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Violência política de gênero continua a atingir todas as mulheres

Episódio da CPI em que Simone Tebet foi chamada de "descontrolada" por ministro mostra que, nem em espaços de representação, a agressividade do homem contra mulher diminui

Luana Patriolino - Tainá Andrade
postado em 26/09/2021 06:00
 (crédito: Roque de Sá)
(crédito: Roque de Sá)

A reação do ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, direcionada à senadora Simone Tebet (MDB-MS) — disse que estava “descontrolada”, ao se sentir incomodado com uma pergunta que ela lhe fizera —, escancarou um mal que permeia as relações da política, contra o qual as parlamentares lutam a cada dia: o machismo.

A senadora Leila Barros (Cidadania-DF) afirma que essa situação, apesar das campanhas educativas e do permanente diálogo sobre como impor limites à atuação masculina, parece uma barreira instransponível.

“Nos espaços de poder, como é o caso da política, nós, mulheres, sentimos diariamente essa ‘influência’ atrapalhando. Comigo não é diferente. Sou a primeira mulher eleita senadora pelo Distrito Federal. Só esse fato já diz muito”, destaca a parlamentar, que no episódio envolvendo Simone Tebet enfrentou o colega Marcos Rogério (DEM-RO), que menosprezou o problema em defesa de Wagner Rosário.

Para Leila, a baixa representatividade feminina na política somente aprofunda o problema. “O machismo é estrutural e cultural em toda sociedade, e na política não é diferente. Mesmo sendo maioria na população, nossa participação nos espaços de poder é ínfima. O Congresso é um reflexo atenuado da triste realidade. Somos apenas 12 senadoras entre os 81 integrantes da Casa. Tivemos avanços, mas ainda há um caminho a ser percorrido”, explica.

Por conta da agressão verbal de Rosário à senadora, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados ressalta que “é notório o crescimento dos atos de violência política contra as mulheres. A Coordenadoria dos Direitos da Mulher da Câmara não deixará de se manifestar em nenhuma ocasião em que as mulheres forem desrespeitadas, e sempre envidará todos os esforços para cobrar as providências legais cabíveis dos órgãos responsáveis”.

Minoria no Congresso, a bancada feminina trabalha para garantir a presença de mais mulheres no Legislativo. Na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), foi cobrado para que o Projeto de Lei 1951/21, já aprovado pelo Senado, seja colocado em pauta o mais breve possível. A matéria estabelece a reserva de vagas às mulheres nos cargos legislativos, nas diferentes esferas da Federação, de maneira escalonada, começando com um mínimo de 18% em 2022 e atingindo 30% em 2040.

Demanda urgente

Para a cientista política Cíntia Souza, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o número de mulheres na política ainda é pequeno diante da urgência da demanda. “Embora a iniciativa de incentivar mulheres na política seja relevante, esses percentuais são bastante tímidos se considerarmos o período de duas décadas sobre as quais a lei será aplicada”, avalia.

Cíntia explica que, no Brasil, há uma sub-representação das mulheres na política, se for avaliada a desproporção entre mulheres eleitoras e eleitas. “Somos mais da metade da população, mas alcançamos apenas 15% das eleitas para cada casa do Congresso. Essa situação é ainda pior se pensarmos nos cargos de destaque no Congresso, como presidentes de comissões ou líderes de partido, por exemplo”, ressalta.

A advogada Ladyane Souza, integrante do grupo de violência política do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), destaca que o ataque de gênero está enraizado na cultura mundial e que é uma forma de silenciar a representatividade feminina. “Quando a gente pensa na seriedade do tema, a gente pensa no que nós queremos para a nossa democracia. O objetivo dessa violência é silenciar. A partir dessa ideia de silenciamento, se torna muito sério. Atinge os nossos interesses”, afirma.

Ao Correio, a senadora Simone Tebet destaca as dificuldades de ser mulher em um espaço de poder. “Essa construção, na vida da mulher que entra para os espaços públicos de poder, não é premeditada. Ela vem, obviamente, do esforço, do trabalho e do reconhecimento. Eu falo não só por mim, mas por todas nós. Estava ali representando todas as mulheres brasileiras que não têm voz, que não têm vez, que se encontram de alguma forma discriminadas no seu mercado de trabalho, na sua vida enquanto cidadãs”, destaca.

Ao Correio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lembra que uma de suas campanhas fala sobre violência de gênero na política. Na propaganda, estrelada pela atriz Camila Pitanga, são mostradas as consequências dos ataques e por que é necessário debater o tema. A Corte também afirma que o ministro Luís Roberto Barroso recebeu, em agosto, uma comitiva feminina para tratar do assunto.

 

 

 

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Outras agressões às parlamentares

Tábata Amaral — O mais recente ataque à deputada partiu do ator José de Abreu, conhecido pelas publicações grosseiras que faz no Twitter. Ele compartilhou um post com ameaças contra a parlamentar do PSB, na qual um homem dizia que a “socaria até ser preso”. Antes disso, ele já tinha chamado Tabata de “canalha”. As agressões aconteceram depois que ela propôs a construção de uma alternativa eleitoral “que fure a polarização entre Lula e Bolsonaro”.

Vivi Reis — A deputada federal paraense pelo PSol teve seu escritório político, em Belém, invadido e vandalizado duas vezes este ano. As investigações levantam a possibilidade de um crime político contra a parlamentar.

Dayane Pimentel —A deputada federal pela Bahia moveu uma representação no Conselho de Ética contra o correligionário deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) por conta de uma postagem em que foi chamada de “traidora” e teve um alvo desenhado sobre seu rosto. Ex-bolsonarista, Dayane classificou a ação como “assustadora, temerária e ameaçadora”.

Maria do Rosário — Em 2014, o então deputado federal Jair Bolsonaro afirmou que a deputada gaúcha não merecia ser estuprada porque ele a considerava “muito feia” e porque ela “não faz seu tipo”. Em 2019, seguindo determinação judicial, o hoje presidente da República pediu desculpas a parlamentar. Ele também foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais.

Quatro perguntas / Sylvia Steiner, jurista e ex-integrante do Tribunal Penal Internacional

 (crédito: Wim Van Cappellen/ICC-TPI)
crédito: Wim Van Cappellen/ICC-TPI


Relatório da CPI será levado a Haia

Um dos planos da cúpula da CPI da Covid é levar o relatório final, que está sendo elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), também ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. Única juíza brasileira que já atuou na corte (2003-2016), Sylvia Steiner acredita que há “prova abundante” para uma condenação internacional futura do presidente Jair Bolsonaro por suas ações durante as pandemia, sem contar a possibilidade de abertura de impeachment.


Um grupo de juristas do qual a senhora faz parte entregou à CPI da Covid um parecer com crimes que teriam sido cometidos pelo presidente na condução da pandemia. Qual deles considera o mais grave?
Para começar, os crimes de responsabilidade, pois as provas são bastante robustas. O crime de estimular a epidemia, em que há provas, inclusive, científicas pela comparação com outros países de que se tivessem sido tomadas as medidas adequadas no momento certo, nós não estaríamos chegando neste número espantoso de 600 mil mortes. O crime de incentivar a epidemia e a incitação ao desrespeito às medidas sanitárias está muito bem demonstrado. Essas são condutas que estão muito bem demonstradas. A prova é abundante, até porque as pessoas do governo nunca tiveram muito cuidado em não se expor.


Um dos prováveis destinos do relatório da CPI será o Tribunal Penal Internacional. Desde o início do mandato, Bolsonaro já foi denunciado outras vezes nesta Corte, mas não houve nenhum encaminhamento. Por quê?
As denúncias que foram encaminhadas ao TPI foram três ou quatro. Tratavam de um problema de má gestão da covid. Falava-se de incompetência, de um problema administrativo, de pessoas incompetentes que estavam gerindo mal uma crise sem precedentes. Quando nós recebemos a documentação da CPI e examinamos — foram 10 mil páginas de documentos, relatórios, transcrições de depoimentos etc —, o que ficou demonstrado foi que o problema não era de má gestão. Porque má gestão e ignorância, infelizmente, não são crime.


Na avaliação da senhora, desta vez pode ser diferente?
O que nós vimos com essa documentação é que houve realmente um projeto, uma política propositada de gerar aquilo que vulgarmente se chama de imunidade de rebanho. Sendo uma política, é um elemento de contexto de crime contra a humanidade. A grande diferença é que, depois dessa análise, percebe-se que não era simplesmente ignorância, incompetência e falta de conhecimento. Foi a implementação de uma política de que uma suposta infecção da população geraria um resultado positivo. Isso é uma política, um ataque. Não se usa uma população como cobaia de um teste. Isso, em tese, é um crime contra a humanidade.


Em caso de condenação, quais os tipos de pena são aplicadas pelo tribunal?
Se houver investigação que se transforme numa ação penal, e ela terminar com uma condenação, o tribunal pode impor pena de reclusão, de até 30 anos, e penas de multas. Mas é algo que, se for adiante, vai ocorrer daqui a seis, sete, oito anos.

 

 

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