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Correio Braziliense
postado em 17/07/2022 00:01

Lisboa — Sempre que quer visitar um amigo, Filipa Gávea, 33 anos, analista de tecnologia, precisa se deslocar para fora de Lisboa. Nenhuma das pessoas mais próximas a ela, com quem costuma dividir confidências, alegrias e tristezas, está por perto por causa de uma realidade cada vez mais presente entre os portugueses: morar nos centros urbanos, nas capitais, ficou caro demais. Comprar ou alugar um imóvel nessas regiões é quase impossível para muita gente. Filipa não tem dúvidas: os portugueses estão sendo expulsos dos lugares em que nasceram.

Na capital do país, Lisboa, por exemplo, o preço médio de um imóvel está em 490 mil euros (R$ 2,8 milhões). O problema é que a renda média anual das famílias que vivem na cidade é de 28.575 euros (R$ 163 mil). Esse rendimento representa pouco mais da metade do quanto os lisboetas teriam que ganhar por ano, 52.318 euros (R$ 298,5 mil), para acessar um financiamento imobiliário. "É uma diferença enorme, por isso, tanta gente está indo morar nas cidades da periferia de Lisboa ou mesmo em localidades do interior do país, onde ainda é possível ter uma moradia digna", diz a consultora de imóveis Lília Emediato Freire.

A situação é tão preocupante que, das 20 capitais de distritos portugueses, correspondentes aos estados brasileiros, em metade, a renda média anual é insuficiente para que as famílias se candidatem a um crédito para a compra da casa própria. Além de Lisboa, encaixam-se nesse quadro: Funchal, Viseu, Faro, Ponta Delgada, Braga, Porto, Coimbra, Aveiro e Leiria. "Infelizmente, esse é um processo irreversível e que tende a se espalhar por outras regiões", afirma José Xavier, sócio-gerente da Cascais Mediação Imobiliária. "Em Cascais, uma das áreas em que atuo, 70% dos moradores são estrangeiros. No Algarves, não é diferente", frisa.

Xavier nota que os preços dos imóveis já vinham em alta há alguns anos, mas os valores dispararam depois da pandemia. "Para os portugueses, é muito complicado. Não se pode esquecer que 80% deles ganham, em média, 1.200 euros por mês (R$ 7 mil) para viver. O salário mínimo, hoje, no país é de 705 euros (pouco mais de R$ 4 mil), um dos menores da Europa. Não há como encaixar as prestações de um imóvel nesse rendimento", ressalta.

Peso dos brasileiros

Muito da disparada dos preços dos imóveis em Portugal tem a ver com a chegada de estrangeiros ao país, sobretudo, de brasileiros. Em Cascais, no Algarves e em Lisboa, o maior fluxo foi de endinheirados que viviam em Miami, nos Estados Unidos. Segundo Lília, portugueses que haviam herdado imóveis de familiares aproveitaram para vendê-los a preços elevados e comprar casas mais baratas no interior do país. "Teve gente que vendeu imóvel em Cascais por 500 mil euros (R$ 2,9 milhões) e comprou boas residências por menos da metade disso em municípios menores", acrescenta.

José Xavier lembra que os valores dos imóveis em capitais e em áreas litorâneas foram inflacionados pelos incentivos dados pelo governo para atrair estrangeiros e, assim, movimentar a economia local. Com o Visa Gold, quem comprasse casas e apartamentos acima de 500 mil euros poderia fixar residência no país. Houve uma explosão de aquisições, inclusive por parte de investidores que estavam mais preocupados em lucrar com a alta dos preços no mercado imobiliário. Ciente disso, o governo restringiu os benefícios do Visa Gold a regiões menos habitadas e menos desenvolvidas.

"O que vimos foi a lei da oferta e da procura prevalecendo", enfatiza a consultora de imóveis Cristina Gamboa. "Hoje, vemos escassez de imóveis em várias localidades. Por isso, não dá para esperar uma redução de preços. Pelo contrário, a tendência é de alta", acredita. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam que, no primeiro trimestre do ano, os imóveis em Portugal tiveram valorização média de 17,2% ante o mesmo período do ano passado e de 7,3% na comparação com os três meses imediatamente anteriores. A alta foi generalizada.

Para Sandra Utsumi, diretora executiva do Banco Haitong, está ocorrendo em Portugal o que se viu há algum tempo na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, em que várias cidades receberam estrangeiros e os preços dos imóveis ficaram impraticáveis. "Em Lisboa, por exemplo, a especulação, puxada por fundos imobiliários, está exagerada", reconhece. Ela diz que quem tem imóveis na capital portuguesa e em outras capitais não vende porque teme não conseguir comprar outro, tamanha a velocidade dos reajustes.

Jovens sofrem

Filipa Gávea reconhece que o governo português tem agido para minimizar os efeitos da carestia dos imóveis, especialmente entre os mais jovens. Ela lembra que, anos atrás, quando decidiu viver com o atual marido, Bruno Martins, 37, deixou a casa dos pais em Lisboa para morar numa cidade menor, São Marcos, onde foi estudar. Mas só conseguiu alugar um imóvel por meio de um programa social, em que o Estado banca 50% das despesas com moradia no primeiro ano, 35% no segundo, e 25%, no terceiro. "Se fosse em Lisboa, mesmo com a ajuda do governo, a minha renda não seria suficiente para o aluguel", assinala.

A analista de tecnologia conta que, às vezes, encarar o trânsito pode até ser mais vantajoso. "Tenho um casal de amigos que trabalha em Lisboa, mas mora em Cadaval, a uma hora e meia da capital. Os dois vêm de carro todos os dias, pois, mesmo com os gastos com combustíveis, que estão mais caros, fica mais barato do que viver em Lisboa", relata.

"Esse é o caminho: cada um tem que fazer as contas e ver onde o custo-benefício é melhor", aconselha Cristina Gamboa. "Às vezes, os gastos com transportes são tão elevados, que compensa comprar um imóvel na capital e pagar as prestações bancárias, em várias situações, menores do que aluguéis", acrescenta. Ela destaca que os cidadãos que se deslocam todos os dias de transporte público podem recorrer a um passe social oferecido pelo governo, ao custo de 40 euros mensais (R$ 230).

Pelo menos entre os mais jovens, a torcida é para que esse movimento de expulsão dos portugueses para as periferias e o interior do país seja amenizado com a decisão do Estado de revitalizar áreas degradadas e imóveis abandonados — o que não falta em Portugal. A meta é criar moradias a preços mais acessíveis para esse público, que já está desolado com os baixos salários pagos no país. Muitos deles, logo que se formam, se mudam para países onde a remuneração é maior. Esse programa habitacional é visto como uma forma de reter talentos numa nação tão carente de mão de obra e que precisa reverter a diminuição populacional.

Salários e juros

A analista de marketing Carina Viegas, 33 anos, vê nos salários baixos o maior problema para os portugueses que sonham com a casa própria. Os rendimentos não são corrigidos pela inflação, que está altíssima (bateu em 8,7% nos 12 meses terminados em junho). Quem trabalha para o governo, como é o caso dela, e para pequenas e médias empresas — 90% dos negócios em Portugal —, não está tendo os salários corrigidos, apenas os que estão empregados em grandes companhias e multinacionais conseguem manter os ganhos atualizados, criando ainda mais distorções no mercado.

"Estou morando em Faro, no Algarves. Na cidade, o salário mínimo de 705 euros não paga um aluguel de um apartamento de dois quartos, muito menos permite a alguém ter acesso a um financiamento bancário, pois é preciso dar, no mínimo, 10% de entrada do valor do imóvel e arcar com juros em alta", destaca Carina.

Para João Monteiro, consultor imobiliário, a onda de preços altos vai perdurar por, pelo menos, mais três anos, quando ele espera que a oferta de casas e apartamentos volte a crescer. "O mercado é cíclico. Neste momento, infelizmente, há escassez de imóveis. Mas as construtoras estão investindo para ampliar a oferta com futuros lançamentos", afirma. Ele ressalta também que há uma limitação para a alta de juros no mercado. "Tivemos um período de dinheiro muito barato. Agora, estamos voltando à normalidade. Mas não vejo um aumento expressivo, pois juros muito elevados atrapalham todo tipo de negócios, sobretudo o imobiliário", explica. Enquanto a oferta de casas não cresce, os portugueses vão se virando como podem. "É o que nos resta", define, desolada, Filipa Gávea.

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