Quando se converteu ao protestantismo e começou a frequentar uma pequena igreja evangélica na periferia da Grande Vitória, mais de 30 anos atrás, a então camelô Jacqueline Moraes teve seu primeiro contato com a palavra "feminismo". Ouviu de pastores e vizinhos que a mulher evangélica deveria ser contra o feminismo porque o movimento prega "a superioridade da mulher sobre o homem" e que essa era uma "bandeira da esquerda". A mensagem, distorcida, a acompanhou até que decidiu entrar para a política como representante dos vendedores ambulantes.
"Deus não nos fez diferentes, e o feminismo prega justamente a igualdade, não quer ser maior ou melhor do que ninguém", disse a ex-camelô que, hoje, ocupa o cargo de vice-governadora do Espírito Santo, eleita em 2018 pelo PSB. Jacqueline representa a parcela mais expressiva desse eleitorado: ela é negra e cresceu na periferia de Cariacica, a cidade com renda per capita mais baixa da região metropolitana de Vitória. Com um detalhe: o marido abraçou o bolsonarismo nas últimas eleições.
Ao Correio, ela conta que, ao entrar para a política, teve dificuldade de reunir mulheres evangélicas para falar de política, mas percebeu que havia espaço para discutir as questões que mais as afligiam em suas comunidades. "Temos de tirar essa ideia de que só há a pauta identitária na agenda evangélica. Mulheres têm capacidade de olhar além e são as primeiras a serem afetadas pelos problemas do dia a dia, como os decorrentes da crise econômica, a alta dos preços. Essa é a pauta que precisa ser conversada com as mulheres evangélicas", ressalta.
Jacqueline critica líderes religiosos que usam a igreja para fazer proselitismo político e propagar o que chama de "ideologia bolsonarista". "É um desserviço um líder falar o que pensa sobre política para uma mulher que vai à igreja por causa dos seus problemas reais, cotidianos. A fé sincera das pessoas não pode ser desvirtuada por uma ideia totalitária e mentirosa de sociedade", reprova.
Ela explica, porém, que a classe política, em geral, não consegue entender direito a mulher crente, que tem na família e na igreja os pilares fundamentais das relações sociais. São mulheres que não costumam declarar apoio explícito a candidatos ou partidos, mas que estão muito preocupadas com a educação e o futuro dos filhos, com o emprego, com a preço da comida. "É preciso ouvir mais as dores dessa mulher", aconselha. (VD)
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