Não é à toa que a farra com o Orçamento da União que move o Centrão na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro está programada para acabar em 31 de dezembro, inclusive o Auxílio Brasil e os subsídios para caminhoneiros e taxistas. São apostas para turbinar a sua campanha de reeleição, não são políticas estruturantes de combate à miséria, à fome e ao desemprego. O projeto de Bolsonaro deve ser anunciado na próxima semana, foi coordenado pelo general Braga Netto, que hoje será indicado candidato a vice. Não é um programa de governo, é um projeto de regime iliberal. Entretanto, ambos estão convencidos de que as eleições serão fraudadas para garantir a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
"Na lei ou na marra" era a palavra de ordem das Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, que reivindicavam a reforma agrária. Essa foi uma das causas do isolamento do governo de João Goulart, que anunciou, no famoso comício de 13 de maio, que ia decretar as reformas de base à revelia do Congresso. O resto da história todos sabem. Quanto ironia, agora, com sinal trocado, Bolsonaro passa a impressão de que pretende continuar no poder na marra, ao atacar as urnas eletrônicas e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin, atual presidente, e Alexandre de Moraes, que o substituirá no momento da eleição.
Há uma esquizofrenia na campanha de Bolsonaro à reeleição, cuja candidatura será homologada hoje, numa grande convenção do PL, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. O núcleo político da campanha — formado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira; o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; e o presidente da Câmara, Arthur Lira, — aposta todas as fichas no impacto da PEC das Eleições na vida das famílias de baixa renda, que ainda têm saudades do governo Lula, e na eficácia das emendas secretas do Orçamento da União, em manter e turbinar eleitoralmente as bases governistas, principalmente no Nordeste. Acreditam que a diferença entre Bolsonaro e Lula deve cair para cinco pontos percentuais até 16 de agosto, quando começa a propaganda de televisão e rádio.
Entretanto, o monitoramento do humor dos eleitores mostra que Bolsonaro dá um tiro no pé quando ataca a urna eletrônica e os ministros do Supremo, passa a ideia de que vai perder a eleição e não aceitará o resultado. Quem comanda a campanha é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ladeado pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, que voltou a ser um interlocutor privilegiado de Bolsonaro. São responsáveis pelo discurso maniqueísta do bem contra o mal. "Bolsonaro, pelo bem do Brasil" é o slogan de campanha, para suavizar o discurso do ódio contra Lula e o PT. A narrativa também se apoia nas bandeiras da liberdade individual absoluta, principalmente dos mais fortes, e na fé cristã, que mira as mulheres.
Onde mora o perigo
A estratégia é manter a polarização com Lula, explorar seus pontos fracos e trazer de volta para Bolsonaro os antipetistas que garantiram sua eleição em 2018. Na geopolítica da campanha, a batalha será decidida no Triângulo das Bermudas — São Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais — e no Nordeste, onde a vantagem de Lula ainda é avassaladora. O marqueteiro Duda Lima, indicado por Valdemar Costa Neto, é um velho adversário do PT nas eleições paulistas.
Bolsonaro, porém, tem sua própria narrativa e está convencido de que venceu as eleições passadas no primeiro turno, mas foi garfado. Desconfia da idoneidade dos ministros do TSE e intensifica seus ataques à Corte, que também são fomentados por seu novo vice, o general Braga Netto. O silêncio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), endossa os ataques. As queixas do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que teria "usurpado" os poderes do Executivo e do Legislativo, também pilham Bolsonaro. É uma narrativa política perigosa, porque pressupõe um novo projeto institucional, de fortalecimento do Executivo e subordinação dos demais Poderes, com Bolsonaro tendo superpoderes. É aí que entra a ideia de um regime iliberal, cuja chave seria uma reforma que aumentasse o número de ministros do STF, para que Bolsonaro indique a maioria e controle a Corte, no embalo da reeleição.
Mas não há uma via única. Ontem, o ex-embaixador norte- americano no Brasil Thomas Shannon, em entrevista à Folha de S. Paulo, nos advertiu de que Bolsonaro e sua equipe preparam o caminho para questionar o resultado das eleições e reverter eventual derrota no pleito. Segundo ele, Bolsonaro "estudou atentamente os eventos de 6 de janeiro do ano passado", quando o ex-presidente Donald Trump tentou impedir que Joe Biden fosse declarado vitorioso pelo Congresso norte-americano. E chegou à conclusão de que "Trump fracassou porque dependia de uma multidão pouco disciplinada e não tinha um apoio institucional - de lideranças partidárias, Forças Armadas". Segundo ele, "Bolsonaro e sua equipe avaliaram que, na hipótese de tentar algo parecido, precisariam de apoio institucional". É recado de quem falou "de mando" e tem informações de inteligência.
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