Atento aos cenários extremos decorrentes da polarização política no país, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin disse que o Brasil pode viver uma onda de violência ainda mais grave do que a que atingiu a capital dos Estados Unidos, que culminou na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro do ano passado, após a confirmação da vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais daquele país.
"O que se tem dito no Brasil é sobre a ocorrência de um episódio ainda mais agravado do que 6 de janeiro daqui (dos EUA)", disse o magistrado em palestra no Wilson Center — organizada pelo Brazil Institute, de Washington —, que teve como tema as eleições de outubro. Fachin é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e deve passar o cargo para o ministro Alexandre de Moraes no dia 16 de agosto.
Segundo o magistrado, os tribunais estão preparados para reagir diante de cenários extremos. "O Judiciário brasileiro não vai se vergar a quem quer que seja", declarou. Para enfrentar radicalismos, ele declarou que a sociedade "precisa armar-se do seu voto, da consciência política, da solidariedade, do sentimento de justiça, da coexistencialidade".
O magistrado também defendeu que o Congresso Nacional adote uma "posição firme" em relação às ameaças à democracia. "Cada uma das instituições brasileiras precisa cumprir o seu papel nos limites que a Constituição atribui", sentenciou.
As declarações de Fachin nos Estados Unidos provocaram reação do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em transmissão ao vivo nas redes sociais, o chefe do Executivo acusou o presidente do TSE de atuar com viés ideológico e aproveitou para alfinetar seu principal adversário no pleito de outubro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Não entendo o que o Fachin vai fazer fora do Brasil dizendo que podemos ter um 6 de janeiro ainda pior. Se ele fala isso, é (porque) ele tem a certeza que o candidato dele, que ele tirou da cadeia, o Lula, vai ganhar. Ele tem certeza. Como ele tem essa certeza, se tem muita água pela frente ainda?", disparou o presidente.
Bolsonaro disse ainda que "ninguém quer invadir nada", e que é necessário "saber o que fazer antes das eleições". E revelou que pretende marcar uma conversa com todos os embaixadores do Brasil para insistir, sem provas, na tese de que houve fraude nas eleições de 2014, 2018 e 2020.
A legislação brasileira prevê mecanismos que podem ser usados em casos de cenários extremos. Segundo o advogado constitucionalista Ovídio Inácio Ferreira Neto, a solução está na prevenção e no mapeamento. "Sugiro a criação de amplos observatórios pela sociedade civil organizada, deixando à disposição (dos eleitores) inúmeras ferramentas e canais para denúncia de discursos e atos antidemocráticos, neutralizando a disseminação de tal conduta, assim como inibindo a ocorrência de episódios trágicos como o que assistimos no Capitólio, em 2021", recomendou o jurista.
Forças Armadas
No mesmo evento, o ministro Fachin disse que as Forças Armadas são bem-vindas para colaborar nas eleições de outubro, mas que não devem interferir no processo de apuração dos votos. "Por razões do campo da política, haja quem queira transformar essa participação (das Forças Armadas) numa participação que, em vez de ser colaborativa, seja praticamente interventiva. E, evidentemente, este tipo de circunstância nós não só não aceitamos como não aceitaremos", alertou. E reiterou que o trabalho de coordenação do processo eleitoral é da Justiça."Quem coordena as atividades eleitorais é a autoridade civil do Poder Judiciário Eleitoral. Ninguém mais. Diálogo, sim e sempre. Mais do que isso significaria submeter a autoridade civil a qualquer tipo de outra autoridade."
O tema também chamou atenção do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa. Por meio das redes sociais, o juiz aposentado disse que as Forças Armadas "devem ficar quietinhas em seu canto". Para ele, os militares têm uma atitude de "vassalagem" em relação ao presidente Jair Bolsonaro.
Barbosa fez os apontamentos ao responder uma postagem do ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira. O general disse em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara que não tem questionado o funcionamento das urnas eletrônicas, mas que "nenhum sistema informatizado é totalmente inviolável", ecoando as suspeitas levantadas sistematicamente por Bolsonaro.
"Ora, general, as Forças Armadas devem permanecer quietinhas em seu canto, pois não há espaço para elas na direção do processo eleitoral brasileiro. Ponto", rebateu Joaquim Barbosa na postagem.
Para ele, as Forças Armadas pressionam a Justiça Eleitoral. "Insistir nessa agenda de pressão desabrida e cínica sobre a Justiça Eleitoral, em clara atitude de vassalagem em relação a Bolsonaro, que é candidato à reeleição, é sinalizar ao mundo que o Brasil caminha paulatinamente para um golpe de Estado. Pense nisso, general."
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