No início de outubro, numa típica quarta-feira parlamentar, dia mais intenso de atividades no Congresso, a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) salta de um compromisso a outro, se dividindo entre reuniões internas com sua equipe, entrevista a uma rádio e atividades da Comissão de Educação da Câmara, da Comissão Externa sobre Violência Doméstica contra a Mulher e de um grupo de trabalho para prevenção de suicídios entre jovens.
No fim do dia, antes de descer ao plenário para as votações da noite, ela separa uma brecha na agenda para receber por quarenta minutos uma jovem estudante da Universidade de Brasília, aspirante à política, em seu gabinete — um espaço apertado com mobiliário em madeira antiquado e ar condicionado que mal funciona, típico do anexo IV da Câmara, cujo principal atrativo é a vista para a Praça dos Três Poderes.
"Foi a melhor agenda do meu dia", diz ao final.
Tabata recebeu a BBC News Brasil em seu gabinete no início de outubro, num momento em que passa por um novo turbilhão de ataques vindos da direita à esquerda, situação que atribui ao fato de não rezar fielmente a cartilha de nenhum dos lados, intensificada por sua condição de jovem mulher. Ela conta que é justamente nesses encontros com novas lideranças, especialmente femininas, que renova sua motivação na vida pública. Na sua visão, apenas com o aumento das mulheres na política, em uma transformação estrutural que deve levar anos ainda, esse ambiente se tornará menos hostil e violento para elas.
Embora a deputada esteja no fim do seu terceiro ano de mandato, a BBC News Brasil presenciou o momento em que, ao se dirigir ao plenário da Câmara, foi parada por um segurança para checar se ela era deputada — muito embora levasse em seu vestido o mesmo broche que os deputados carregam para distingui-los do restante do público que circula na casa.
"Isso acontece sempre comigo", comenta, irritada.
Seu potencial para atrair jovens para a política é um dos fatores que despertou o interesse do PSB em tê-la em seus quadros, contou à reportagem o presidente do partido, Carlos Siqueira. A deputada acaba de ingressar na sigla, após o desgaste que sofreu no PDT devido a sua posição a favor da reforma da previdência em 2019. Seus planos na nova casa incluem disputar a reeleição para a Câmara em 2022 e assumir a presidência do diretório municipal de São Paulo, maior cidade do país.
A visita daquela quarta-feira ao gabinete de Tabata era Marcela Barros, caloura do curso de ciência política e fundadora de um projeto para orientar estudantes de escolas públicas sobre o vestibular. Ela estava um tanto nervosa diante de sua ídola, mas se sentiu à vontade para pedir conselhos, desde como equilibrar o tempo entre a intensa agenda política e a vida pessoal até sobre como lidar com os ataques agressivos da arena pública.
Com posicionamentos parecidos com os da deputada, a estudante contou que enfrenta um ambiente hostil na universidade, o que lhe dá às vezes vontade de desistir das suas aspirações políticas. "Eu sou chamada de liberaloide e comunista de iPhone", relata, desanimada.
Tabata compartilhou que graças à terapia, que faz há cinco anos, deixou de trabalhar aos domingos — único dia de folga que tira na semana e quando aproveita para fazer coisas banais, como tirar a roupa do varal, lavar louça ou fazer trilha com seu namorado, o prefeito de Recife, João Campos (PSB).
O principal conselho para Marcela foi sempre trabalhar em grupo, para compartilhar apoio e desafio. "Era muito importante para mim ter gente junto comigo", conta, sobre o início da sua vida de "ativista da educação", como gosta de se definir.
Sofrer ataques e questionamentos sobre sua capacidade é uma realidade que Tabata conhece desde 2017, quando participou da criação do Movimento Acredito, um grupo de renovação política que surgiu em meio à polarização do impeachment da presidente Dilma Rousseff, defendendo o combate à redução das desigualdades sociais sem cair na "disputa simplista entre estado grande e mínimo".
Os piores ataques na época vinham pela direita, em especial do Movimento Brasil Livre (MBL), o que a levou a então jovem de 23 anos a deletar suas redes sociais. Após ser eleita pelo PDT em 2018, as agressões se intensificaram também por parte da esquerda, quando ela já no início do seu mandato classificou o governo da Venezuela como ditadura e votou a favor da reforma da previdência — para os críticos, Tabata ficou contra os direitos dos trabalhadores ao apoiar a exigência de mais tempo de contribuição antes da aposentadoria; já a deputada sustenta seu voto ressaltando que a reforma não trouxe mudanças para os mais pobres, que se aposentam com o piso de um salário mínimo, e argumentando que o aumento dos gastos da previdência tiraria recursos de outras áreas, como os sistemas públicos de saúde e educação.
Desde então, as agressões são cotidianas. Num dos episódios recentes mais graves, no final de setembro, após a deputada defender em uma entrevista a necessidade de "furar a bolha da esquerda e da direita" e "chegar ao povo", o ator José de Abreu compartilhou um tuíte de outro perfil que dizia querer socar a parlamentar. O caso gerou grande solidariedade à Tabata nas redes sociais, mas um retumbante silêncio de parte das lideranças da esquerda, inclusive deputadas feministas, assim como da cúpula do PT, partido ao qual o ator é filiado desde 2013.
Não só a sigla não repudiou sua atitude publicamente, como José de Abreu anunciou pouco depois que pretende se candidatar pelo PT à Câmara dos Deputados em 2022. Para Tabata, a postura do partido no episódio demonstra conivência com o ataque que sofreu. Ataque que a deputada classifica como crime de incitação à violência.
"Toda vez que alguém se silencia diante de um caso como esse, a pessoa é conivente com o que está acontecendo. Então, na hora que as principais lideranças do PT silenciam sobre o que ele fez e o apresentam como candidato à Câmara dos Deputados, o partido está mostrando que, na prática, não só não é comprometido contra o machismo, como despreza essa luta dependendo de quem é o alvo e dependendo de quem é o agressor", criticou, em um segundo encontro com a BBC News Brasil em outubro, dessa vez virtual.
"Da mesma forma que é lamentável que tenha uma pessoa como (o presidente Jair) Bolsonaro na política, que diz tantos absurdos contra mulheres como a (deputada do PT) Maria do Rosário, é lamentável que o Partido dos Trabalhadores tenham uma pessoa que incita a violência contra as mulheres por discordância (política). É um desserviço para as mulheres, é um desserviço para a política, para o nosso Brasil, mas acho que entra na lista de incoerência na luta dos partidos como um todo contra o machismo", diz ainda, recordando o episódio em que Bolsonaro, quando era deputado, disse à Rosário "não te estupro porque você não merece".
A BBC News Brasil buscou nas redes oficiais de parlamentares de esquerda conhecidas por suas posturas feministas manifestações públicas de repúdio a José de Abreu, mas não encontrou menção ao episódio nas páginas da presidente do PT, deputada pelo Paraná Gleisi Hoffmann, e das deputadas federais Maria do Rosário (PT-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), Eirka Kokay (PT-DF), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Sâmia Bonfim (PSOL-SP), por exemplo.
Por outro lado, Tabata recebeu a solidariedade da deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) e da ex-deputada Manuela D'ávila (PCdoB-RS), que foi candidata à vice-presidente na chapa petista em 2018. Nos posts, porém, elas não citam diretamente o ator global.
Após a ampla repercussão, José de Abreu publicou um artigo no jornal Folha de S.Paulo com o título "Peço desculpas, Tabata; errei redondamente", em que diz que agiu por "impulso", argumenta que retuitar mensagem "não é endosso" e faz críticas a sua atuação parlamentar.
Para Tabata, "as desculpas ficam apenas no título".
"É um artigo em que ele se autopromove. Em que basicamente ele justifica a agressão pelos meus posicionamentos políticos. E aí eu sou muito firme em dizer que, da mesma forma que não tem minissaia, não tem comportamento que justifique o assédio, não tem posicionamento político que justifique alguém te intimidar", afirma.
"Incitação à violência é crime. Nunca fiquei sabendo de crime que foi resolvido porque alguém escreveu um pedido de desculpas. Então, para mim, não muda nada", acrescentou, decidida a não recuar de providências judiciais contra o ator.
A reportagem procurou a presidente do PT por ligação e WhatsApp para se manifestar sobre as críticas da deputada ao partido, mas não obteve retorno.
'Fake news dupla'
Mas Tabata conta que os piores dias nesse recente turbilhão de ataques vieram a seguir. Um dia após o encontro com a BBC News Brasil em seu gabinete, o presidente Jair Bolsonaro vetou a distribuição de absorventes para garotas e mulheres de baixa renda, como forma de combater a pobreza menstrual — decisão que ainda poderá ser revertida no Congresso.
Sendo um dos parlamentares que apresentou propostas que resultaram na lei aprovada sobre o tema, Tabata ganhou projeção logo após o anúncio do veto e passou a ser alvo de agressões diversas.
Nas redes bolsonaristas, circulou uma informação falsa de que a deputada teria recebido financiamento em sua campanha do empresário Paulo Lemann, que por sua vez teria ligação com "empresa P&G, que fabrica absorventes" — nenhuma das informações é verdadeira.
Sua relação com Lemann, na verdade, vem de um apoio de US$ 1,5 mil que recebeu da Fundação Estudar, criada pelo empresário, quando cursava ciência política e astrofísica na universidade de Harvard, nos Estados Unidos. O valor na época equivalia a R$ 6 mil e foram pagos de volta à fundação de forma parcelada após sua formatura.
Com origem em uma família pobre, da periferia de São Paulo, ela conseguiu chegar a Harvard após ganhar mais de 40 medalhas em olimpíadas de matemática e ciências e desenvolver trabalhos voluntários na área de educação. Recebia bolsa integral da própria universidade para cobrir a mensalidade, mas trabalhava como babá e secretária para bancar os custos de vida — o apoio da Fundação Lemann também ajudou a cobrir esses gastos.
O que a deixou mais impactada, porém, não foi a acusação de que estaria atuando a favor de empresas de absorventes, mas uma caricatura produzida por um perfil de extrema direita no Twitter. A imagem, que segue disponível na rede social, mostra a deputada ensanguentada e fedendo, ao não usar absorventes em "protesto" contra o veto.
Mesmo calejada como alvo, Tabata embarga a voz ao mencionar a charge. E diz que sua maior frustração é, em meio às violentas agressões de bolsonaristas, ter que também gastar energia rebatendo ataques da esquerda.
A grande polêmica desse lado do espectro político foi a suposta tentativa de Tabata de se apropriar do protagonismo da deputada Marília Arraes (PT-PE), primeira a apresentar um projeto de lei sobre distribuição de absorventes. Para seus críticos, Tabata se colocou como autora da proposta, retirando o reconhecimento da iniciativa petista.
Em resposta, Tabata diz que o texto aprovado no Congresso foi resultado de uma versão elaborada coletivamente, a partir de sugestões de diferentes deputados que, assim como ela, apresentaram outros projetos de lei sobre o tema, que foram apensados ao original, em um processo corriqueiro no trâmite parlamentar. Para ela, a projeção e os ataques que recebeu nesse tema são também reflexo do esforço que ela colocou na aprovação da proposta.
"O reconhecimento que eu recebo dessa luta é proporcional ao empenho que eu coloco nessa luta. Quem está sendo atacada? Sou eu. Então, é o ônus e o bônus de ser quem a gente é. Eu tô há um ano e meio falando disso (distribuição gratuita de absorventes) todos os dias", se defende.
"Esse meme ridículo que eles fizeram, em que eu apareço sangrando, é muito nojento. E é claro que isso te faz repensar se vale a pena, porque essa é uma das lutas que eu mais paguei em termos de ser ridicularizada, de ser ameaçada. Foi muito frustrante nessa última semana, trabalhar o quanto que eu tô trabalhando para pautar a derrubada do veto, e (ter que) enfrentar a máquina bolsonarista, duas fake news simultâneas: a de que eu não era uma das autoras do projeto e a de que estava sendo financiada pelo lobby de empresas de absorventes", se queixou, emocionada.
'Falso paralelismo' entre Lula e Bolsonaro
Antes de subir o tom nas críticas à esquerda, Tabata quis fazer uma ressalva à BBC News Brasil sobre o "falso paralelismo" entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro, os dois pré-candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto para a disputa presidencial de 2022.
"Lula e Bolsonaro não são a mesma coisa. Votei no (candidato petista Fernando) Haddad no segundo turno de 2018. Se tivermos um segundo turno de Lula e Bolsonaro, votarei no Lula. Porque, enfim, esse governo corrupto, desumano, jamais terá o meu apoio", disse.
A deputada quis pontuar isso porque é comum ser acusada de criar uma equivalência indevida entre os dois quando faz críticas ao campo político de Lula.
"Dito isso, eu não consigo me silenciar sobre os métodos da esquerda com sua militância digital. Para mim, o método é igual. Eu recebo ameaça de agressão física, ameaça de morte, xingamento, eu lido com fake news, dos dois lados. Então, como eu vou me silenciar diante de fake news, de agressões, de machismo, desse lado porque 'ah, a gente não pode eleger o Bolsonaro'?", questiona.
Embora hoje o PSB pareça inclinado a apoiar Lula já no primeiro turno, Tabata está entre os que defendem a construção de uma terceira via para romper a polarização entre Bolsonaro e o petista. Na sua visão, eventual eleição de Lula não será capaz de "unir o Brasil" e por isso é preciso buscar alternativas.
"Não vejo meu posicionamento como uma oposição ao PT, é mais uma posição em prol da união, em prol de um projeto de país. Eu realmente vislumbro a possibilidade do PT estar nesse processo. Agora, não se for só o Lula, se for só o PT. A gente consegue como país construir um projeto que vá até a centro-direita? Não é ideal para quem é de esquerda, mas é necessário para sair da eleição derrotando Bolsonaro e o bolsonarismo", argumenta.
Em recente entrevista ao jornal O Globo, Tabata apontou como nomes que admira e que poderiam liderar a terceira via os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS) e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), políticos que estão no campo da centro-direita. Vieira e Leite, inclusive, votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2018.
A BBC News Brasil questionou Tabata se essas escolhas não seriam incoerentes para ela, que se apresenta como de centro-esquerda. A reportagem pontuou que Eduardo Leite é defensor da redução do tamanho do Estado e foi um dos apenas sete governadores que se recusaram a assinar uma carta em 2020 se opondo à proposta do governo Bolsonaro de usar recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para distribuir vouchers para famílias pobres pagarem creches privadas de qualidade questionável — proposta que a deputada foi contra.
Tabata respondeu dizendo que seu nome dos sonhos para liderar a terceira via seria a empresária Luiza Helena Trajano. "É uma mulher progressista, negra, incrível, maravilhosa, que acho que teria a capacidade de unir o nosso país", elogia.
Mas Trajano, que também é desejada pelo PT para ser candidata à vice-presidente ao lado de Lula, diz que não pretende se candidatar em 2022. Diante disso, Tabata diz que os nomes citados na entrevista ao jornal são de possíveis candidatos que afirmam estar dispostos a abrir mão de uma cabeça de chapa para construir alianças.
"Eu vejo quando a gente fala, por exemplo, da candidatura do Lula, do Ciro (Gomes, do PDT), do (João) Doria (governador de São Paulo pelo PSDB), eu vejo candidatos que são candidatos a todo custo e que não estão dispostos a compor e a fazer concessão, a fazer um apelo para o outro lado", acredita.
Na sua leitura, os votos do eleitor de esquerda já estão garantidos contra Bolsonaro e por isso é preciso construir uma aliança mais ampla com a centro-direita.
"Não dá para achar que esse eleitor de centro-direita vai simplesmente votar no Lula e se sentir contemplado, isso não vai acontecer. Se nada mudar, vai ser igual 2018. A gente tem que conquistar o voto dos evangélicos, tem que entrar na periferia e convencer a pessoa que votou no Bolsonaro no primeiro e no segundo turno a votar em outra candidatura e eu acho que é mais fácil fazer isso se a gente tem alguma pessoa compondo na centro-direita", reforçou.
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