Agora sob total controle do Centrão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, enterrou de vez o teto de gastos, ferramenta fundamental para o controle das contas públicas. Ao assumir publicamente que é a favor de mais despesas que vão aumentar a dívida pública e, por consequência, a instabilidade econômica, ele passou a ser subordinado à ala política do governo que trabalha, dia e noite, pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Guedes sucumbiu de tal forma aos interesses do chefe e do grupo de partidos mais fisiológicos do Congresso, que já recebeu avisos de que o fogo amigo que o levou a pedir demissão do cargo — o que ele nega publicamente — diminuirá daqui por diante. Desde, é claro, que ele se mantenha nos eixos. “Está tudo dominado na Economia. O ministro entrou no jogo, e aqueles que eram contra nossos propósitos saíram fora”, diz um líder do Centrão.
A perspectiva é de que os gastos extras fora do teto, que podem chegar a R$ 100 bilhões, sejam apenas o pontapé inicial de uma campanha regada a irresponsabilidade fiscal que durará até outubro de 2022 — quando se espera que Bolsonaro garanta mais quatro anos de mandato. Não será, portanto, apenas o Auxílio Brasil a ferramenta usada para atrair os eleitores de menor renda, que hoje estão, em boa parte, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Muito mais está por vir.
Show da fome
Bolsonaro foi convencido a colocar Guedes nos eixos — ou mesmo rifá-lo, se necessário —, quando o ministro estava em uma viagem a Washington (EUA), em encontros promovidos pelo G20, o grupo das nações mais ricas do mundo, e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em reunião com o presidente, um grupo de ministros, liderados por Fábio Faria, do Ministério das Comunicações, fez uma apresentação intitulada “show da fome”.
Com cenas terríveis da população vasculhando lixo em busca de comida, os ministros disseram que, se o governo não agisse logo para lançar um programa social, ninguém do governo, nem Bolsonaro, teria chances nas eleições. Foi aí que se propôs o Auxílio Brasil de, pelo menos, R$ 400, mesmo que isso significasse furar o teto de gastos. Os colegas de Guedes afirmaram ao presidente que o chefe da equipe econômica não poderia ser um empecilho.
O foco principal dos ministros foi o Nordeste, onde todas as pesquisas de intenção de votos mostram Lula vencendo com larga vantagem. Fábio Faria pretende concorrer ao Senado pelo Rio Grande do Norte. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, ambiciona o governo potiguar. Já o ministro da Cidadania, João Roma, disputará o governo da Bahia, e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o do Piauí. Eles lideram o embate contra Guedes, time que ainda inclui o ministro Onyx Lorenzoni, do Trabalho e Previdência, o mais enfático na defesa por mais gastos.
Pescaria
A ofensiva da ala política contra o Ministério da Economia foi confirmada pelo próprio Guedes ao aparecer ao lado de Bolsonaro, na última sexta-feira, para dizer que permaneceria no cargo e também defender o furo no teto. “Eu soube que, enquanto estava lá fora, houve uma movimentação política aqui. Normalmente, não digo que sejam ministros, mas uma legião de fura-tetos”, disse. Destacou, ainda, que houve uma “pescaria” junto ao mercado financeiro para definir um substituto para ele.
A tendência, agora, é de que o Centrão dê um alívio para Guedes. Mas a confiança nele desabou. Para o deputado federal Israel Batista (PV-DF), o apego do ministro ao cargo se explica por questões ilícitas. “Ele tem interesses que podem ser satisfeitos a partir do cargo que ocupa. Nesse momento em que aceita a decisão do presidente para furar o teto de gastos, é porque está sendo pessoalmente lucrativo para ele. É algo que me deixa realmente estarrecido. As decisões que o governo tem tomado são casuísticas, voltadas para uma inserção imediatista”, explica, referindo-se ao Auxílio Brasil.
Já o deputado Fábio Trad (PSD-MS) acredita que “nunca mais deputado algum” acreditará na história do equilíbrio fiscal vinda do governo ou de Guedes. “A reeleição é o fim absoluto para Bolsonaro, e o teto fiscal, agora, virou mero detalhe. O homem é a causa que defende. E o homem público é a causa pública que o identifica. O abandono constrangedor de Guedes à disciplina fiscal o desmoraliza completamente. É uma sombra apenas do que foi um ministro que convenceu os parlamentares a votarem a reforma da Previdência. Acabou”, disse.
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Problemas no horizonte
Inflação em alta, juros próximos de 11% ao ano e risco de recessão. Ese será o quadro que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vai entregar aos brasileiros em 2022, ano de eleições. Não por acaso, ele já está sendo visto por analistas e políticos como uma espécie de sombra do que um dia já foi.
“Ele não tem mais moral para peitar o presidente Jair Bolsonaro ou bater o pé para defender seus princípios, já que ele mesmo os abandonou pela sobrevivência política”, explicou André Pereira César, cientista político da Hold Assessoria. Após a debandada de secretários na Economia, a equipe privatista e liberal, segundo o analista, morreu e ficou no passado.
“Guedes virou um fantasma, é uma assombração no ministério. Não representa mais nada, o discurso não convence mais a Faria Lima. Não resolve mais nada. Ele é um ex-ministro em atividade”, acrescentou o especialista.
Para César, o impulso eleitoreiro de Bolsonaro pode ser um tiro no pé e causar uma recessão econômica no ano que vem, com mais desemprego e miséria, que o fará ter o presidente uma imagem parecida à de José Sarney quando deixou o Palácio do Planalto após um mandato marcado pela hiperinflação — que chegou a bater em 1.764,86%, em 1990.
Segundo Rodrigo Moliterno, sócio-fundador da Veedha Investimentos, o mercado que um dia olhou para Guedes com esperança tem, agora, apenas um fio de expectativa de que ele possa segurar os impulsos eleitorais de Bolsonaro. Na avaliação dele, qualquer ministro que estivesse no lugar de Guedes sofreria para tentar conter o presidente em sua busca pela reeleição.
O quadro para o ano que vem é incerto, mas a volatilidade, segundo Moliterno, é garantida. “Para 2022, o mercado já trabalha com essa instabilidade, porque é ano eleitoral. Os investidores já precificaram isso, pois, a cada quatro anos, tem essa briga política. O governo continuará tentando gastar mais do que pode, vai implementar o Auxílio Brasil e liberar emendas de parlamentares”, alerta Moliterno. (IM)