Juíza determina afastamento da presidente do Iphan

Decisão atendeu a pedido do Ministério Público Federal e veio depois que o presidente Jair Bolsonaro admitiu, em evento em São Paulo, que interferiu no instituto para favorecer o empresário Luciano Hang, que o apóia

A Justiça Federal do Rio de Janeiro acatou, ontem, o pedido do Ministério Público Federal (MPF) e do secretário municipal de Governo e Integridade Pública do Rio de Janeiro, Marcelo Calero, e determinou o afastamento da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Larissa Rodrigues Peixoto Dutra. Trata-se de um desdobramento da confissão feita pelo presidente Jair Bolsonaro, na última terça-feira, em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de que interferiu na autarquia para favorecer o empresário Luciano Hang, que o apóia.

Na ocasião, Bolsonaro admitiu ter "ripado" funcionários do instituto que interditaram uma obra, no Rio Grande do Sul, do proprietário da rede Havan de lojas de departamentos — no local foi encontrado um possível sítio arqueológico, com restos de utensílios de uma comunidade ancestral. Larissa tomou posse no comando do Iphan em junho de 2020.

A decisão foi assinada pela juíza Mariana Tomaz da Cunha, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Ela determinou o afastamento de Larissa até o julgamento do mérito do caso. "Diante do fato novo apresentado pelo MPF, defiro o pedido de tutela de urgência para determinar a suspensão do ato de nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra e o afastamento de suas funções", relata a magistrada. O Iphan foi criado para "promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional".

Na última quarta-feira, durante discurso realizado no evento Moderniza Brasil, Bolsonaro admitiu: “Tomei conhecimento que uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma obra e apareceu um pedaço de azulejo nas escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta (Marcelo Álvaro Antônio, à época titular do Turismo) e perguntei: ‘Que trem é esse?’ Porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan, com PH?’ Explicaram para mim, tomei conhecimento, ‘ripei’ todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente”, jactou-se.

Também na live na última quinta-feira, o presidente tentou defender a interferência no Iphan. “Mandei investigar e cheguei à conclusão de que o pessoal do Iphan teria que ser trocado. Vocês votam no presidente para deixar tudo como está ou para mudar alguma coisa?”, indagou.

Na mesma live, Bolsonaro afastou a possibilidade de interferência da Justiça. “Não creio que vá chegar ao final essa história de tirar quem eu coloquei no Iphan. Mandei investigar e cheguei à conclusão de que o pessoal do Iphan teria que ser trocado”, afirmou.

Ações no Supremo

Na última sexta-feira, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi sorteado para relatar três diferentes notícias-crime contra Bolsonaro por ter admitido que interferiu no Iphan — o presidente pode ser processado por prevaricação e advocacia administrativa. As ações são de autoria dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e da deputada federal Natalia Bonavides (PT-RN).

Na ação movida por Randolfe, ele classifica como incompatível a “demonstração patrimonialista do presidente, que parece não ver qualquer diferença entre seus interesses pessoais”. Já a de Alessandro Vieira salienta que “a declaração do presidente da República, por si só, já indica a suposta prática do crime de advocacia administrativa, ao patrocinar interesses pessoais e privados na gestão da máquina pública. Tal suspeita fica ainda em maior evidência quando verificado que efetivamente houve exonerações no órgão no mesmo período”.