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Oposição pede esclarecimento ao governo por monitoramento feito pelo Exército

Deputado do Psol afirma que vai reforçar o pedido de esclarecimento ao ministro da Defesa, Braga Netto, após o Correio mostrar que, em 2019, o Exército acompanhou durante meses a atividade de políticos, jornalistas e militares nas redes sociais

O deputado federal Glauber Braga (PSol-RJ) vai pedir à bancada do partido na Câmara que encaminhe um pedido de esclarecimentos ao ministro da Defesa, general Braga Netto. O parlamentar pretende questionar as declarações do ministro sobre o monitoramento de redes sociais realizado pelo Exército brasileiro em 2019. A análise por parte da Força foi revelada ontem pelo Correio, por meio de documentos obtidos oficialmente pela reportagem.


Os papéis mostram que o Exército monitorou o comportamento, nas redes sociais, de cidadãos comuns, parlamentares, jornalistas e blogueiros, de 30 de julho de 2019 a 20 de novembro do mesmo ano. Na semana passada, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, Glauber Braga questionou Braga Netto sobre a operação de vigilância. O parlamentar disse ter informações de que era monitorado. Irritado, o ministro negou que o Exército adote esse tipo de procedimento. “Não existe monitoramento de parlamentares, não existe”. No entanto, os documentos obtidos pelo Correio revelam e avaliam as postagens de diversos parlamentares. Os papéis emitem, ainda, posicionamentos políticos sobre os supostos adversários do PL 1645.


Glauber Braga vai formalizar um pedido de esclarecimentos ao ministro. “A primeira coisa foi fazer o questionamento direto ao ministro da Defesa na audiência, como foi feito, e ele negou que tenha havido [monitoramento]. Agora, com a resposta negativa, a gente vai formalizar um pedido de esclarecimentos para ver se ele [Braga Netto] confirma, não só oralmente, mas mantém a posição em um termo formalizado. Ele deve saber que esse tipo de mentira importa em responsabilização, especialmente se ele tiver tido participação”, disse o parlamentar. “É um absurdo que tenha esse tipo de ação feita por Forças Armadas sob orientação do governo. Eles (os militares) trabalharam como força de espionagem contra deputados da oposição”, disse.

Reprodução - Reação contra Exército


Na avaliação de Alcides Costa Vaz, especialista em Forças Armadas e professor do instituto de Relações Internacionais da UnB, não é função típica do Exército fazer esse tipo de investigação. “Cabe ao Exército fazer a defesa do território, da população contra ameaças externas, além de cooperar com as demais forças de segurança, na garantia da lei e da ordem. É isso o que está exposto na nossa Constituição”, ressalta. “Esse tipo de investigação interna não tem nenhuma relação com as atividades do Exército e, supondo que haja alguma atividade que coloque em risco a integridade de pessoas e propriedades, caberia à polícia investigar. Há uma anomalia nesse tipo de ação de investigação”, acrescenta.

Fora de lugar

O especialista vê com preocupação o comportamento político de uma instituição de Estado. “Se uma instituição importante como uma força armada extrapola as suas funções, isso de fato fere a Constituição e não corresponde ao que se espera de uma democracia consolidada. A situação está fora de contexto e fora de lugar”, avalia.


A advogada constitucionalista Vera Chemim também fez críticas à atuação das Forças Armadas para aprovar uma lei de interesse da caserna. “Artigos da Constituição proíbem essas atitudes por parte dos militares. Os membros do Exército não podem, de maneira alguma, fazer algum tipo de lobby neste sentido”, afirmou. A especialista destacou, ainda, que esta forma de agir fere o Estado Democrático de Direito, pois seria uma atribuição de natureza política e está expressamente proibida nas leis que regulamentam as funções de cada uma das Forças Armadas.

Para o advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados, as investigações do Exército, sob pretexto de reunir informações estratégicas, são inadequadas. "Esses relatórios pareceram classificar as opiniões das pessoas, o que excede a mera inteligência legislativa. Esse catálogo de pessoas pode servir à perseguições políticas e violações de liberdades e direitos fundamentais", disse.

Sob a condição do anonimato, militares ouvidos pelo Correio afirmam que o monitoramento é rotineiro. No caso em específico, a campanha foi organizada a fim de superar a resistência ao PL 1645. Como mencionado nos relatórios obtidos pelo Correio, há uma preocupação em vencer a “narrativa”. “Estar à frente da narrativa significa não apanhar. É ter um controle de bastidor, manter os 80% de aprovação. A conjuntura de hoje não é de golpe. Porém, ter o suficiente de aprovação popular para avançar com temáticas próprias da Força”, descreveu a fonte militar. “A guerra hoje é digital? Então entre no jogo”, acrescentou.


Procurado pelo Correio, o Ministério da Defesa não enviou resposta até o fechamento desta edição.

Três perguntas para Glauber Braga, deputado federal pelo PSol-RJ

Como avalia o monitoramento por parte do Exército?


Escandaloso. A partir do momento que você tem forças de segurança nacional monitorando adversários políticos do governo, sendo que a obrigação deles é a defesa brasileira, as funções deles estão sendo completamente desvirtuadas.

Acha que esse tipo de monitoramento foi feito mais vezes?


Se fez o monitoramento no início de 2019, ou seja, no início da administração do [presidente Jair] Bolsonaro, isso nos leva a imaginar que pode ter acontecido também em outros momentos. Inclusive, o próprio Bolsonaro, na escandalosa reunião ministerial (de abril de 2020), falava em ter mais acesso aos relatórios de informações. Se isso [monitoramento] aconteceu uma vez, pode certamente ter acontecido outras vezes. Por isso, é importante que a gente questione ao Ministro da Defesa.

Qual foi o posicionamento do PSol em relação ao PL 1645?


A gente se colocou na defesa dos direitos dos praças, pois entendemos como uma causa justa e procedente. Não pareceu adequado um projeto beneficiar só quem está no topo da hierarquia e ter os direitos de mais de 80% das Forças Armadas negligenciados.