eleições

País precisa ser mais competitivo

Doria, Tebet, Ciro e, agora, Lula, enfatizarão na campanha questões concretas para o cidadão, como inflação e emprego

Vinicius Doria
postado em 08/05/2022 00:01
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Sem resolver os problemas da alta carga tributária, infraestrutura e desigualdades regionais, o Brasil não conseguirá exportar automóveis para o mercado global, segundo o presidente da Stellantis. A seguir, o restante da entrevista dada ao Correio:

O Brasil tem um problema crônico de inflação. Enquanto por aqui as projeções para o custo de vida de mais longo prazo continuam altas, nos Estados Unidos, espera-se queda forte a partir do ano que vem. Por que essa desconfiança em relação ao Brasil?

Isso deveria levar a uma análise das diferenças entre os macrossistemas dos Estados Unidos e do Brasil, que são muitas. Os EUA, entre outros benefícios, contam com uma inflação sempre contida, entre zero e 2%. E o por que conseguem fazer isso? Quando olho para os Estados Unidos, vejo um país que tem uma máquina pública infinitamente menor, que tem equalização da renda com muitos problemas, mas, seguramente, mais igualitária do que o Brasil, uma carga tributária que é decisivamente menor, uma taxa de desemprego, historicamente, baixa e impulsionada por um sistema produtivo que é sempre prioridade da agenda econômica. Então, há uma série de fatores que, no fim, geram também uma inflação contida. O ponto é esse.

E o Brasil ainda está no meio desse processo…

Está longe.

O país tenta uma reforma tributária há mais de 30 anos e a reforma administrativa não sai, porque as corporações aqui são muito fortes…

Não sei se o Brasil deveria ter como objetivo ser os Estados Unidos. É claramente um bom objetivo. Mas o que o Brasil quer ser amanhã? Por exemplo, no setor da indústria automobilística. Historicamente, nos deparamos com uma situação de que 65% do nosso mercado está na área Sul e Sudeste (do país) e atuamos como se isso fosse a normalidade. Mas por que isso existe? É porque o consumidor do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste não gosta de carros? Não. Eles gostam tanto quanto (os dos Sul e do Sudeste). O problema é a renda. E deveriam fazer como os japoneses, que fazem cinco perguntas? Por que não tem renda? Por não ter trabalho lá. E, por que não tem trabalho? Porque lá não chega a indústria e as atividades produtivas. O Brasil é continental, mas tem uma economia com baixíssima descentralização. E a descentralização é fundamental por uma série de questões, entre elas, atrair investimentos produtivos fora do núcleo São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Quando você gera uma atração de investimento produtivo de alta qualificação do trabalho em regiões que não são o centro, você está puxando infraestrutura, está puxando serviços, está aumentando a renda lá. E, aumentando a renda, você aumenta as oportunidades de demanda, de consumo e de outras formas de desenvolvimento: social, educação. Nós temos a sorte de ter, sete anos atrás, tomado a decisão de instalar o polo automotivo Jeep em Goiana, em Pernambuco. A criminalidade da cidade caiu em 40% desde que estamos lá. É oferta de novas oportunidades.

O Brasil já chegou a ser o quarto mercado produtor de automóveis e hoje é o oitavo. Não é uma decepção esse encolhimento?

O sistema produtivo brasileiro tem falta de competitividade. Exporta para a América Latina, para o Mercosul, mas é mais difícil para a produção brasileira ir para outras regiões. E é preciso fazer perguntas. Por que falta competitividade? Se você dividir o sistema produtivo, portaria para dentro e portaria para fora, a análise fica mais simples. Se forem em nossa fábrica e dos nossos competidores, vocês observam que elas têm os mesmos robôs, os mesmos equipamentos e a mesma mão de obra de uma fábrica alemã, norte-americana e japonesa fazendo os mesmos produtos. O Jeep Renegade e o Jeep Compass que fazemos no Brasil são os mesmos fabricados no México, na Itália ou na Ásia. A competitividade é a mesma da portaria para dentro. Mas, da porta para fora, encontramos os problemas que falamos antes. A falta de competitividade (do Brasil) acontece porque existem essas três principais carências no sistema produtivo, que são: a tributária, a infraestrutura logística e a falta de isonomia territorial no Brasil. E como essas carências precisam ser cuidadas? A tributária, com a reforma tributária. Agora tem a PEC 110/2019, que está circulando (no Congresso) com tudo o que o país precisa que seja aprovado. A infraestrutura logística são duas. Tem a física, que são as ruas, portos, aeroportos, e a de dados, o investimento em 5G, que é muito positivo. Mas não é somente 5G, porque o Brasil tem um monte de áreas extra-urbanas que deveriam ter a expansão do 4G de alta frequência, de 770 Hertz. Por fim, a descentralização. O Brasil precisa de uma política econômica, industrial, produtiva que leve o progresso em todos os cantos do país.

O que o Brasil representa para a Stellantis hoje? E quais são os planos de investimentos para cá?

A Stellantis é dividida em seis regiões: Ásia Pacífico, China, que é uma região à parte, Oriente Médio-África, América do Norte e América do Sul. E, como organização, cada região tem um líder. O Brasil é o mercado mais importante da América do Sul, de longe. O país é um centro quase exclusivo da produção de uma das seis regiões da Stellantis. Portanto, o país tem uma importância estratégica altíssima.

E é possível exportar?

Nós exportamos, desde Pernambuco, mais ou menos 20% da produção, todas para o Mercosul. Da Fiat, exportamos 20 mil picapes Strada, por exemplo, para o México. Exportamos Fiat Argo, Pulse e Chronos para o México, além do Mercosul. Temos estratégia de fazer carros do Brasil para o Oriente Médio-África, mas as regulamentações de cada região divergiram tanto neste momento, que, tecnicamente, não dá para exportar um carro do Brasil para a Europa. Não é tecnicamente possível. Por isso, a Europa faz o Jeep Renegade e Compass em casa.

E o que representaria o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que está sendo aguardado há mais de 20 anos? Vocês são favoráveis?

Sim, claro. O problema da produção brasileira é a competitividade da porta da fábrica para fora. Se o Brasil quer ser um player global para exportações maiores, que não sejam limitadas apenas ao Mercosul e a outros países no entorno, tem que resolver os problemas da competitividade.

Quais são os planos de investimentos da Stellantis para o Brasil?

Nós vamos investir bastante dinheiro até 2025, e também de 2025 a 2030. E isso vai se traduzir no lançamento de 16 modelos.

Além dos 16 novos modelos, o que mais vocês estão planejando?

A introdução da eletrificação, sempre combinada com etanol. Como falamos antes, o etanol tem um papel chave na autopropulsão brasileira, mas o Brasil não pode se fechar ao progresso, e deve se abrir também aos cenários de eletrificação. E a forma mais inteligente é combinar o etanol com máquinas elétricas.

Entre esses 16 novos modelos tem algum elétrico ou híbrido?

Teremos a entrada de soluções de eletrificação combinada com etanol. E temos também a possibilidade de importar modelos híbridos e totalmente elétricos. Nós, claramente, queremos consolidar a nossa presença de mercado e expandir a nossa presença além de Brasil e de Argentina, que são, neste momento, os nossos mercados principais. Queremos trabalhar muito com marcas que não representam grandes volumes, como Peugeot, Citroën e mesmo a RAM. Temos uma série de planos.

Dizem que o Brasil não é para amadores. O que é o país na visão dos investidores?

Acho que é preciso, sempre, ter uma visão de longo prazo. Se você analisar o dia a dia, é claro que você fica perdido em conflitos que, um dia depois, serão resolvidos. Então, é melhor esquecer que estão existindo e ficar com a visão de longo prazo. E, no longo prazo, o Brasil tem tudo para despontar. Tem uma economia que pode se avantajar pela forte pulsão do agronegócio, por exemplo. Tem uma economia que pode se fundamentar sobre a riqueza de uma série de commodities que, somente ou principalmente no Brasil, são extraíveis, digamos assim, sejam minerais, sejam agrícolas. Tem uma população muito jovem na base produtiva ainda, embora a demografia esteja mudando rapidamente. Tem uma penetração muito baixa do carro em relação a outros países, inclusive, com economias piores.

Como é essa proporção?

De um carro para cada quatro pessoa, quando, na Europa e nos Estados Unidos, é de um para um, e, mesmo na Argentina, essa proporção é melhor. Mas o mundo depende muito do Brasil para comer e para produzir aço. Então, acredito que o ciclo econômico que possa se oferecer no Brasil é positivo. E, com tudo isso, acredito que o Brasil merece investimentos produtivos. Nós, como Stellantis, sempre fomos, acredito, a montadora que mais investiu no país, e os números aqui são positivos. Desde 2018, por exemplo, o Brasil vende mais Fiat do que a Itália.

Voltando para o início da conversa, o senhor diz que as eleições não atrapalham, mesmo tendo um país mais polarizado.

Sabemos que uma vez a cada quatro anos tem eleição, com mais volatilidade do que nos demais. Não estou falando que não atrapalha ou que não é volátil. Mas, neste ano, temos mais volatilidade, mas mais dirigida pelo contexto externo do que pela alta polarização interna. A polarização interna era mais previsível. Não é algo que saiu da curva. O que não era previsível é tudo o que está acontecendo fora: a guerra entre Ucrânia e Rússia, a nova onda de covid-19 chinesa, a falta de semicondutores. Tudo isso gera um nível de volatilidade dirigido pelo contexto global até mais impactante para a indústria.

No governo Collor, quando houve a abertura da economia, o presidente dizia que os carros brasileiros eram carroças. Os carros brasileiros ainda são carroças comparados ao mundo?

Não temos carroças. Temos as mesmas plataformas. Por exemplo, os modelos Jeep são iguais em todos os cantos. Mas se compararmos um modelo Fiat daqui com um modelo Fiat italiano, a casca é bem diferente, eu concordo. Até o tamanho e tudo. Mas as plataformas são as mesmas, ou muito parecidas. Os componentes elétricos e eletrônicos, também. A motorização é ainda a mesma. Há alguns anos, os componentes tecnológicos dos carros são muito comuns entre os países. Já os opcionais dependem muito do mercado. Por exemplo, a eficiência do ar condicionado no Brasil é muito mais alta do que no resto do mundo, porque o consumidor brasileiro é muito atento a esse aspecto do conforto dentro do habitáculo. O mercado aqui exige suspensões mais sofisticadas.

Qual é o carro mais vendido no Brasil da marca?

De todos, a picape Fiat Strada. É o modelo mais vendido em toda a América do Sul. Até a Europa quer.

E é possível vender para os europeus?

Não. Devido às regulamentações. Seria possível, investindo algumas centenas de milhares de euros, o que tornaria inviável o business case.

Por quê? Qual é o problema da regulamentação?

Tem uma série de requisitos homologatórios que devem ser atendidos. A Europa, por exemplo, precisa de eletrificação, então, seria preciso investir em uma versão eletrificada. E tudo isso custa algumas centenas de milhões de euros. Então, eles querem, mas, quando fazem o business case, é inviável.

O acordo UE-Mercosul ajudaria isso?

Esse acordo é uma premissa para que, depois, se decida investir essas centenas de milhões de euros e se amplie o mercado, por consequência. Qualquer abertura é boa. A história demonstra que a abertura gera a ampliação de mercado e melhora as condições de desenvolvimento. Agora, o Brasil tem que resolver o problema da competitividade. Porque, uma vez que se abre e não é competitivo, o país fica inundado de produtos importados, como ocorre no Chile, que não tem indústria. Tem apenas mineração de cobre e pesca, porque a decisão foi de se abrir totalmente, sem gerar competitividade interna.

O Brasil ainda tem a tradição da indústria muito forte e diversificada, apesar do processo de encolhimento visto nos últimos anos. E o custo aqui dos carros ainda é muito elevado do que lá fora…

É preciso tirar a carga tributária. Se o Brasil aplica 40% de carga tributária e a Europa e os Estados Unidos aplicam 15%, você tem 25 pontos percentuais sobre os quais não se pode fazer nada. Mas, tirando a carga tributária, o custo que sai das fábricas não é incomparável. Os dois gaps principais são carga tributária e infraestrutura.

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