Entrevista | Izabella Teixeira | ex-ministra do Meio Ambiente

"Brasil está de joelhos ante o mundo", afirma ex-ministra do Meio Ambiente

Para Izabella Teixeira, a imagem negativa é "construída pelo atual governo para acirrar polarizações e fazer avançar discursos negacionistas"

Cristiane Noberto
postado em 10/01/2022 06:00 / atualizado em 10/01/2022 06:38
 (crédito: EVARISTO SA)
(crédito: EVARISTO SA)

Izabella Teixeira esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente entre 2010 e 2016, nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e também na gestão de Michel Temer (MDB). Bióloga de formação, é mestre em Planejamento Energético e doutora em Planejamento Ambiental pela COPPE/UFRJ. Em 2013, ganhou o Prêmio Global "Campeões da Terra", da ONU Meio Ambiente, pela sua contribuição para reduzir o desmatamento na Amazônia.

A especialista aponta que o mundo não vê o Brasil como pária, pois a contribuição dos recursos ambientais do país é essencial para a sustentação da Terra. Para a ex-ministra, a imagem negativa é "construída pelo atual governo para acirrar polarizações e fazer avançar discursos negacionistas". Segundo Teixeira, o mundo perdeu a paciência com o governo do Brasil e não com a sua sociedade. "A importância do Brasil para o mundo diz respeito à contemporaneidade da humanidade que envolve uma nova relação do homem com a natureza, à segurança climática e às soluções para a sustentabilidade do desenvolvimento global", frisou.

Confira a conversa de Izabella Teixeira com o Correio:

Como a senhora vê a imagem do Brasil no mundo com relação ao meio ambiente?

O Brasil começou a consolidar a trajetória internacional de meio ambiente no final do século 20. Em 1992, sediou a Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, quando foi negociado o primeiro programa de cooperação internacional dedicado à formulação de políticas públicas socioambientais para a Amazônia — o Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais — PPG7. Em 2012, lideramos a Conferência Rio 20, com a adoção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS e, em seguida, da Agenda 2030. A evolução das políticas públicas ambientais permitiram avanços na gestão ambiental pública no Brasil bem como a consolidação da expressão de soft power na política externa brasileira. Agora, infelizmente, vivemos um retrocesso. A destruição da política de meio ambiente e clima no Brasil não tem precedentes.

Inventou-se o fake green. A preocupação das autoridades brasileiras é de definir "narrativas circunstanciais" para buscar conter danos de imagem. O governo brasileiro não quer lidar com meio ambiente e clima. Em Glasgow, na COP 26, observamos literalmente um comportamento "para inglês ver". Um país que tirou fotos com o mundo e que assumiu compromissos voluntários sem qualquer transparência ou estratégia de implementação. Até na revisão dos planos de ações climáticas, fez um mero ajuste de números e não apresentou qualquer nova ambição de mitigação como preconizava a COP 26. Os únicos esforços políticos que lembraram o Brasil do passado foram da diplomacia brasileira, limitada pela mediocridade das políticas ambientais e climáticas de hoje. Essa percepção de um Brasil menor e pouco solidário com o mundo ficou consolidada recentemente com a omissão das taxas de desmatamento na Amazônia. O mundo perdeu a paciência e a confiança no Brasil.

O Brasil defende interesses nacionais nessa área?

O Brasil é um país continental, heterogêneo e assimétrico, mas com grande capacidade política, institucional, legal e científica de definir os seus interesses. Também, é parte de uma ordem internacional, signatário do Sistema da ONU, e com base nos seus interesses nacionais sempre soube construir o seu espaço no mundo, a sua inserção internacional. Reconhecido pela qualidade da sua diplomacia e da sua ciência, sempre exerceu liderança internacional na agenda ambiental e climática, exatamente pela capacidade de construir convergências e soluções. Foi o país que fez a diferença, em 2010, ao liderar a negociação do Protocolo de Nagoya, que regula o acesso ao patrimônio genético e abre as portas para a bioeconomia.

É o país G1 em biodiversidade do planeta. Detentor de recursos naturais expressivos e de duas florestas tropicais - a Amazônia e a Mata Atlântica, além de ecossistemas costeiros e marinhos. Mas o Brasil de hoje faz exatamente o contrário: entrega as suas riquezas para o crime ambiental expresso no desmatamento da Amazônia, no garimpo ilegal de ouro e de diamante, na grilagem de terras públicas, na poluição de rios e de solos e na exploração descontrolada de recursos ambientais, como a de recursos biológicos pesqueiros. Quem está destruindo o meio ambiente no Brasil não são os estrangeiros e sim brasileiros que atuam na ilegalidade e se apropriam do patrimônio público.

Como o Brasil contribui para o futuro do planeta?

O mundo enfrenta hoje uma tripla crise ambiental: a climática, a perda da biodiversidade e a poluição ambiental. Com uma população estimada de cerca de 10 bilhões de pessoas no planeta até 2050, a ciência revela que não há como lidar com a demanda por recursos naturais se a humanidade não mudar os atuais caminhos de desenvolvimento. Essa é a discussão-chave contemporânea: como promover desenvolvimento com inclusão social e resiliência climática? O Brasil deveria estar discutindo novos rumos de desenvolvimento e buscando soluções contemporâneas. O atual debate climático promovido por algumas autoridades no Brasil é uma armadilha para os tolos. Um dos argumentos é que o Brasil historicamente é responsável por 3% das emissões globais acumuladas e que o mundo deveria ser mais "tolerante" com o país. Essa visão seria cabível se o regime climático vigente fosse o Protocolo de Quioto e não o Acordo de Paris.

Graças à retomada do desmatamento da Amazônia, o Brasil está entre os 10 países que mais emitem no planeta e tem cerca de 50% das suas emissões associadas ao crime. Não estamos entre os maiores emissores por conta somente de modelos econômicos, mas sim do crime ambiental, da sonegação fiscal, do trabalho escravo, do comércio ilegal de ouro e de madeira, além da grilagem de terras públicas. Isso explica a estranheza do mundo em relação ao Brasil. Desde 2019, o Brasil entrega o aumento de desmatamento promovendo políticas ambientais equivocadas e insuficiências na gestão pública de meio ambiente. O país que sempre ocupou papel global estratégico nas políticas ambientais é visto com grande desconfiança e sem credibilidade. É um país de joelhos na agenda ambiental internacional.

Quais os impactos que a atual política de meio ambiente pode causar?

O Brasil é um país que tem alternativas para os seus processos de desenvolvimento e isso acontece devido à generosidade da natureza. Portanto, proteger o meio ambiente é um ativo estratégico para os nossos interesses nacionais e para a nossa inserção internacional. Florestas protegidas significam segurança hídrica para os brasileiros e segurança climática para o Brasil e para o mundo. A década de 2020 a 2030 é estratégica para essas novas escolhas do Brasil. Não adianta empurrar com a barriga. O mundo precisa do Brasil de volta. E, como eu gosto de dizer, a Amazônia põe o Brasil no mundo. 

Como a Agricultura familiar pode contribuir para a evolução ambiental do país?

O Brasil precisa definir ações ambientais e climáticas imediatas em torno de dois caminhos: o primeiro deve estar voltado à contenção dos retrocessos nas políticas socioambientais e climáticas. E o segundo envolve desenhar os seus caminhos para o futuro, para o século XXI. Tudo isso precisa ser feito com o fortalecimento de sua democracia, de suas instituições e com inclusão social e política.

A agenda de uso do solo é importante para o nosso desenvolvimento e para a nossa segurança alimentar. Trata-se de um momento-chave de novas escolhas. A agricultura tropical brasileira é um setor estratégico para o Brasil. Mas, temos que mudar e avançarmos nas relações de proteção ambiental e de produção de alimentos. Para isso, o Brasil tem de deixar para trás o desmatamento e as desigualdades sociais que também estão presentes no campo, não somente nas cidades.

Temos de reconhecer os erros do passado e cumprir o Novo Código Florestal, com a regularização ambiental de propriedades, territórios e paisagens. É preciso desenvolver no Brasil uma inteligência de uso do território e que considere uma relação positiva com a natureza e o reconhecimento dos saberes tradicionais de seus povos. A agricultura familiar é quem alimenta os brasileiros e precisa do olhar contemporâneo da produção sustentável de alimentos.

O Brasil precisa rever as políticas de uso indiscriminado de agrotóxicos, por exemplo. Podemos e devemos avançar nas tecnologias de baixo carbono de produção de alimentos e de controle biológico de pragas, além das tecnologias de proteção do solo e de uso eficiente de água, como a EMBRAPA e outras instituições científicas orientam. As novas escolhas sobre produção de alimentos devem estar orientadas pelos rumos do futuro e não do passado.

Quais serão as entregas da nossa agricultura em termos de proteção e de produção em 2050? Essa questão é balizadora do que faremos com a agricultura no Brasil, do agronegócio à agricultura familiar. O debate atual não é sobre o que temos hoje e sim sobre o que teremos no futuro, em 2050.

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