ENTREVISTA

Cristovam Buarque: 'Não serei candidato, mas vou participar'

Observador da política local e nacional, ex-governador diz que chegada de Bolsonaro ao poder é resultado de sucessivos erros

Quando não foi reeleito, em 2018, para um terceiro mandato como senador, Cristovam Buarque disse que era um privilégio poder se reinventar aos 74 anos e que iria viajar mais e escrever. A pandemia limitou o primeiro plano, mas não o segundo.

Aos 78 anos, o economista, acadêmico, ex-governador e senador por dois mandatos pelo Distrito Federal lança nesta terça-feira (5/4), na Livraria da Travessa do Shopping Casa Park, o livro O Mundo é uma Escola O que eu aprendi em viagens.

"Fui 20 anos político, escrevendo nas horas vagas. Agora, eu escrevo, e faço política nas horas vagas. Sinceramente, estou mais feliz", disse ao Correio, na semana em que anunciou que não será mais candidato.

Cristovam acredita que a política sequestra bens imateriais: "No mandato, você é cobrado permanentemente. O político sempre olha achando que os outros estão lhe cobrando alguma coisa. Não tendo mandato, a gente anda muito mais livremente na rua. O mandato rouba a liberdade das pessoas".

Isso não significa que não vai participar das eleições deste ano. No cenário nacional, declara apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o único que, a seu ver, tem chances contra uma reeleição de Jair Bolsonaro à Presidência. "Costumo dizer que lamento que ainda precise ser o Lula e, ao mesmo tempo, comemoro: ainda bem que tem o Lula. Ainda temos o Lula com garra. Parece um menino", diz.

Para ele, uma terceira via é um sonho não factível no momento e a eleição de Bolsonaro é fruto de erros consecutivos. "Se PT e PSDB tivessem criado um projeto que os unificasse, nem tinha Bolsonaro e teríamos feito muita coisa. Perdemos tempo. Por isso, eu gosto da chapa Lula e Alckmin. É o que disse que não fizemos, juntar PT e PSDB", avalia. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Aquela história de que o senhor era um político e escritor nas horas vagas e quer ser, agora, um escritor e político nas horas vagas está valendo?

Isso mesmo. Fui 20 anos político escrevendo nas horas vagas. Agora, eu escrevo, e faço política nas horas vagas. Sinceramente, estou mais feliz.

Significa que neste ano não tem eleição?

Eu ser candidato? Avisei ao meu partido que não quero. Avisei, também, a todas as pessoas que me procuram que não contem comigo, a não ser que aconteça uma coisa muito extraordinária.

O que poderia acontecer?

Se o (Vladmir) Putin invadir o Distrito Federal… Se vier um monstro candidato, e eu puder impedir. Mas não vejo essa necessidade. No lado pessoal, estou muito bem com a agenda que levo. E, do ponto de vista de contribuição, não vejo necessidade de estar na linha de frente.

Mas o que o levou a isso?

Sinceramente, sempre fui um estranho no ninho da política, embora com prazer, e acho que deixei realizações. Sempre fui um professor, nunca fui entusiasmado com o trabalho específico da articulação, do conchavo… Então, é quase natural. Depois, tentei continuar no Senado e o eleitor deu um recado: "é hora de você ir para casa". Um recado que, hoje, sinceramente agradeço muito. Não estou com nada, mas tenho 78 anos. E nesses três anos me dediquei aos livros. A pandemia ajudou.

Gostou dessa rotina de viajar menos e ficar produzindo mais em casa?

Não gostei. O Senado atrapalhava a rotina de viagens. Se não fosse o Senado, teria viajado muito mais em viagens mais longas. Esse livro que publiquei (com lançamento previsto para 6 de abril) são reflexões provocadas por viagens. Mas vou dar um exemplo de como o Senado atrapalhava: fui à Ucrânia, mas só vi Chernobyl, porque tive que ir num dia e voltar no outro. Se não fosse o Senado, teria conhecido Odessa, Kiev… Minhas viagens eram muito corridas. E tem uma coisa: não fiz uma única viagem por conta do Senado, salvo numa vez a Copenhagen, em que fui representando o grupo Rio 20, que eu era presidente.

Fora do Senado, a patrulha virtual lhe deu um pouco mais de paz?

Isso é verdade. Não sei se a palavra é patrulha, mas, no mandato, você é cobrado permanentemente. Todo parlamentar deveria usar esses capacetes de soldado na guerra. O político sempre olha achando que os outros estão lhe cobrando alguma coisa. Não tendo mandato, a gente anda muito mais livremente na rua. O mandato rouba a liberdade das pessoas.

Durante muito tempo o senhor transitou bem. A patrulha ocorreu mais no processo de impeachment da Dilma?

Aí não foi mais nem patrulha. Foi agressão. Até o impeachment, era cobrado como qualquer parlamentar. Depois do impeachment, chegaram a agredir minhas netas, uma de nove e a outra de cinco anos. Colocaram no trajeto delas uma faixa "vovô é golpista". Me chamar de golpista faz parte da propaganda, mas vovô golpista é fogo. Eu ficava sempre com medo de levar uma pancada. Em Belo Horizonte, tive de suspender o lançamento de um livro.

Passou?

Passou. Não sei se esqueceram… Mas acho que agora vai vir de todo lado porque estou defendendo apoio a Lula no primeiro turno, e estou dizendo isso publicamente. Nem vou conquistar ninguém do PT, nem estou preocupado com isso. Virão ataques não necessariamente de bolsonaristas, mas de quem tem esse antipetismo muito forte. Vão ficar com raiva de mim. Por isso, é bom não ser candidato. Quando a gente é candidato, fica pensando se deve ou não dizer as coisas para não perder votos.

Essa posição faz parte do mea-culpa do porquê falhamos?

O primeiro erro foi a divisão do PT e PSDB. O símbolo máximo é a eleição do Bolsonaro. Nós falhamos porque a escola não melhorou como deveria, a saúde não melhorou como deveria, a economia não cresceu como deveria. Nós falhamos, não criamos, realmente, um Brasil diferente. E foram 26 anos. Se PT e PSDB tivessem criado um projeto que os unificasse, nem tinha Bolsonaro e teríamos feito muita coisa. A educação, por exemplo, poderíamos ter adotado uma geração, como dizia a Heloisa Helena, e depois essa geração nos adotaria. Perdemos tempo. Por isso, gosto da chapa Lula e Alckmin. É o que disse que não fizemos, juntar PT e PSDB.

Acha que dá certo?

Se Lula e Alckmin fizerem um governo de coalizão. Não sabemos como será. Mas meu apoio a Lula não é por isso. É porque não construímos nada alternativo a Bolsonaro e a Lula. O que é que construímos que tenha um projeto para a Nação e uma cara que atraia o eleitor? Daí porque a terceira via se desmilingue — porque não criaram nada. Eu debato muito no Cidadania com pessoas que reclamam da arrogância do PT e, realmente, são arrogantes. Mas o tamanho da arrogância do PT é pelo tamanho pequeno da gente. O PT não é só arrogante, é grande. E não construímos nada grande. Costumo dizer que lamento que ainda precise ser o Lula e, ao mesmo tempo, comemoro: ainda bem que tem o Lula. Ainda temos o Lula com garra. Parece um menino.

Colocar o Lula como única opção a Bolsonaro não pode também ser um erro que beneficia Bolsonaro?

Eu digo que o PT, além de grande, precisava ter grandeza para dizer que não era mais a sua vez — ficar de fora, buscar um candidato que unificasse, como se fez com Tancredo. Unificou todo mundo, fora o PT. Quando Fernando Henrique e Lula almoçaram, achei que surgiria um outro nome, mas não surgiu. Agora, vamos falar a verdade: se não fosse o Lula, quem seria? Quem? Com capacidade de governar e de ganhar?

Acha que, se não for Lula, Bolsonaro pode ganhar?

Quem seria o candidato? Temo que possa ganhar até do próprio Lula. O erro é que os democratas que não querem Bolsonaro batem tanto no Lula, como Ciro Gomes, que, no segundo turno, não vão conseguir apoiar. Aí o voto nulo pode eleger o Bolsonaro. Uma coisa é discordar, outra é chamar de ladrão.

Mas o Alckmin chamou o Lula de ladrão…

E vai ter que se explicar. Esse é o problema. Quem trata disso é a Justiça. Aprendi isso com um cara que sempre foi considerado da direita: Marco Maciel, nosso pernambucano. Marco Maciel não fulanizava. Discurso político não tem que estar fulanizando. Eu nunca fiz uma acusação moral a (Joaquim) Roriz, nem a nenhum desses. A Justiça que fez. Aliás, na discussão da ficha limpa, fui contra que a Justiça, ao declarar a ficha limpa, cassasse o candidato. Dizia, até de uma maneira engraçada, que a gente tem que tratar o candidato que a Justiça diz que é corrupto como a gente trata cigarro. Escreve lá: esse candidato faz mal à saúde do país.

Esse jeito de olhar não é omisso?

Não, dá poder ao eleitor. Por isso, votei pelo impeachment e para manter os direitos políticos da Dilma. Eu dizia que cassava o mandato, mas os direitos políticos quem cassa é o eleitor.

O senhor se arrependeu?

Esse verbo é complicado. Se você me perguntar se seria melhor que não tivesse votado a favor do impeachment... Mas teria sido uma incoerência não ter votado. Passei dois anos dizendo que a Dilma cometeu crime de responsabilidade.

Como está a relação com os antigos aliados do PT?

Tenho conversado com petistas e muitos incentivam que eu seja candidato.

Como o senhor vê o cenário das eleições no DF?

Já imaginei uma eleição sem ser candidato, mas nunca pensei uma eleição sem eu ter candidato.

Mas há no cenário pelo menos dois possíveis candidatos que o senhor aprovaria, os senadores José Antônio Reguffe e Leila Barros…

Tenho uma relação muito antiga com o Reguffe. A Leila é uma pessoa que cada vez tenho admirado mais. Tenho conversado muito com ela. Acho que o eleitor fez muito bem em colocá-la no Senado, mas não sei ainda qual é a deles. É verdade que o momento político é de que ninguém está decidido ainda. Eles fizeram dois gestos que me deixam pensativo. Por que Leila saiu do meu partido, o Cidadania, e por que Reguffe foi para o União Brasil? Duas perturbações recentes.

Não concorda com esses movimentos?

Não me consultaram. A Leila me avisou que ia sair. Já o Reguffe só me avisou no último momento, dizendo que talvez fosse. O União Brasil é um partido muito conservador. Mas, hoje, também o meu partido está ligado ao PSDB, partido no qual tem pessoas que admiro muito. Mas, como partido, não é um bom carimbo para quem está no fim da carreira como eu. Deles dois não sei qual será candidato, se vão se unir ou não. O Reguffe poderia ter a Leila como vice, nada impede. Ou a Leila ter o Reguffe como vice.

Qual é o sentimento em relação às pretensões do Reguffe?

O que ele me diz é que será candidato a governador. Que está decidindo e que é o único cargo que o eleitor dele entenderia.

O senhor acha que é para valer?

A essa altura, diria que sim. Se a sua pergunta fosse há um mês, diria que não sei. Ele dificilmente iria para o União Brasil para ser candidato ao Senado.

O senhor não tem entusiasmo por essa eleição?

Não tenho entusiasmo ainda, como acho que nem eles têm. Mas não vou ficar de fora, vou participar. Não serei candidato, mas terei candidato.

E o seu candidato vem desse grupo?

Provavelmente. Não me vejo com candidato do grupo do Izalci, nem no grupo do Ibaneis.

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