O ministro Luís Roberto Barroso se despediu da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ontem, com um forte discurso em defesa da democracia e de combate às fake news. O magistrado mandou recados duros ao presidente Jair Bolsonaro pelos rotineiros ataques à Corte eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A partir da próxima semana, o TSE terá no comando os ministros Edson Fachin (como presidente) e Alexandre de Moraes (vice). O primeiro ficará à frente da Corte por seis meses. Já Moraes, considerado por bolsonaristas como inimigo, assumirá a direção do tribunal durante as eleições.
No discurso de ontem, Barroso afirmou que, "nos últimos tempos", a democracia e as instituições "passaram por ameaças das quais acreditávamos já haver nos livrado". O magistrado enfatizou que "não foram apenas exaltações verbais à ditadura e à tortura, mas ações concretas e preocupantes". Ele citou, entre outras, as manifestações antidemocráticas de 7 de setembro do ano passado (veja quadro).
"Num mundo que assiste preocupado à ascensão do populismo extremista e autoritário, rescendendo a fascismo, a preservação da democracia e o respeito às instituições passaram a ser ativos valiosos, indispensáveis para quem queira ser um ator global relevante", destacou. "Não é de surpreender que dirigentes brasileiros não sejam hoje bem-vindos em nenhum país democrático e desenvolvido do mundo. E, nos eventos multilaterais, vagam pelos corredores e calçadas sem serem recebidos, acumulando recusas em pedidos de reuniões bilaterais. Como já disse, a marca Brasil vive um momento de deprimente desvalorização mundial. Passamos de um país querido e admirado internacionalmente a um país olhado com desconfiança e desprezo."
Sem citar o nome do chefe do Executivo, Barroso fez menção às investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas. "Uma das estratégias das vocações autoritárias em diferentes partes do mundo é procurar desacreditar o processo eleitoral, fazendo acusações falsas e propagando o discurso de que 'se eu não ganhar, houve fraude'", disse. "Trata-se de repetição mambembe do que fez Donald Trump nos Estados Unidos, procurando deslegitimar a vitória inequívoca de seu oponente e induzindo multidões a acreditar na mentira."
Voto impresso
O magistrado lembrou que parte de 2021 foi gasto com "uma discussão desnecessária, que significaria um retrocesso: a volta ao voto impresso, com contagem pública manual". "Solução inadequada para um problema inexistente. O sistema de votação eletrônica brasileiro é seguro, transparente e auditável", sustentou. "O sistema foi implantado em 1996 — há mais de 25 anos —, sem que jamais se tenha documentado qualquer caso de fraude. Justamente ao contrário: derrotamos o passado de fraudes com o voto impresso. Ademais, as urnas eletrônicas jamais entram em rede, isto é, não têm ligação à internet. Como consequência, não estão sujeitas a acesso remoto, a invasão por hackers."
Ele enfatizou o fato de a Câmara ter rejeitado proposta para o retorno do voto impresso, elogiou a Casa pela decisão. "Sempre relembrando que, nos Estados Unidos, existe voto impresso, e o candidato derrotado não apenas jamais reconheceu a derrota como até hoje sustenta a tese de que houve fraude e a eleição foi roubada", mencionou, em relação a Donald Trump. "A moral da história, como já disse, é que não há remédio na farmacologia jurídica contra maus perdedores."
Ao destacar o combate às fake news, Barroso defendeu a imprensa profissional. "Nós nunca precisamos tanto de jornalismo profissional para a criação de um espaço público que, embora plural, tenha um mínimo de compromisso com a verdade dos fatos e a realidade", disse. "Imprensa profissional é um dos antídotos contra esse mundo das mentiras e notícias fraudulentas, eufemismos que se criaram para encobrir a mentira e as notícias fraudulentas", acrescentou.
Embates
Desde o início do governo, Bolsonaro repete investidas contra o Judiciário e o sistema eletrônico de votação, sem nunca ter apresentado provas. O STF também é alvo frequente do chefe do Executivo. Ele afirma que a Corte atua em causas que são de competência de outras esferas. Também insiste em dizer que ministros agem para que o PT volte ao comando do país. Os principais alvos são, além de Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin.
Em entrevista recente, Bolsonaro reforçou a narrativa. "Agora, o que fica da ação desses três ministros do STF? Parece-me que eles têm um interesse, né? Primeiro, buscar uma maneira de me tornar inelegível, na base da canetada. A outra, é eleger o seu candidato, que é o Lula", acusou.
O ano passado foi marcado por conflitos do governo com as Cortes, especialmente o STF. O auge ocorreu nos atos antidemocráticos de 7 de setembro do ano passado. O presidente chegou a dizer que descumpriria decisão judicial de Moraes e o chamou de canalha.
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