Demissão por justa causa

Especialistas condenam portaria anti-vacina

Advogados e políticos consideram inconstitucional a norma do Ministério do Trabalho que proíbe demissão de trabalhadores que se recusam a tomar a vacina contra a covid-19 e dizem que direito coletivo supera o individual

Israel Medeiros
postado em 03/11/2021 01:10 / atualizado em 03/11/2021 13:11
 (crédito:  Tania Rego/Agencia Brasil)
(crédito: Tania Rego/Agencia Brasil)

A portaria do Ministério do Trabalho e Previdência que proíbe a demissão de trabalhadores que se recusarem a tomar vacina contra a covid-19 foi duramente criticada por especialistas e por políticos. Ontem, o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para tentar derrubar a portaria. Ele justificou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já considerou como constitucional a vacinação compulsória — isto é, a possibilidade de restrição ou punição para aqueles que decidirem não se vacinar.

Ele também alegou que o Supremo “já deixou abundantemente claro que o direito coletivo se sobrepõe, nesse caso, ao direito individual, e que as autoridades podem e devem impor tal superveniência, por meio de uma série de medidas restritivas e coercitivas”. Essa tese também é adotada por sindicatos e por especialistas que se colocaram contra a mudança.

Cláudio Lima Filho, advogado trabalhista e sócio da Dias, Lima e Cruz Advocacia, entende que demitir funcionários por justa causa quando há recusa na vacinação é algo plenamente viável. Para ele, a portaria do Ministério do Trabalho e Previdência vai contra a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que prevê que o ambiente de trabalho deve ser seguro para a saúde dos trabalhadores.

Segurança

“Pode ser dispensado por justa causa se recusar a vacina? Meu pensamento é que sim. O funcionário que se recusa descumpre a CLT, que fala que o empregador precisa estabelecer um ambiente de trabalho que respeite as normas de segurança e higiene. Se eu sou empregador e tenho empregados que não tomaram vacinas, estou desrespeitando isso. E o empregado também tem que respeitar isso. Aquele que se recusa está desrespeitando os colegas”, afirmou o advogado.

Ele rebateu o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, que disse que a CLT não trata especificamente de vacinas. O ministro chegou a afirmar, na segunda-feira, que demitir funcionários com essa justificativa era “inconstitucional”. “A portaria vai de encontro à constituição, o STF já definiu isso. Essa portaria deve cair, é inconstitucional. Apesar da portaria, quando o funcionário é dispensado por justa causa, ele pode tentar reverter na Justiça, mas a tendência é de que os juízes não revertam, porque a CLT já dispõe sobre isso”, argumentou Lima Filho.

Absurdo

“Minha previsão é de que o Judiciário vai se posicionar em manter a justa causa e essa portaria vai ser considerada inconstitucional. Aos meus clientes eu digo que se houver reincidência, pode mandar embora. É um verdadeiro absurdo dizer que as pessoas podem não se vacinar. O MP do trabalho já mostrou entendimento de obrigar os funcionários a se vacinarem”, completou.

Já Luciano Andrade Pinheiro, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, diz que há “vários problemas na portaria”. O primeiro é a inversão de competência exclusiva do Congresso Nacional para dizer o que é e o que não é justa causa. O segundo é que não há, para o especialista, como considerar discriminatória a exigência de cartão de vacina para a contratação de empregado ou demissão.

“Essa atitude seria justificável pelo empregador que não quisesse colocar os demais empregados em risco, ao tempo em que preserva a irresponsável liberdade de quem não quer se vacinar”, disse.

Associações e sindicatos reagem

Após a publicação da portaria, entidades representativas se manifestaram contra o texto. No caso dos profissionais de educação, os sindicatos têm demonstrado preocupação com a saúde da comunidade escolar, já que há casos de profissionais que optaram por não se imunizar contra a covid-19.

Ao Correio, uma das diretoras do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa, revelou que a entidade tem enfrentado sérios problemas com casos como este. “Nós entendemos que se trata de um direito individual, mas estamos falando de uma pandemia e de um vírus que mata sem piedade. A facilidade de contágio é grande. Então esse direito, embora esteja previsto na Constituição, compromete e coloca em risco outras vidas”, pontuou.

“Nós estamos com um grande problema nas escolas porque temos diversos professores que se recusaram e se recusam a tomar a vacina e isso está causando transtorno exatamente porque essa pessoa passa a ser um perigo em potencial. O que nós temos feito é um apelo à nossa categoria para que realmente se convença, se conscientize de que a vacina é o que nós temos de melhor contra a covid-19. Mas é uma situação muito delicada”, acrescentou.

Entidades do comércio também se manifestaram contra a portaria. “Em que pese a determinação da portaria 620, entendemos que há prevalência do interesse coletivo sobre o individual, ou seja, a empresa é obrigada a preservar a saúde e o interesse coletivo do ambiente do trabalho. Caso haja uma contaminação sistêmica dos trabalhadores pela Covid, a empresa poderá ser responsabilizada, inclusive, com dano moral coletivo, por conta de sua “omissão” na preservação da saúde e segurança de seus empregados”, disse a Fecomércio-SP, em nota

Já a Central de Sindicatos Brasileiros (CSB) também se manifestou por meio de seu presidente, Antônio Neto. “Mais uma vez, Bolsonaro destila todo o seu ódio aos trabalhadores. Se já não bastasse a condução genocida da pandemia e na aquisição de vacinas, o presidente segue desestimulando a vacinação, ou seja, prega a transmissão em massa do coronavírus levando o Brasil a mais dificuldades para a retomada econômica, trazendo mais desemprego e miséria”, argumentou.

A CSB, segundo ele, tentará uma articulação com outras centrais para tentar derrubar a portaria que “ameaça a saúde e a vida dos trabalhadores brasileiros”.

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Sindicatos veem risco à vida

Após a publicação da portaria do MInistério do Trabalho e Previdência proibindo a demissão de quem não se vacinar contra a covid-19, entidades representativas se manifestaram contra o texto. No caso dos profissionais de educação, os sindicatos têm demonstrado preocupação com a saúde da comunidade escolar, já que há casos de profissionais que optaram por não se imunizar.
Ao Correio, uma das diretoras do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa, revelou que a entidade tem enfrentado sérios problemas com casos como este. “Nós entendemos que se trata de um direito individual, mas estamos falando de uma pandemia e de um vírus que mata sem piedade. A facilidade de contágio é grande. Então esse direito, embora esteja previsto na Constituição, compromete e coloca em risco outras vidas”, pontuou.
“Nós estamos com um grande problema nas escolas porque temos diversos professores que se recusaram e se recusam a tomar a vacina e isso está causando transtorno exatamente porque essa pessoa passa a ser um perigo em potencial”, acrescentou.


Entidades do comércio também se manifestaram contra a portaria. “Entendemos que há prevalência do interesse coletivo sobre o individual, ou seja, a empresa é obrigada a preservar a saúde e o interesse coletivo do ambiente do trabalho. Caso haja uma contaminação sistêmica dos trabalhadores pela covid, a empresa poderá ser responsabilizada, inclusive, com dano moral coletivo, por conta de sua omissão na preservação da saúde e segurança de seus empregados”, disse a Fecomércio-SP, em nota.


A Central de Sindicatos Brasileiros (CSB) também se manifestou por meio de seu presidente, Antônio Neto. “Mais uma vez, Bolsonaro destila todo o seu ódio aos trabalhadores. Se já não bastasse a condução genocida da pandemia e na aquisição de vacinas, o presidente segue desestimulando a vacinação, levando o Brasil a mais dificuldades para a retomada econômica, trazendo mais desemprego e miséria”, argumentou. Segundo ele, a portaria “ameaça a saúde e a vida dos trabalhadores”. (IM)

Tribunais exigem comprovante

Na direção contrária à do Ministério do Trabalho, que editou portaria classificando como discriminatória a exigência, pelas empresas, de atestado de vacina de seus empregados, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), e o Supremo Tribunal Federal (STF) passarão, a partir de hoje, a requerer o comprovante de imunização de quem quiser circular nas suas dependências, inclusive funcionários.


As decisões foram tomadas na semana passada pelos presidentes do TST, Maria Cristina Peduzzi, e do STF, Luiz Fux, em atos que regulamentam a volta das atividades presidenciais nos dois órgãos. No caso do TST, a medida foi assinada também pelo vice-presidente, ministro Vieira de Mello Filho, e pelo corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Aloysio Corrêa da Veiga.
De acordo com o TST, a exigência de comprovação de vacina leva em conta, entre outros aspectos, o estágio atual de imunização da população do Distrito Federal e o dever da administração pública de proteger a saúde e a integridade física de servidores, colaboradores e usuários de seus serviços.


A vacinação será comprovada mediante a apresentação de certificado físico ou digital (ConecteSUS) que informe a vacina, a data da aplicação, o lote e o nome do fabricante do imunizante. O acesso de pessoas não vacinadas se dará mediante apresentação de testes RT-PCR ou de antígeno não reagentes para covid-19 realizados nas últimas 72h. O uso de máscaras de proteção facial para ingresso e permanência nas dependências do TST continua obrigatório, inclusive aos que apresentarem o comprovante de vacinação.


As exigências — comprovante de vacinação, uso de máscaras e apresentação de testes negativo para covid, quando for o caso — são as mesmas listadas em resolução assinada pelo presidente do STF. De acordo com o documento, todos os frequentadores da Corte, tanto os funcionários quanto o público externo, devem obedecer às regras.


A resolução do STF estabelece, ainda, que a recusa a se submeter a qualquer dos requisitos, a identificação de temperatura corporal superior a 37,7 graus Celsius ou a apresentação de sintomas sugestivos de infecção pela covid-19 impedirão a entrada ou a permanência da pessoa nas dependências do Supremo. Além disso, deverá ser mantido o distanciamento de 2 metros em relação às pessoas, tanto nos acessos quanto no interior do Tribunal.

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