Lá pelos anos 70 do século passado, no segundo ciclo do regime militar que se iniciava com o governo Médici, escolhido exclusivamente pelos seus colegas de farda para presidir o país, o lema do governo para se justificar era que o regime era legítimo porque tinha êxito. Era a chamada ditadura de resultados. De fato, enquanto houve resultados, o regime autoritário seguiu sem contestação que o ameaçasse. Só quando o fracasso chegou sem disfarces, a saudade da democracia tomou força e o regime caiu sem resistência.
Não estou querendo dizer que toda a consciência democrática tenha ficado adormecida durante todo aquele tempo. Há espíritos, e eles são muitos sempre, para quem a liberdade é o mais alto dos valores, e a existência humana, sem ela, não tem sentido. Infelizmente, porém, esses não formam uma maioria capaz de dominar e prevalecer em todas as circunstâncias.
Grandes parcelas da nossa sociedade, e de tantas outras em todo o mundo, vivem em estado de grande vulnerabilidade e, para elas, o apelo da segurança material é justificadamente muito forte. Para essas, o melhor regime e o melhor governo são aqueles que presidem uma economia que cresce, cria empregos para todos e acena de modo confiável com um futuro melhor para os seus filhos.
Precisamos reconhecer que, para grande parte de nossa população, a democracia é um conceito abstrato. Afinal, já vivemos num regime de liberdade há 36 anos, quando tivemos o primeiro governante civil desde 1964. E, se quisermos ser justos do ponto de vista histórico, teremos que admitir que os 10 anos dos últimos governos militares não foram especialmente repressivos e já prenunciavam um estado de direito, mesmo limitado. Quem conheceu de perto o horror e a humilhação política de um regime abertamente autoritário já passou dos 60 anos e é, claramente, uma minoria de brasileiros. A maioria não tem uma ideia clara da falta de liberdade e de cidadania.
Estas reflexões me vêm à mente porque parte dos brasileiros, ainda que minoritária, mas não inexpressiva, vem reiteradamente manifestando indiferença e mesmo mal-estar com as instituições democráticas. Para este fim organizaram protestos de rua de grandes proporções. E, por estranho que possa parecer, as instituições atacadas vêm se defendendo por si próprias, sem qualquer apoio visível da maioria da população, que tem permanecido passiva e silenciosa.
Neste fim de semana, a revista The Economist divulgou uma pesquisa recente, realizada por uma tradicional e reputada instituição — a Latinobarômetro — sobre a opinião dos habitantes de 18 países latino-americanos a respeito da democracia e das instituições democráticas. Nosso continente, como todos sabemos, foi o palco predileto dos golpes e das ditaduras durante quase toda a sua existência e hoje vive quase totalmente sob regimes democráticos.
Menos da metade dos latino-americanos declara-se comprometida com a democracia e um número crescente mostra-se indiferente em relação ao regime político do seu país. Uma grande maioria se mostra profundamente insatisfeita com o modo como a democracia funciona na prática e revela pouca confiança nas instituições.
No caso específico do Brasil, apenas 40% dos entrevistados declaram preferir a democracia a qualquer outra forma de governo, um número abaixo da média regional. Apenas 24 % dos brasileiros disseram-se satisfeitos com o modo como a democracia funciona no país. Na região como um todo, tanto o governo quanto o Congresso, o Judiciário e os partidos políticos não gozam da confiança de mais do que um quarto dos entrevistados.
Tudo isso é um sinal de alerta que deveria sensibilizar as instituições envolvidas com a vida democrática. Como no passado os resultados práticos justificaram a ditadura militar, agora é a democracia que está sendo chamada a justificar suas virtudes e sua própria legitimidade. Apenas belas e grandes palavras não são o bastante para pessoas a quem falta tudo.
A democracia brasileira precisa mais do que nunca de um governo que garanta crescimento econômico, emprego, comida e esperança. Sem isto não sei qual será o nosso futuro.
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