CONCLUSÃO

CPI da Covid busca superar racha na reta final

Enquanto Renan Calheiros afirma que teor do relatório será definido pela maioria dos integrantes da comissão, senadores divergem sobre os possíveis crimes que podem ser atribuídos a autoridades, em particular ao presidente Bolsonaro

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), deixou claro, ontem, que há um racha no grupo majoritário da comissão, formado por senadores independentes e de oposição. Ele se defendeu das críticas que tem recebido de colegas sobre o vazamento de partes do relatório final das investigações. O parlamentar também rebateu questionamentos de membros do colegiado sobre sua decisão de imputar alguns crimes ao presidente Jair Bolsonaro, como o de genocídio de populações indígenas.

Perguntado por jornalistas se pretende alterar a relação de delitos atribuídos ao chefe do governo, Calheiros respondeu negativamente. “Eu, por enquanto, não estou admitindo retirar nada. A maioria retirará o que quiser; apenas a maioria. Da minha parte, eu ainda tenho algumas coisas a acrescentar. Hoje mesmo, o senador Randolfe Rodrigues (vice-presidente da CPI) pediu a continuidade da investigação com relação ao ministro da Economia (Paulo Guedes). Da minha parte, eu concordo, mas vamos submeter isso à maioria", disse o relator da CPI.

O vazamento de trechos do relatório final para a imprensa provocou uma crise dentro do grupo majoritário da comissão, conhecido como G7. O Correio apurou que, internamente, os senadores acusaram Renan de descumprir o compromisso de que ninguém teria acesso ao relatório antes deles.

Por esse acordo, Renan discutiria os pontos do documento com os outros senadores na última sexta-feira, acataria sugestões e, nesta semana, submeteria o relatório ao colegiado. Por causa do vazamento, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que pretendia votar o parecer somente após uma discussão interna, decidiu adiar a leitura do documento para amanhã — estava marcada para hoje. A votação do relatório pelo colegiado também foi adiada, para o dia 26.

Ontem, Renan procurou minimizar o vazamento de trechos do relatório. “Nós tivemos vazamento de umas minutas, foram minutas apenas, que expressam um pouco o meu ponto de vista, eu os defenderei a partir das provas colhidas, dos depoimentos, mas a disposição de todas as partes é com relação à construção de uma convergência”, disse o relator.

Renan disse também que, de certa forma, o vazamento teve um lado positivo. “Agora, se vazaram, vamos aproveitar para que a gente discorde concretamente em torno de algum ponto. Eu ainda não fui informado sobre qual é a divergência em torno de algum ponto”, declarou.

A postura do relator tem causado preocupações entre membros do G7 em relação a possíveis danos à credibilidade da CPI. Os senadores do grupo majoritário querem que o relator altere alguns pontos do parecer. Eles consideram não ser possível sustentar a responsabilidade de Bolsonaro por onze crimes, em especial o de homicídio qualificado e genocídio de populações indígens. A preocupação é de que a inclusão desses delitos, que seriam sem sustentação, sirva de justificativa para que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, arquive o relatório. Os parlamentares entendem que um argumento sólido acerca de quatro ou cinco crimes seria o recomendável para responsabilizar o presidente pelas mais de 600 mil mortes por covid-19 no país e pelas falhas no enfrentamento da crise sanitária.

Nos últimos dias, Omar Aziz, disse que precisa “ser convencido” de que houve genocídio durante a pandemia. Renan, sem citar o nome do colega, afirmou a jornalistas que só tomou conhecimento de discordâncias em relação ao relatório por meio da imprensa. “Eu estou aguardando que as pessoas me procurem para conversar”, afirmou. “Não houve nenhum pedido de emendamento do relatório. Essas posições que a proposta do relatório contém, elas são públicas. A investigação é pública, se fez com transmissão com meios de comunicação, com acompanhamento de internautas. Tudo o que aqui se investigou, se publicou".

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Credibilidade

Para Cristiano Noronha, cientista político e sócio da Arko Advice, “essa divisão acaba reforçando o argumento do governo de que era uma CPI com um objetivo claramente político, e não de descobrir de fato ou investigar de fato problemas de corrupção e de desvio de recursos que houve no combate à pandemia”. Segundo ele, “quanto mais confusão tiver na CPI, mais reforçado o argumento do governo e mais enfraquecida a CPI na reta final”. Noronha acredita que, com o adiamento da votação do relatório, haja espaço para uma reconciliação e algum tipo de entendimento entre os membros do G7.

Já Sérgio Praça, cientista político pela Fundação Getúlio Vargas, disse achar estranho que um senador como Renan Calheiros esteja envolvido em um caso de vazamento. “Um sujeito que é tão experiente na política e no Senado não conseguiu antever que vazar o relatório causaria problemas — a não ser que ele tenha feito de propósito”, disse.

"Eu espero que acabe", diz governista

Nenhum governista esteve presente na sessão de ontem da CPI, marcada pelo depoimento de familiares das vítimas de covid-19. Mas os aliados do Planalto mantiveram as críticas ao colegiado. Ele afirmam que o grupo agiu de maneira enviesada, com clara intenção de atacar o presidente Jair Bolsonaro. Diante do provável indiciamento do chefe do Executivo por diversos crimes, os aliados denunciam perseguição e pedem o fim da comissão.

Ao Correio, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), afirmou que vê politização dominou o trabalho do grupo. “Eu espero que a CPI acabe. Porque se ela não quer investigar o que de fato ela nasceu para investigar, não tem razão para existir. Não querem investigar corrupção, querem apenas investir em uma narrativa política contra o presidente da República”, disse. “Não há evidências, não há provas, não há nada que aponte para o presidente”, garantiu.

O parlamentar acrescentou que o presidente da República não deveria ser indiciado, pois não houve aprofundamento de investigações. “O relatório do Renan [Calheiros] aponta para o presidente da República. O presidente nunca foi e não pode ser investigado pela CPI. A CPI não tem competência para isso”, ressaltou Rogério.

O senador demista ainda citou o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, que está na lista de investigados pelo colegiado. “Ele nunca foi ouvido na CPI, mas foi colocado como investigado. A CPI foi usada politicamente em um jogo pré-eleitoral”, concluiu.

Ontem, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) criticou, em vídeo, a ideia de trazer depoimento de vitimas. O filho do presidente chamou a iniciativa do colegiado de “mancha na imagem do Senado” e isentou o chefe do Executivo pelo aumento dos números da pandemia no país. “A CPI está entrando para a história como algo que mancha a imagem do Senado Federal. (É) Algo que certamente grande parte da população olha para cá agora com nojo por ter a audácia, a falta de sensibilidade de explorar a dor dessas pessoas que estão aí hoje depondo, com o compromisso que elas falassem mal do Bolsonaro”, argumentou.

“Pessoas foram escolhidas a dedo para virem à CPI e falarem mal do presidente Bolsonaro. Pessoas com histórico de militância contra Bolsonaro vieram para a CPI hoje com o compromisso de responsabilizar Bolsonaro pelas mortes de seus familiares pela covid e não por causa do Bolsonaro”, acusou.