PÉTREO QUEBRADO

Alexandre Garcia: Na pandemia, direitos básicos foram barrados por decisões do STF

"Dois anos de direito de propriedade, previsto no título dos direitos e garantias fundamentais, suspenso, sem precisar que a Câmara e o Senado votem isso em dois turnos com maioria de 60% em emenda constitucional"

Alexandre Garcia
postado em 08/12/2021 06:00 / atualizado em 08/12/2021 06:12
 (crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press)
(crédito: Antonio Cunha/CB/D.A Press)

A pandemia tem sido usada para suprimir direitos básicos. Entre eles, o de propriedade, nivelado com o direito à vida, no caput do artigo 5 da Constituição (garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade). Agora, o Supremo decide prorrogar, outra vez, a proibição de reintegração de posse. Da mesma forma, o locador está proibido de despejar o locatário que não paga aluguel. Começou em 20 de março do ano passado e ainda vai até 31 de março próximo, se não for prorrogado o prazo outra vez. Dois anos de direito de propriedade, previsto no título dos direitos e garantias fundamentais, suspenso, sem precisar que a Câmara e o Senado votem isso em dois turnos com maioria de 60% em emenda constitucional. Está o Brasil sem Constituição?

Isso é um estímulo a invasões, ao esbulho possessório e ao não cumprimento de compromissos contratuais de aluguel. Meu amigo corretor de imóveis conta que há casos de clientes que só têm o aluguel como fonte de renda. Constrangido e sentindo-se eticamente responsável, já que é intermediário, meu amigo tem adiantado o pagamento quando percebe que o locador passa dificuldade por falta da renda com que contava. Depois, tenta cobrar do locatário. A mãe de outro amigo, viúva e idosa, tem como renda o aluguel de apartamentos em São Paulo, alguns dos quais foram invadidos por movimento social. Ela não pode despejar os locatários nem pedir reintegração de posse onde estão os invasores. E nada recebe por esses imóveis. Enquanto isso, vai pagando o IPTU, que vai para um estado que não lhe garante o direito constitucional de propriedade.

Outro amigo, veterano advogado, me conta que costumava orientar seus estagiários no direito a procurar, primeiro, a Constituição, depois, leis, decretos e portarias e, por fim, decisões judiciais. Mas, hoje, ele inverte a ordem: primeiro, verificar o que decide o Supremo — a Constituição fica por último. Com a pandemia, direitos básicos ficaram inconstitucionais por decisões do Supremo. Entre eles, o de propriedade, ao se alegar a função social. Os invasores, em geral, são integrantes e instrumentos de movimentos sociais, que, na prática, estão acima da Constituição. Ironicamente, o Supremo é o guardião da Constituição(art. 102). E os direitos e garantias fundamentais são cláusulas pétreas da Constituição. Aí, estão os direitos de locomoção, reunião, culto, expressão, trabalho, acesso à informação, que não podem ser diminuídos nem por emenda Constitucional.

Será que a Constituição foi derrubada pelo coronavírus? Seria o corona um cavalo de troia a esconder nas suas entranhas o totalitarismo mundial? Fica a impressão de que estamos emudecidos pelo medo e pela mordaça, vagando sobre uma corda bamba. Porque a Constituição, que é a garantia dos direitos, ao não garantir direitos fundamentais, tampouco garante as próprias instituições. Será que se deram conta disso, os equilibristas que estão relativizando a Lei Maior? O que é pétreo não se verga, porque quebra.

 


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