Poder

Aproximação causa incômodo

Chefe do Planalto mostra incoerência no alinhamento à Rússia, que tem afinidades com países alvo de ataques bolsonaristas

RAPHAEL FELICE TAINÁ ANDRADE INGRID SOARES
postado em 16/02/2022 00:01
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Pouco antes de embarcar para Moscou, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tratou de convencer apoiadores de que o presidente russo, Vladimir Putin, é um líder "conservador" e "gente como a gente".

Putin pode ser menos liberal em sua forma de governar, mas não amplia esse modo de agir para a política externa. Nesse aspecto, mantém aproximações com diversos países que foram, inclusive, alvo constante de ataques do governo brasileiro.

Apesar da tentativa de Bolsonaro de mostrar alinhamento com Putin, as incoerências do governante estrangeiro são evidentes. O regime do país é semelhante ao da tão criticada Venezuela, de Nicolás Maduro. Além disso, o presidente russo fez aliança estratégica com a China — dois países com regimes considerados comunistas por Bolsonaro e aliados. E, na semana passada, Putin recebeu a visita do presidente da Argentina, Alberto Fernández, também alvo de ataques bolsonaristas.

Segundo especialistas ouvidos pelo Correio, Bolsonaro busca, de forma tardia, mostrar ao mundo e, principalmente, ao seu eleitorado, que o Brasil não é pária internacional. "É uma tentativa de se aproximar de uma grande potência, depois de hostilizar o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e criticar líderes chineses, tecendo comentários xenofóbicos aos seus gestores", afirmou Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper. "E depois de queimar pontes com a Europa, em especial nas questões ambientais, e de ter rompido laços com a América Latina, na figura da Argentina e do Chile. Sobram apenas líderes que têm uma agenda parecida, e a Rússia é uma grande candidata a expor essa situação de não isolamento."

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Conforme Consentino, o interesse de Bolsonaro é subordinado à agenda eleitoral e política. Na opinião dele, essa é mais uma construção de narrativa do presidente para legitimar a sua força para o público interno. "Está mostrando para esse público que ele é um estadista e sabe se relacionar com outros países. Ele queria se contrapor ao discurso de que só Lula (o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) é bem recebido em outros países", frisou. "Ao mesmo tempo, jogar para o público dele que essa ideia de o Brasil ser um país isolado é uma mentira. O objetivo, com isso, são os 25%, 30% que ele tem para o levar ao segundo turno e aumentar a rejeição a Lula."

Ricardo Barretto, doutor em direito constitucional pela Universidade de Brasília (UnB), classificou o chefe de Estado russo como um autocrata, já que é questionado no Ocidente por deteriorar o ambiente democrático na Rússia. Portanto, essa seria uma explicação para a aproximação com o governante brasileiro.

"Esse perfil autoritário é uma marca de Bolsonaro. Vários elementos que ele traz em sua política também podem ser vistos, em parte, na Rússia. Pode ser que ele se veja na imagem do Putin, um presidente forte, que se confunde com as instituições do próprio país", destacou. "Então, tem um aspecto personalista. Porém, ainda que o presidente Putin e o presidente Bolsonaro sejam bastante criticados no Ocidente por, supostamente, terem deteriorado o ambiente democrático de seus países, Putin é muito mais articulado, capacitado, inteligente e entendido de política externa do que o presidente brasileiro."

Pelo lado de Putin, a visita de Bolsonaro em meio à tensão da Rússia com a Ucrânia pode vir a ser um trunfo. "Significa que ele não está tão sozinho no mundo e que, mesmo com a crise, consegue manter boas relações", enfatizou.

Hungria

Além da Rússia, Bolsonaro tem visita agendada à Hungria, comandada pelo primeiro-ministro Viktor Orban, líder de extrema-direita. Ele também é criticado pela comunidade internacional pelo autoritarismo, tendo promovido o controle da imprensa local, e leis contra LGBTQIA e migração. Assim como a Rússia, a Hungria tem problemas diplomáticos e é considerada pária dentro do continente europeu.

De acordo com o doutor em história e professor da Universidade de Brasília Antônio José Barbosa, Bolsonaro tenta superar, de forma mínima, o isolamento internacional brasileiro e se encontra com países em situações diplomáticas semelhantes. Além disso, acena para sua base ao visitar países que adotam regimes de força.

"É uma tentativa de superar, minimamente, o isolamento internacional em que ele jogou o Brasil. O fato de ir à Rússia de Putin, mas, sobretudo, de passar na Hungria, é um recado claro de que as alianças que, eventualmente, possa fazer são fundamentalmente ideológicas", frisou. "São regimes de força, regimes autoritários, que fazem uso da democracia para destruí-la."

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