Entrevista | jack correa | lobista e escritor

Lobby e corrupção são coisas diferentes; você sabe a diferença?

Profissional das chamadas relações institucionais reúne histórias em livro e mostra que defender interesses junto ao poder tem limites éticos

Luana Patriolino
postado em 21/11/2021 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)

Jack Corrêa tem o dom de entreter e seduzir. Com essas características e um jeito bem mineiro, o lobista e escritor chegou a Brasília em 1983, vindo de Belo Horizonte (MG), e se tornou um dos mais experientes e requisitados profissionais das hoje chamadas "relações institucionais" de Brasília. Para contar as histórias que viveu no trabalho de percorrer os corredores e gabinetes do poder, Corrêa lançou um livro com 44 casos em que aparecem personagens como Pelé, Maria Bethânia, Roberto Carlos e Chico Xavier, além de personalidades do mundo político.

Ao Correio, Jack Corrêa contou sobre os desafios da profissão, inspirações e se declarou lobista com orgulho. Lobby Stories certamente desperta atenção dos que apreciam a política, dos profissionais das relações governamentais, dos estudiosos e dos curiosos que desejam entender melhor as antessalas dos gabinetes. Afinal, pelas próprias palavras do escritor, Brasília respira lobby. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.


Como surgiu a ideia para o Lobby Stories?

Cheguei muito novo, aos 24 anos, ao cargo de diretor de cerimonial do Governo de Minas Gerais. O Francelino Pereira, que era o governador, quando me chamou, pensei que estava trabalhando com alguém que poderia concorrer à Presidência da República. Aquilo me deu muita responsabilidade. Quando eu saí de lá, vim para Brasília abrir o escritório da Fiat para ser o representante da montadora aqui. Eu sempre tive o hábito de gravar as coisas que acontecem comigo, coloco na agenda ou em um papelzinho. Fui juntando todo esse material. Tinha casos que aconteceram na época do cerimonial e tinha vontade de contar sobre isso.

Veio outra obra antes dessa, o Sem Cerimônia, certo?

Sim. Não tinha o objetivo de vender e foi escolhido pelas escolas de relações públicas de várias universidades do país. Aquilo me realizou muito. Depois, fiz uma outra edição, de 2000, e não republiquei.

Mesmo aposentado continua fazendo lobby?

Em 2016, me aposentei na Coca-Cola. Pensei em ter um escritório para sentar, escrever e receber amigos. Nunca imaginei que teria clientes como tenho hoje. Por isso, continuei no lobby. Já estava na hora de olhar para o retrovisor e pensar no que eu fiz do dia 3 de setembro de 1983, quando cheguei de Minas, com passagem só de vinda para Brasília.

Como as histórias foram escolhidas?

São 44 casos de amor por uma profissão. Peguei os casos e fui colocando de modo aleatório. Achei que ficou uma receita muito legal e a ideia é mostrar o quanto Lobby Stories tem para ensinar o que se fazia de lobby no Brasil até recentemente.

Quais são os desafios da profissão hoje?

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) proibiu uma série de atividades. Por exemplo: é proibido dar passagem, hotel, etc. A pessoa que tem que trabalhar para fazer relações com o governo, conta com pouca oportunidade de criar relacionamento 1 centímetro da linha para fora do oficial. Os casos do livro são do tempo em que isso não existia. Conto como era para a pessoa entender e pensar: "e agora?" Agora, com internet, com as proibições das doações eleitorais, com as proibições dos comportamentos éticos da OCDE, você fica em uma situação bem restrita de criar mecanismos de aproximação e relacionamento.

Nunca foi tão difícil fazer lobby…

Sim, nunca foi tão difícil. Brasília respira lobby. Você tem a central econômica do país que é São Paulo, mas tem a central de decisão, que é Brasília. Com uma caneta, se derruba o planejamento de um mundo de empresas. Só com uma assinatura! Por mais poderoso que São Paulo seja, quando se tem que definir o futuro do planejamento da sua empresa, o lugar é aqui.

O senhor se incomoda em ser chamado de lobista?

Você está em frente a uma obra única e primeira em que um lobista fala 'eu sou lobista'. Nas dedicatórias do livro, coloquei o "lobby do bem" porque estamos falando de coisas sérias, regulares e éticas — a defesa legítima de interesse. Eu, definitivamente, não me incomodo. A imprensa nunca diferenciou um lobista, que é uma pessoa que trabalha e leva uma ação da sua empresa para a formação das políticas públicas no Congresso ou Executivo, dos caras que são operadores de propinas.

Existe um projeto de lei, na Câmara dos Deputados, que trata da regulamentação do lobby. O senhor tem acompanhado?

É o Projeto 1.202, de autoria do Carlos Zarattini (PT-SP). Há um ano, ouvi o deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ) falar que estava na pauta. De lá para cá, nunca apareceu nada. Existe uma força que não deixa regulamentar a profissão de lobista. No dia que regulamentar, você pode falar de boca cheia que é lobista e apresentar um número de registro. Aí a transparência vai ficar absolutamente concreta.

Qual é a sua avaliação sobre o país, atualmente, com a instabilidade das relações institucionais?

Qualquer pessoa da nossa profissão tem que ser, antes de tudo, apartidário. O que interessa é o resultado. O resultado com o meio ambiente não me deixa feliz; com a indústria, com a bolsa, não me deixam feliz. Não posso negar uma realidade que estou vendo. Então, isso já responde a pergunta.

 

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