escândalo do mec

MPF vê interferência de Bolsonaro no caso

Em grampo feito pela PF, o ex-ministro Milton Ribeiro diz ter sido alertado pelo presidente sobre a possibilidade de ser alvo de operação de busca. Para Ministério Público, há suspeita de violação de sigilo funcional e favorecimento pessoal. Inquérito é encaminhado ao STF

Conversas gravadas pela Polícia Federal levantam suspeita de interferência do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Operação Acesso Pago, que apura suposto esquema de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Educação.

Alvo da investigação, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro disse, dias antes de ser preso, que foi alertado por Bolsonaro sobre a possibilidade de a PF fazer buscas e apreensões contra ele. A declaração foi dada numa ligação para a filha, grampeada pela corporação.

O Ministério Público Federal (MPF) afirmou ver indícios de comportamento ilícito do chefe do Executivo e pediu à Justiça Federal que encaminhe o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), já que o presidente tem foro privilegiado.

Para o MPF, há suspeita da prática dos crimes de violação de sigilo funcional e favorecimento pessoal. "Indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, nas investigações", diz o documento assinado pelo procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.

A ligação entre Milton Ribeiro e a filha é de 9 de junho. Nesse mesmo dia, Bolsonaro desembarcou em Los Angeles, nos Estados Unidos, para participar da Cúpula das Américas.

"Hoje, o presidente me ligou... ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?", disse Ribeiro à filha. "Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né", acrescentou.

Ribeiro foi preso pela PF na última quarta-feira, assim como outros envolvidos na investigação, como os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Os agentes também cumpriram uma série de mandados de busca e apreensão.

No dia das detenções, a PF interceptou outra ligação, desta vez, da mulher do ex-ministro, Myrian Ribeiro, que também levanta suspeitas de que o ex-integrante do governo tinha sido avisado sobre a operação. "Ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Eu falei: 'Pra ter rumores do alto é porque o negócio já estava certo'", contou ela a um homem identificado como Edu.

O ex-ministro e os religiosos foram soltos no dia seguinte, por determinação do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

Ao Correio, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, alegou inocência do cliente. "Jamais, nunca interferiu na Polícia Federal. Nem nessa investigação nem em qualquer outra. O que estamos dizendo nada mais é do que a repetição do mesmo modus operandi criminoso que fizeram na época do ex-ministro Sergio Moro, quando também o acusaram de interferir", defendeu.

Wassef ainda criticou o vazamento dos autos do processo. "Houve a prática de graves crimes por funcionários, autoridades públicas, aqui de Brasília, que, criminosamente, estão vazando a conta-gotas o referido material de um inquérito que tramita em segredo de Justiça", acrescentou.

Foro privilegiado

A defesa de Ribeiro também se manifestou. O advogado Daniel Bialski argumentou que o áudio foi captado enquanto o cliente tinha foro privilegiado. "Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial, e, consequentemente, decretar a prisão preventiva", disse, em nota à imprensa. Ribeiro, no entanto, deixou o MEC em 28 de março, logo, não tinha mais direito a foro especial na data do grampo.

Bialski destacou, ainda, que o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, que determinou a prisão de Ribeiro, age com viés ideológico. "Todavia, se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade, o que precisará, também, ser objeto de acurada análise."

A desconfiança sobre interferência na investigação foi levantada pelo delegado federal Bruno Calandrini, que comandou a operação. Segundo ele, a corporação teria dado tratamento diferenciado ao aliado de Bolsonaro durante a prisão, pois o ex-ministro não foi levado de Santos (SP) para Brasília por conta de uma decisão superior. "A investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem (quarta-feira) em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro", afirma o delegado, em mensagem para colegas. "O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em São Paulo é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial desse caso com independência e segurança institucional", acrescentou.

Oposição

A oposição também reagiu ao episódio. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que vai encaminhar ao STF um pedido de abertura de inquérito contra Bolsonaro por violação de sigilo e obstrução de Justiça. "Bolsonaro não esculhambará a Polícia Federal e as leis impunemente", escreveu o parlamentar nas redes sociais.