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Investigado, Salles reaparece e se junta à ala mais radical de bolsonaristas

Pouco mais de dois meses após sair da pasta do Meio Ambiente, ex-ministro faz ataques a ONGs e pesquisadores "comunistas". Ele é investigado por supostamente favorecer comércio de madeira ilegal

Desde que saiu do comando do Ministério do Meio Ambiente, há mais de dois meses, Ricardo Salles tem evitado os holofotes. Parte disso ocorre porque ele está com a Justiça e a Polícia Federal em seu encalço. Pesam contra eles inquéritos que apontam relações ilícitas entre Salles e madeireiros ilegais e tentativas de atrapalhar as investigações.

Recolhido desde que saiu do ministério, Salles voltou à ativa na última semana, depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) intensificou a convocação de apoiadores para se manifestarem no feriado da Independência. O ex-ministro do Meio Ambiente também convocou manifestantes, encontrou-se com o ministro da Cultura fora da agenda e participou de uma conferência conservadora em Brasília organizada pelo filho do presidente, Eduardo Bolsonaro.

No evento, o ex-ministro que defendia “passar a boiada” na legislação ambiental adotou um discurso agressivo, com ataques a ONG e pesquisadores. “Bioeconomia a gente tem que trazer o setor privado. Tem que investir em livre iniciativa, em capital. Tem que ter investimento, não pegar essa grana toda internacional e dar para ONG e dar para acadêmico, um bando de comunista que fica fazendo pesquisa sobre nada e o dinheiro público indo embora”, atacou.

O discurso inflamado de Salles é uma cortina de fumaça para a situação do ex-ministro perante a Justiça. Enquanto chefe da pasta, Salles passou a ser investigado por suposta venda de madeira ilegal na operação Akuanduba, comandada pelo então superintendente da Polícia Federal de Amazonas, Alexandre Saraiva. O delegado enviou notícia-crime ao STF, sobre Salles, suspeito de favorecer empresas em um esquema ilegal de comércio da matéria prima.

Horas depois de Ricardo Salles anunciar sua demissão do Meio Ambiente, em 23 de junho, a defesa do ex-ministro avisou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que as investigações que corriam contra ele já não eram mais de competência do Supremo. Sem a titularidade da pasta, o aliado de Bolsonaro passou à primeira instância do Judiciário — o que foi entendido por especialistas como uma manobra para escapar do julgamento do STF e do ministro Alexandre de Moraes.

Saraiva, no entanto, não pôde concluir o inquérito, já que foi transferido para Volta Redonda (RJ) por Paulo Maiurino, nomeado como diretor-geral da Polícia Federal cerca de um mês antes. Quando os delegados federais trocam de delegacia, eles podem continuar com investigações em andamento. No entanto, o ex-superintendente no Amazonas foi impedido de seguir investigando Salles.

Após Saraiva, outros delegados foram retirados de seus cargos, ou perderam a investigação após mirar Salles. Franco Perazzoni foi indicado em maio para assumir a Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, no Distrito Federal, pelo superintendente da PF, Hugo Correia. Ao prosseguir o inquérito da Akuanduba, o delegado foi exonerado da chefia e perdeu o comando da operação.

Questionada pelo Correio, a Polícia Federal respondeu que “não comenta inquéritos em andamento, tampouco antecipa informações sobre possíveis deflagrações de operações”. Na última semana, a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter interferido nas investigações contra o ex-membro do governo para tentar blindá-lo voltou a ser tema de discussão.

Interferência

No último dia 26, o delegado da PF Felipe Leal foi afastado das investigações sobre suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal, por Alexandre de Moraes, que entendeu que os atos extrapolavam o escopo do inquérito, montado com base em acusações do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. O ministro do STF também anulou os pedidos de informações, feitos por Leal à PF, de atos administrativos do atual diretor-geral da corporação, Paulo Maiurino.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Evandir Paiva, afirma que trocas no comando “são comuns” quando se assume um novo diretor-geral. No entanto, ele afirmou que há interferência política na PF e revelou que a classe fez diversos pedidos de independência administrativa ao Congresso Nacional.

“Temos casos em que determinado delegado é indicado para ocupar uma chefia e o governo não aprova e ele não assume. Isso é uma intervenção política. É algo que se nós tivéssemos autonomia administrativa para nomear interinamente os cargos na polícia federal, nós estaríamos mais protegidos”, diz ele.

O delegado afirma ainda que um desejo da categoria é que possa se fazer uma lista de indicados à direção-geral e que eles cumpram mandatos com prazos que não coincidam com o presidencial. “Só na minha gestão, são quatro anos aqui na associação, eu estou no quinto diretor-geral. Imagina, um órgão com a importância da PF, mudar o tempo todo. Não há um critério definido. Eu preciso que essas pessoas adotem um critério para isso e quem propõe critério à PF somos nós, delegados”.

O doutor em direito penal Luiz Henrique Machado afirma que Ricardo Salles corre risco de ser preso, mas as investigações ainda estão em fase preliminar. “Ele pode ser preso, desde que se reúna os elementos de autoria e materialidade. Para provar que ele realmente tenha participado como autor e coautor de exportação de madeira ilegal. O caso está em fase embrionária, as investigações. Foram expedidos mandados de busca e apreensão, sigilos de quebra fiscal e só a partir de agora eles vão tentar reunir elementos para as denúncias contra o Salles”, explicou.

Sete de setembro

Para Cláudio Couto, cientista político e coordenador do mestrado em gestão e políticas públicas da FGV, o comportamento discreto de Salles após sair do ministério é típico de alguém que está prestes a ser preso. “Essa saída agora da toca tem a ver com o que o Sete de Setembro virou para os bolsonaristas, virou algo de tudo ou nada. É um governo que se inviabilizou no processo eleitoral e não vejo um processo de recuperação. Até porque a economia não mostra uma evolução, uma recuperação, continua se deteriorando e o PIB está ruim. O Sete de Setembro virou um ultimato”, analisa.

O especialista diz que vê sentido no comportamento de Salles se comparado ao do presidente Bolsonaro, que resolveu entrar em rota de colisão com o Judiciário. “Eu hoje começo a achar que ele não vai para a eleição. A declaração sobre a Constituição é muito séria. Quando ele fala em ultimato do 7 de setembro, se é um ultimato, não há o que fazer depois. Se o STF não acatar suas determinações, se os ministros não fizerem o que ele acha, aí é um ato de força. Se ele tem um ato de força e decidiu jogar fora do jogo institucional, o que pode fazer é não disputar a eleição e tentar outra coisa para se manter no poder. Pelo que parece, ele decidiu seguir esse caminho’, concluiu.