, não enxergou problemas, pois o preço seguia uma coerência em relação aos outros imunizantes obtidos pelo ministério.
Os senadores também quiseram saber que tipo de atuação teve o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, exibiu vídeo mostrando que suspeitas sobre a atuação dele circulavam na imprensa desde outubro do ano passado. E perguntou a Rosário se, na época, a CGU tomou providências.“A gente não tenha nenhuma informação de necessidade de afastamento de Roberto Dias. Providências em relação a quê? Uma reportagem do Diário do Nordeste?”, rebateu o ministro.
O contrato do Ministério da Saúde com a Precisa Medicamentos para a compra da Covaxin é um dos principais focos da CPI. O processo de aquisição de 20 milhões de doses, por R$ 1,6 bilhão, foi cancelado após o avanço das investigações dos senadores. (Colaborou Tainá Andrade)
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O engavetador que marcou a república
A citação da senadora Simone Tebet ao “engavetador geral da República” se refere ao ex-procurador Geraldo Brindeiro, que esteve à frente da PGR no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele ganhou o apelido porque dos 626 inquéritos criminais que recebeu, engavetou 242, arquivou 217 e aceitou apenas 60 denúncias. Quase todas relacionadas à corrupção ou tráfico de influência, as acusações recaíam sobre 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros e quatro outras que se relacionavam ao próprio presidente da República.
CPI pede a rejeição de recurso de Barros
O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, pediu ao Supremo Tribunal Federal que rejeite o recurso do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) contra a decisão individual da ministra Cármen Lúcia, que manteve a quebra do seu sigilo fiscal decretada pela colegiado. A briga é sobre o limite dos poderes das comissões de inquérito: se podem ou não determinar a quebra de sigilo de outros deputados e senadores. De um lado, a defesa do líder do governo na Câmara diz que a medida é ilegal por esbarrar na prerrogativa de foro especial. De outro, a Advocacia do Senado, que produziu a manifestação enviada por Aziz, na última segunda-feira, à Corte, defende que as quebras podem ser decretadas desde que sejam devidamente motivadas e fundamentadas