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De olho nas eleições, Bolsonaro faz reforma no 1º escalão do governo

Troca no ministério viabiliza campanha de Bolsonaro nos estados. Mas há pré-candidatos que disputarão apoio presidencial

As trocas no primeiro escalão do governo federal, concretizadas ontem em cerimônias no Palácio do Planalto e nas sedes dos ministérios, não foi somente uma mudança de perfil entre os auxiliares mais próximos do presidente da República. A saída dos políticos para dar vez aos técnicos tem o claro objetivo de ajudar na formação de palanques para o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro. A tarefa, porém, pode ser mais complexa do que estão estimando os estrategistas do governo.

O primeiro complicador está, exatamente, no Distrito Federal. A deputada federal Flávia Arruda (PL) retoma o mandato, mas para construir a ponte que a levará à outra Casa do Congresso — o Senado. Pode ter como adversária à vaga a ex-ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, Damares Alves — que se filiou ao Republicanos e mudou o domicílio eleitoral para o DF. Há a possibilidade de ela concorrer a uma das cadeiras na Câmara, mas pega uma adversária de peso como a hoje deputada Bia Kicis. Seja qual for o rumo, é um desconforto que pode prejudicar Bolsonaro.

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Questão gaúcha

Outro problema no horizonte da reeleição está no Rio Grande do Sul. O ex-ministro do Trabalho e Previdência Onyx Lorenzoni (PL) jamais negou que pretende disputar o Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Pode ter como adversário o senador Luiz Carlos Heinze (PP), que pretende ser compensado com o apoio de Bolsonaro pela marcante defesa que fez da cloroquina e do governo durante a CPI da Covid.

Ainda na disputa ao Senado, a vida não deve ser fácil, também, para os ex-ministros Gilson Machado e Tereza Cristina, que abriram mão, respectivamente, das pastas do Turismo e da Agricultura. Ela retoma o mandato de deputada federal pelo União Brasil e pode ter pela frente, no Mato Grosso do Sul, Luiz Henrique Mandetta, seu colega de partido e ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro. No caso de Machado, as coisas não são menos difíceis: tem tudo para enfrentar o ex-líder do governo no Senado Fernando Bezerra Coelho (MDB) na disputa pela vaga única ao Senado por Pernambuco.

Mas a construção de palanques estaduais para Bolsonaro passa por duros confrontos que os candidatos do presidente terão pela frente. O ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem a pretensão de concorrer ao governo paulista, mas tem pela frente pelo menos três candidatos competitivos: o agora governador Rodrigo Garcia, o petista Fernando Haddad e Marcio Franca (PSB). "Tarcisão do Asfalto" também terá que disputar votos bolsonaristas e da extrema direita com o ex-colega de governo Abraham Weintraub (Brasil 35).

Oligarquia

O ex-ministro da Cidadania, João Roma, é o homem de Bolsonaro para a formação de um palanque que congregue as forças conservadoras na Bahia. Mas, novamente, tem pela frente um muro alto para escalar: o principal adversário é o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União), representante da oligarquia Magalhães no estado e que deixou o comando da capital com uma alta aprovação. Esse, alias, não é o único problema: Jerônimo Rodrigues, pré-candidato do PT, vem turbinado pelo MDB no estado com o vice Geraldo Junior e o apoio do ex-governador e hoje senador Jaques Wagner.

Já Rogério Marinho deixou o Ministério do Desenvolvimento Regional para tentar o governo potiguar. Terá pela frente a governadora Fátima Bezerra (PT) que já anunciou que disputará a reeleição ao Palácio da Lagoa Nova. Olhando de longe, certamente os bolsonaristas jogarão na polaridade para tentar crescer na disputa. Só que, a favor de Fátima, há uma grande coligação na Assembleia Legislativa do estado que vai do PSDB ao PCdoB.

Marinho pode ter, ainda, mais uma pedra no caminho da eleição. O senador Styvenson Valentim (Podemos), que ainda não decidiu se concorre, poderia ter uma candidatura forte baseada em dois fatores: foi o mais votado em 2018 e chegou a Brasília embalado pelo bolsonarismo, pois é policial militar — um eleitoral fiel do presidente. O tucano Ezequiel Ferreira completaria o quadro de adversários competitivos do ex-ministro.

MP critica ode à ditadura

O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determine a retirada "urgente" de uma nota, publicada ontem pelo Ministério da Defesa, em que defende o golpe militar de 1964 e considera a ditadura "um marco histórico da evolução política brasileira, pois teria refletido os anseios e as aspirações da população da época". Foi um dos últimos atos de Walter Braga Netto à frente da pasta, pois assumiu o cargo de assessor especial do Gabinete Pessoal do presidente Jair Bolsonaro e deve ser o vice na chapa à reeleição.

Segundo o MPF, a nota da Defesa "é patente a reiteração do ato ilícito objeto da presente ação civil pública, demonstrando verdadeiro menoscabo por parte do governo federal e seus agentes em relação à Constituição da República, às leis, bem como ao Estado Democrático de Direito".

Segundo o Ministério Público, a conduta do ex-ministro desrespeita o princípio da moralidade. "Não condiz com o conteúdo desse princípio o agente público valer-se da função pública exercida para fazer, em canal oficial de comunicação, menções elogiosas ao regime de exceção instalado no país por meio do golpe militar de 1964, que violou, de forma sistemática, direitos humanos, valendo-se, inclusive, da prática de tortura e execuções de pessoas, e que, reconhecidamente, levou à responsabilização do Brasil em âmbito internacional".

A nota da Defesa ecoou dentro do governo e na cerimônia de despedida dos ministros e de posse dos substitutos, Bolsonaro mais uma vez exaltou a ditadura. "Hoje é 31 de março. O que aconteceu nesse dia? Nada? A história não registra nenhum presidente perdendo seu mandato nesse dia. Então, por que a mentira? A quem ela se presta? O Congresso Nacional, no dia 2 de abril, votou pela vacância de João Goulart, com voto, inclusive, de Ulysses Guimarães. Quem assumiu o governo nesse dia não foi militar, foi o presidente da Câmara. Por que omitir isso?", questionou.

Segundo Bolsonaro, o Congresso, à época, elegeu Castello Branco com quase 100% dos votos e "conseguiu fazer história". No relato do presidente, durante a ditadura "todos tinham o direito de ir e vir". "É uma luta da verdade contra a mentira. Quem esteve no governo naquela época fez a sua parte. O que seria do Brasil sem as obras do governo militar? Não seria nada, seria uma republiqueta", afirmou.

Marco histórico

De acordo com a nota do Ministério da Defesa, o golpe militar é "um marco histórico na evolução da política brasileira e que não poderia ser reescrita em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização". O texto ainda classifica a ditadura como uma fase de "estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político".

O texto da Defesa reforça, também, que a tomada de poder pelos militares contou com o apoio da sociedade civil e das Forças Armadas, unidas para "restabelecer a ordem". A nota diz que o golpe buscou "impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil, por grupos que propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias partes do mundo".

"Tudo isso pode ser comprovado pelos registros dos principais veículos de comunicação do período", dizia a publicação que também foi assinada pelos comandantes das três forças militares brasileiras.