ENTREVISTA

Rogério Carvalho: Havia um conluio entre governo e empresas para receitar o ‘kit covid’

Ao Correio, o senador, que é membro da CPI da Covid, avaliou que o presidente Jair Bolsonaro é o maior responsável pelo aumento da pandemia no Brasil. O parlamentar também defendeu a interdição da Prevent Senior

Luana Patriolino
postado em 19/10/2021 23:04 / atualizado em 19/10/2021 23:04
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Membro da CPI da Covid, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) espera que o presidente Jair Bolsonaro seja responsabilizado criminalmente pelo aumento da pandemia de covid-19 no Brasil. O parlamentar vê o chefe do Executivo — que será indiciado em 11 crimes, de acordo com o relatório do colegiado, como o grande causador da disseminação do vírus no país.

Em entrevista ao Correio, Carvalho comentou sobre o trabalho de cinco meses da comissão, o relatório final, a atuação da Prevent Senior e os caminhos pós-CPI. Na avaliação do senador, ficou claro o dolo por parte do governo federal. "A CPI conseguiu mostrar para o Brasil a forma dolosa como o presidente conduziu o combate a pandemia. E, ao final, revelar que havia um conluio de um grupo de empresários, com o presidente, alguns auxiliares diretos de Bolsonaro, médicos, o Conselho Federal de Medicina e entidades com laboratórios que vendiam remédios com kit covid”, afirmou.

Confira a entrevista

A comissão está na reta final. Foram muitos depoimentos e momentos marcantes. Como o senhor avalia o trabalho do colegiado?

A CPI conseguiu, ao longo desses cinco meses, mostrar a forma como o presidente Jair Bolsonaro conduziu o Brasil durante a pandemia. Claramente, o presidente e o seu governo trabalharam para a ampliação do contágio. Eles tinham uma orientação técnica do Osmar Terra e o seu gabinete paralelo, ou do seu gabinete científico, como foi definido pelo próprio Carlos Lira em um vídeo que ele falava com algum membro da Prevent Senior.

Que orientação seria essa?

Eles defendiam a ampliação do contágio e a imunidade de rebanho, adquirida naturalmente. O presidente [Bolsonaro] foi um promotor disso tudo. Primeiro, ele disse que era uma doença sem maior gravidade. Uma ‘gripezinha’. O Osmar Terra disse que morreriam de 800 a 900 pessoas. Depois, ele passou a aglomerar, chamando as pessoas para aglomeração. Quando percebeu que não ia conseguir, tentou obstruir medidas de restrição de circulação. Bolsonaro vetou o uso de máscaras e o tempo inteiro defendeu como terapêutica, como método preventivo, o tratamento precoce para pacientes internados a cloroquina, além do kit covid.

Como a CPI analisa o impacto desse comportamento do presidente?

Além de estimular e promover o contágio, ele criou na população a sensação de que havia proteção em função do kit. Gerou na sociedade um comportamento de alto risco. Estamos diante de uma pandemia, provocada por um vírus altamente contagioso e com uma letalidade considerada alta. Esse comportamento de risco levou centenas de milhares de pessoas à morte. Simples e objetivo. Como na saúde pública tudo é matemático, o vírus é matemático. Ele se propaga calculadamente. O Bolsonaro sabia de todas essas informações. E, mesmo assim, continuou defendendo a mesma tese até na Assembleia Geral da ONU, no mês passado.

E sobre as vacinas?

O governo negou a aquisição de vacinas e negou-se publicamente a compra durante um ano inteiro. A maior parte dos imunizantes que estamos usando no Brasil, além de outros, fizeram testes clínicos em nosso território. O país que é usado como campo de teste ou faz teste clínico, tem prioridade na aquisição dos primeiros lotes. Poderíamos ter adquirido vacinadas antes para não viver seis meses de vacinação a conta-gotas — o que poderia ter evitado 90 a 100 mil mortes. A CPI conseguiu mostrar para o Brasil a forma dolosa como o presidente se conduziu o combate a pandemia. E, ao final, revelar que havia um conluio de um grupo de empresários, com o presidente, alguns auxiliares diretos de Bolsonaro, médicos, o Conselho Federal de Medicina e algumas entidades com laboratórios que vendiam remédios com kit covid. Mostrou que a base e a referência da pesquisa que sustentavam o discurso do presidente que é a Prevent Senior, não passava de um ambiente macabro que fazia testes em seres humanos, que escondia diagnósticos em óbitos por covid.

Críticos dizem que, apesar do trabalho, a CPI da Covid pode não dar em nada, em termos de responsabilização concreta do presidente Bolsonaro. Como o senhor responde a isso?

Tempo. O tempo e a história farão justiça.

Qual foi o papel do presidente Jair Bolsonaro na ampliação da capacidade de mortalidade e disseminação do vírus?

Ele foi o grande responsável. Ele trabalhou com a ampliação do contágio. Essa foi a tarefa principal dele e primordial.

O senhor acredita que o Ministério Público dará andamento às denúncias da comissão?

Acredito que sim.

Sobre o ministro da Defesa Braga Netto, ele tem responsabilidade nas falhas e crimes que deram força à pandemia?

Ele deve ser indiciado por que ele era o responsável, junto ao presidente, pela estratégia de ampliação do contágio. Ele pode responder por propagação de epidemia, colocar em risco ou gerar comportamento de risco e morte em milhões de brasileiros. Ele tem que responder por crimes de extermínio, crimes de homicídio.

A Prevent Senior deverá sofrer interdição por parte das autoridades sanitárias?

Essa empresa já deveria estar sob interdição. O que aconteceu foi gravíssimo. Todos os diretores deveriam ser afastados. Tudo que foi feito ali foi muito grave.

Nesses últimos dias, vimos um ‘racha’ na CPI da Covid. Como essa divisão impactou no trabalho?

Uma versão do relatório se tornou pública antes dos senadores e isso gerou um desconforto. Depois de muitas conversas e de entender que é inviável analisar o relatório de mais de mil páginas em apenas 24h pode gerar uma nulidade, então, teremos essa semana para analisar e enviar sugestões. Precisamos entregar um relatório que mostre o que foi a CPI nesses cinco meses e nenhuma discordância vai atrapalhar o debate na finalização do relatório. Não tem outra saída a não ser o debate. Foram cinco meses de trabalho duro na CPI da pandemia. A sociedade e o povo brasileiro estão esperando um relatório a altura do trabalho realizado e da expectativa que se criou.

Qual o legado que a CPI deixa ao país?

O legado é não acreditar em achismos, fantasias. Precisamos acreditar na ciência, nas evidências científicas. Temos que acreditar no que a civilização mostrou para a gente que é o conhecimento. Se tivéssemos seguido o conhecimento, talvez, muitas vidas teriam sido salvas. O conhecido é parte da evolução da civilização moderna e não se pode negar isso em nome da religião ou ideologia. Não é possível ideologizar certos setores da vida como a prática médica e a saúde pública.

 

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  • Senador Rogério Carvalho (PT-SE)
    Senador Rogério Carvalho (PT-SE) Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
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    Senador Rogério Carvalho (PT-SE) Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
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    Senador Rogério Carvalho (PT-SE) Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
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