O senador Renan Calheiros (MDB-AL) assegurou, ontem, que o relatório final da CPI da Covid indiciará Jair Bolsonaro “com certeza”. Para ele, o presidente da República tem participação direta no descontrole da pandemia e nas ações que influíram na rapidez em combater a doença — tal como a campanha em favor de medicamentos sem eficácia contra o novo coronavírus, as ironias e dúvidas lançadas sobre os mortos e infectados, além das dificuldades impostas pelo governo na negociação de vacinas que estavam sendo produzidas por grandes laboratórios.
“Com certeza será (indiciado). Nós não vamos falar grosso na investigação e ‘miar’ no relatório. Ele, com certeza, será sim indiciado pelo que praticou”, salientou Renan.
O senador explicou que, além de Bolsonaro, ministros, conselheiros palacianos e de fora do governo — como os integrantes dos chamados “gabinete paralelo” e “gabinete do ódio” —, além de integrantes de empresas privadas que fizeram parte do “desvio de dinheiro público e da roubalheira” serão responsabilizados. O relator listou os crimes pelos quais pretende responsabilizar os citados no documento.
“Usaremos os tipos penais do crime comum, do crime de responsabilidade, do crime contra a vida, do crime contra humanidade. E estamos avaliando, com relação a indígenas, a utilização do genocídio”, explicou.
O documento que resumirá os trabalhos da CPI também deve propor alterações na Lei do Impeachment, que seriam encaminhadas diretamente ao Plenário do Senado. A ideia é fazer com que o poder de abrir um processo de cassação do mandato do presidente da República não dependa de decisão exclusiva do presidente da Câmara dos Deputados.
No rastro de Dias
Em relação à sessão de ontem, a CPI vai apurar detalhes das viagens feitas por Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, com passagens emitidas pela Voetur Turismo, pertencente ao mesmo grupo da VTCLog — cujo sócio-administrador da VTCLog, Raimundo Nonato Brasil, foi ouvido pelo colegiado. A comissão de inquérito deu prazo de 24 horas para as duas companhias enviarem informações sobre os voos do ex-gestor do ministério.
Isso porque os senadores que integram a CPI suspeitam que a VTCLog tenha custeado as passagens de Roberto Dias em troca de favorecimento em negociações com a pasta. A empresa de logística tem um contrato de aproximadamente R$ 500 milhões com o ministério para armazenamento e distribuição de insumos, incluindo vacinas contra a covid-19. O contrato foi assinado em dezembro de 2018.
Em 2021, a VTCLog conseguiu, ainda, com autorização de Roberto Dias, um aditivo ao mesmo contrato. O ex-diretor propôs um acordo de pagamento de R$ 18 milhões, 60% a menos do que a empresa pretendia, mas, ainda assim, 18 vezes maior do que recomendava a área técnica do ministério.
Raimundo afirmou que o aditivo foi necessário ante o aumento da demanda do ministério durante a pandemia. Ele negou que a VTCLog tenha pedido ajuda de funcionários públicos para intermediar as negociações com a pasta.
O termo aditivo foi suspenso por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). Em junho, Dias foi exonerado do cargo por envolvimento em um outro caso investigado pela CPI: a suspeita de que pediu propina em uma negociação para compras de vacinas contra a covid-19.
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Movimentação de R$ 117 milhões em 2 anos
A CPI da Covid já tem mapeado que a VTCLog movimentou, em transações consideradas atípicas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), R$ 117 milhões nos últimos dois anos. Desse valor, quase R$ 5 milhões foram movimentados por Ivanildo Gonçalves da Silva, motoboy que trabalha a serviço da empresa e que foi ouvido pela comissão em 1º de setembro.
A CPI tem evidências de que ele realizou, em maio e junho deste ano, pagamento de boletos em nome do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, na agência da Caixa Econômica Federal do Aeroporto Internacional de Brasília. Somados, os valores totalizariam R$ 47 mil.
Questionado sobre o assunto, o sócio-adminstrador da VTCLog, Raimundo Nonato Brasil, negou que a empresa tenha pago as passagens para o ex-diretor. “Fui informado pela diretoria que o senhor Dias é cliente da Voetur Turismo e comprou algumas passagens aéreas e realizou pagamentos via depósito bancário e em dinheiro. Os boletos pagos em dinheiro, o financeiro encaminhou para que os boletos fossem liquidados”, disse.
Durante o depoimento, Raimundo Nonato salientou que não tinha várias informações solicitadas pelos senadores e que não participava diretamente das tratativas com órgãos públicos. Por causa disso, depois do recesso, foi auxiliado nas respostas por Andréia Lima, diretora da VTCLog — que quase todo o tempo reforçou as versões dadas pelo empresário.
Entre as decisões de ontem, a CPI deu 48 horas para que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, explique as razões pelas quais a pasta comprará, em 2022, apenas vacinas contra a covid-19 que tenham obtido o registro definitivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso excluiria a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, e a da Janssen — restariam apenas a da Pfizer e a da Fiocruz-AstraZeneca.
Para hoje, está agendado o depoimento do presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Roberto Rebello, que deverá prestar esclarecimentos sobre as denúncias relacionadas à Prevent Senior trazidas à comissão na oitiva da advogada Bruna Morato, semana passada. (JV e RF)