Credibilidade, moeda em falta
Credibilidade é a moeda que está em falta na política econômica do governo de Jair Bolsonaro. O terremoto que atingiu o ministério comandado por Paulo Guedes, com a decisão de se lançar o programa Auxílio Brasil sem um lastro fiscal, foi o episódio mais recente de uma gestão marcada por desacertos, titubeios, recuos e incoerências. Na entrevista coletiva realizada ontem à tarde, a fim de esclarecer, entre outros pontos, que permanecia no cargo de ministro, Guedes não poderia ser mais eloquente ao relatar as contradições deste governo. “Não há nenhuma mudança no arcabouço fiscal. Poderia ter sido feito exatamente dentro das regras atuais, apenas dizendo: ‘preciso de licença para gastar mais R$ 30 bilhões, porque, em vez de R$ 300 milhões, que cabiam no teto, vão ser R$ 400 milhões. Só isso.” E prosseguiu: “Não estou preocupado com a coisa: foi extrateto ou levantamento do teto? O importante é o seguinte: é plenamente absorvível nas contas, as finanças seguem inabaladas.” Trocando em miúdos: o teto é, na verdade, um semi-teto. Ou um teto conversível. Ou um sem teto.
É imperiosa a necessidade de se implementar uma política pública social robusta, que atenda aos milhões de brasileiros em situação extremamente vulnerável, em razão dos efeitos econômicos da pandemia. Não há dúvida em relação a essa urgência nacional. O que se questiona são os meios utilizados para chegar a esse fim. Seria até possível reconhecer a imperiosa necessidade de se extrapolar o teto de gastos para socorrer uma legião de famílias afligidas pela miséria extrema. Ocorre que o estouro do limite de gasto está colocado sem se considerar outras compensações que podem contribuir para o equilíbrio orçamentário. Cite-se, como exemplo, as conhecidas “emendas do relator”, mecanismo engendrado no Legislativo para assegurar a liberação de recursos conforme os interesses de ocasião dos parlamentares. O dilema é elementar: em ano pré-eleitoral, um integrante do Congresso lutará por recursos para garantir a renovação do mandato, ou ajudará o governo federal a socorrer os miseráveis brasileiros, sem rosto e sem nome, que enfrentam enormes dificuldades para o simples ato de comer? São razões políticas, e não técnicas, que forçam o rompimento do teto de gastos e transformam em letra morta a austeridade fiscal prometida pelo ministro Paulo Guedes.
Crise arrastada
A crise de credibilidade que atingiu em cheio a reputação do antigo Posto Ipiranga, agora maldosamente chamado de “Farialoser”, já vem se arrastando há meses. É grande a dificuldade de enumerar feitos da equipe econômica que resultaram de uma articulação política eficiente da parte de Guedes. Até o início deste ano, a justificativa era de que o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, dificultava o avanço das pautas de interesse do governo. Veio, então, Arthur Lira, que simplesmente estabeleceu uma agenda econômica paralela no Congresso, voltada para interesses com dividendos eleitorais. É nesse contexto que está sendo costurado o Auxílio Brasil — programa tirado da cartola não necessariamente para atender aos mais pobres, mais sim para garantir a reeleição do titular do Planalto. E assim se afrouxam todos os compromissos de austeridade fiscal. Esvazia-se a tal agenda liberal, tão ardorosamente defendida em 2018.
Os efeitos são evidentes: ao longo dos últimos meses, o ministério de Guedes sofreu baixas significativas, por causa da deterioração das diretrizes na última campanha eleitoral. Os seguidos pedidos de demissão decorreram como consequência lógica. A cada dia, a cada semana, a cada mês, ficava claro que o ministro da Economia tinha pouca ou nenhuma influência nas negociações entre o Planalto e o Congresso, com impacto direto no orçamento da União, para dar sustentação política ao atual governo. Reforma administrativa, PEC Emergencial, reforma tributária. Esqueçam. Nada disso é fruto do trabalho de Guedes. Essas iniciativas estão sob o controle do Centrão, que tem prioridades distintas dos anseios liberais do Posto Ipiranga.
Ladeado pelo chefe, o ministro dizia, ontem, que estava agindo com correção. Mas as divergências são gritantes. Insistem em minar a credibilidade do governo. “O presidente e seu ministro tentaram defender o indefensável. Só. É o fim do teto confirmado e a ausência de qualquer tipo de medida compensatória. Está claro: diante da pressão, o arcabouço fiscal ruiu”, diagnosticou Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente.
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