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Sem reformas, Paulo Guedes vê prestígio ruir e perde força no governo

Dólar acima dos R$ 5, inflação de dois dígitos nos últimos 12 meses e desemprego alto minam o prestígio do ministro da Economia, que terá que ir ao Congresso para explicar as offshores mantidas em paraíso fiscal

Israel Medeiros
postado em 10/10/2021 06:00
 (crédito: Sergio Lima/AFP)
(crédito: Sergio Lima/AFP)

Em 2018, a certeza de muitos de que o fiasco no crescimento econômico do principal país da América do Sul era culpa dos governos Lula e Dilma foi um dos principais motivos que levaram o economista Paulo Guedes a um status de celebridade na incomum campanha eleitoral do então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro. Com perfil liberal, virou uma espécie de guru na área econômica, o que lhe conferiu o status de “Posto Ipiranga”.

As tão esperadas respostas para a economia e prometidas por Guedes, tais como as reformas administrativa e tributária e privatizações de grandes estatais, no entanto, não vieram. Há exceções, como é o caso da Previdência Social, que teve seu caminho pavimentado no governo Temer (MDB), e a Eletrobras. Ainda durante a campanha, Guedes fugia de perguntas sobre quem daria a palavra final na economia: se seria Bolsonaro ou ele.

Depois de um crescimento tímido do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, no primeiro ano de governo e a chegada da pandemia no ano seguinte, Guedes passou de superministro a superempregado. Guedes jurava que a economia decolaria em 2020. Não decolou. A União teve de gastar com o controle da pandemia e Bolsonaro vendeu a alma ao centrão em troca de sobrevivência política e da aprovação de projetos de seu interesse. A agenda de reformas e privatizações ficou para trás e só foi retomada em 2021.

A situação, agora, é diferente da de 2019: inflação de dois dígitos em 12 meses (10,25%) — algo que não se via desde a implementação do Plano Real, em 1994, dólar estacionado acima dos R$ 5 e 14,4 milhões de desempregados. Resultados que, para especialistas, são em boa parte resultados de uma política econômica desastrada e que gera desconfiança.

Para se manter no governo, o ministro seguiu as orientações de seu chefe e deixou de lado vários de seus posicionamentos. “Isso fez com que todo aquele pensamento liberal fosse colocado de lado e a nossa economia ficasse à deriva”, explica Otto Nogami, professor de economia do Insper, que acredita que o governo poderia ter adotado políticas mais inteligentes para evitar uma crise econômica tão grave, como uma política de abastecimento que segurasse os preços dos alimentos.

Guedes, vale lembrar, já criticou o dólar baixo, ao dizer que, com a moeda americana custando R$ 1,80, até empregadas domésticas estavam indo à Disney. Não foi a única vez que ele fez falas parecidas. Nogami explica que a lógica por trás do dólar alto tem beneficiários bem definidos: investidores estrangeiros e o setor agropecuário. “O dólar alto é proveitoso para o país porque à medida que nossa exportação fica barata, nosso produto fica barato no cenário internacional. Favorece o setor agropecuário. E outro detalhe interessante é a atratividade do país para investimento estrangeiro direto, porque à medida que tem desvalorização, com o dólar, o investidor acaba ganhando mais”, disse.

O problema da pressão no câmbio, explica Nogami, é que os insumos para o setor produtivo no país ficam mais caros. A própria alta do dólar é motivada, segundo ele, pela grave crise política que o país enfrenta, o que afasta investidores. Portanto, para ele, “o tiro saiu pela culatra”. Ele cita que até os empresários — que antes viam Guedes com bons olhos — agora estão “irritadíssimos” com a omissão da Economia para conter a alta do dólar.

Na última semana, os interesses de Guedes em um dólar mais caro viraram tema de debate, já que o megavazamento Pandora Papers revelou que tanto ele quanto o presidente do Banco Central (responsável pela regulação do sistema monetário, com direta influência no câmbio), Roberto Campos Neto, têm offshores no exterior. Só com a valorização do dólar, Guedes teria ganho cerca de R$ 15 milhões.

A revelação foi a gota d’água para que aliados do governo que já estavam insatisfeitos com Paulo Guedes passassem a exercer maior pressão na tentativa de descredibilizá-lo. A Câmara aprovou, na última quarta-feira, a convocação do ministro para explicar seus investimentos no exterior – que ele afirmou que são legais e estão declarados à Receita. A convocação teve apoio de 310 dos 513 deputados.

Desgaste planejado
Nos bastidores do Congresso, o que se diz entre parlamentares do centrão ouvidos reservadamente é que esta foi uma oportunidade encontrada por deputados para levar a moral do ministro ao chão e tentar derrubá-lo ou desmembrar ainda mais a pasta da Economia. A maioria dos parlamentares do PP (64,2%), que compõe a base do governo, votou a favor da convocação. O padrão também foi seguido em outros partidos aliados, como o Republicanos e o PL.

Um dos deputados do PP que votou a favor da convocação foi o vice-líder do partido na Câmara, Fausto Pinato (SP). Ao Correio, ele relembrou que a relação de Guedes com o Congresso nunca foi muito amigável e que, no início do governo, o ministro falava mal do centrão. Sobre as offshores, ele acredita que houve má-fé do economista quando defendeu a alta do dólar, antes mesmo da pandemia.

“Em um governo que prega pela moralidade e contra a corrupção, a conduta do Paulo Guedes é contrária, depois de ser um ministro medíocre, que não teve um plano econômico, não teve participação forte na reforma tributária. Ele aguentou toda essa humilhação quando foi um ministro fanfarrão”, disse Pinato.

O deputado também diz que acha antiético que o ministro da Economia tenha faturado milhões enquanto o povo passa fome — algo que ele deve ter dificuldades para justificar na Câmara. “As pessoas estão cozinhando com lenha porque não tem gás”, comentou.

Leonardo Queiroz Leite, cientista político e doutor em administração pública pela FGV-SP, vê um caminho difícil para Guedes e acredita que será difícil reverter a imagem ruim que conseguiu graças ao novo escândalo.

“É uma desmoralização para ele. Ele, que é ministro da Economia, coloca dinheiro em paraíso fiscal. Isso mostra que ele não quer pagar imposto, não quer contribuir para o país. O assunto diz respeito à vida particular dele, não tanto ao governo. Mas resta saber se ele vai continuar. Bolsonaro parece que quer mantê-lo, a menos que a pressão seja forte. Mas não acho tão provável, porque ele ainda é visto como sinônimo de estabilidade”, disse Leite.

O especialista não vê grandes possibilidades de o ministro ser exonerado, mas, se esse for o caso, a tendência é que Bolsonaro escolha alguém da mesma linha que ele. Para Leite, Guedes não caiu ainda porque o presidente está disposto a gastar mais capital político a fim de manter a ideia de que o ministro sabe o que faz — mesmo estando isolado.

A ida à Câmara, portanto, deve ser, segundo o cientista político, um divisor de águas na história de Guedes no governo. “Essa convocação vai ser fundamental para a sobrevivência dele. Ele consegue falar bem, e acho que ele já tem precaução quanto a essa questão. Quando um ministro assume, ele tem várias obrigações burocráticas que precisa cumprir e acho que com ele não foi diferente”, concluiu.

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