INVESTIGAÇÃO

Milícia digital usa estrutura do 'gabinete do ódio' para ataques, diz PF

Informação consta em relatório parcial elaborado pela delegada Denisse Ribeiro e enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)

Luana Patriolino
postado em 11/02/2022 10:50 / atualizado em 11/02/2022 11:05
Presidente Jair Bolsonaro e o filho, Carlos, teriam ligação com o 'gabinete do ódio' -  (crédito: redes sociais/ reprodução)
Presidente Jair Bolsonaro e o filho, Carlos, teriam ligação com o 'gabinete do ódio' - (crédito: redes sociais/ reprodução)

A Polícia Federal entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um relatório constatando a existência de uma milícia digital que tem como objetivo o ataque às instituições e à democracia. Segundo a corporação, esse grupo, que teria usado a estrutura do “gabinete do ódio”, seria formado por aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL). A suspeita é de que eles estariam usando as dependências do Palácio do Planalto para promover os ataques.

A informação consta em um relatório parcial elaborado pela delegada federal Denisse Ribeiro — responsável pelos inquéritos das fake news e das milícias digitais — e enviado ao ministro do STF Alexandre de Moraes.

“Identifica-se a atuação de uma estrutura que opera especialmente por meio de um autodenominado ‘gabinete do ódio’: um grupo que produz conteúdos e/ou promove postagens em redes sociais atacando pessoas (alvos) — os ‘espantalhos’ escolhidos — previamente eleitas pelos integrantes da organização, difundindo-as por múltiplos canais de comunicação”, escreveu Denisse Ribeiro no documento.

A delegada elencou a maneira de atuação do grupo em quatro fases. Na primeira, chamada de eleição, são escolhidos os alvos. Na segunda, a preparação, são definidas as tarefas dos membros e quais seriam os canais em que as mensagens serão difundidas.

A terceira, o ataque, consiste “nas diversas postagens com conteúdo ofensivo, inverídico e/ou deturpado, formulado por várias fontes, por diversos canais e intensificado pela transmissão/retransmissão a integrantes do grupo que possuem muitos seguidores/apoiadores nas redes sociais, potencializando a difusão da notícia”.

Segundo a delegada, há a reverberação, que é a “multiplicação cruzada das postagens por novas retransmissões, complementadas ou não com novos elementos agregados, inclusive realizada por autoridades públicas e/ou pelos meios de comunicação tradicionais”.

No relatório, consta que a estratégia do grupo tem sido explorar os limites entre crimes contra a honra e a liberdade de expressão. O objetivo é criar uma falsa ideia de que a Constituição permite a publicação de qualquer conteúdo sem que o autor seja responsabilizado.

“Sob essa ótica, tem sido rotineiro questionar os limites entre a prática dos chamados delitos de opinião (especialmente calúnia e difamação) e a amplitude da liberdade de expressão, gerando uma ideia de que a Constituição Federal criou uma zona franca para a produção e divulgação de qualquer conteúdo sem risco de responsabilização. Não é o que ocorre com qualquer Estado Democrático de Direito.”

A sugestão da delegada é que as investigações devem ter continuidade diante dos vários elementos reunidos que indicam possíveis crimes. Denisse Ribeiro defendeu que novas diligências precisam ser realizadas, além de depoimentos, cruzamentos de dados e outras medidas.

O inquérito sobre a milícia digital foi aberto em 2021, após o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir o arquivamento de outra investigação que envolvia aliados do presidente Bolsonaro. Na época, Alexandre de Moraes atendeu ao pedido de Aras, mas decidiu abrir um novo inquérito para investigar a atuação de milícias digitais.

‘Kit covid’

A Polícia Federal afirma também que investiga algumas ações realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores para criar e impulsionar notícias falsas, como, por exemplo, a propagação do uso do kit covid — remédios comprovadamente ineficazes contra a doença.

“A análise em curso aponta também para existência de eventos que, embora não caracterizem por si tipos penais específicos, demonstram a preparação e a articulação que antecedem a criação e a repercussão de notícias não lastreadas ou conhecidamente falsas a respeito de pessoas ou temas de interesse. Como exemplo, entre outros, pode-se citar a questão do tratamento precoce contra a covid-19 com emprego de hidroxicloroquina/cloroquina e azitromicina, bem como a menção à elaboração de dossiês contra antagonistas e dissidentes, inclusive com insinuação de utilização da estrutura de Estado para atuar 'investigando todos'", afirmou.

 


 

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