Familiares e amigos de Marcelo Arruda, guarda municipal e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) assassinado por um bolsonarista em 9 de julho durante a própria festa de aniversário, realizaram um ato na Praça da Paz, em Foz do Iguaçu (PR). Lideranças políticas, representantes religiosos, indígenas e familiares homenagearam o dirigente petista, pedindo por mais paz e menos violência no contexto político.
A manifestação ocorreu logo após a declaração da vigilante Daniele Lima dos Santos, que revelou que o assassino, o policial penal federal Jorge Guaranho, fez menção ao presidente Jair Bolsonaro (PL) pouco antes de atirar contra Marcelo. "Eu só ouvi ele nitidamente gritando 'Aqui é Bolsonaro, porra!'. Aí, dentro de dois minutos começou o tiroteio", contou a testemunha. A mulher trabalhava no clube em que o assassinato de Arruda ocorreu, durante a festa de comemoração dos 50 anos do petista — cujo tema era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na sexta-feira, a Polícia Civil do Paraná anunciou a conclusão do inquérito, apontando que não houve motivação política no crime e o assassino, o policial penal federal Jorge Guaranho, foi indiciado por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e causar perigo comum. "A polícia se nega a dizer que foi situação de intolerância política, e tenta transformar o caso em situação de briga comum. Mas o Ministério Público tem autonomia para dizer que foi um caso de intolerância política", declarou o advogado da família, Ian Vargas, durante o ato.
Luiz Donizete Arruda, irmão de Marcelo, que conversou com Bolsonaro por telefone após o crime, discordou da conclusão da polícia e disse que não tem dúvidas de que o homicídio do irmão foi "um ato político". Mesmo não sendo simpatizante do PT, ele afirmou que barrar a escalada de violência é importante para que outras famílias não sofram perdas. "A gente tem que ter um Brasil único, de brasileiros, que queiram viver em paz", disse Arruda.
Luiz Donizete acrescentou: "Não é proibido ter posição política. Proibido e inaceitável é agressão ao ser humano. Não é porque ele tinha um lado político diferente do meu, que o amor de família tem que ser diferente. Infelizmente, foi um ato político, ele (assassino) só teve a reação porque viu um movimento diferente do dele. Precisamos condenar, para que a gente não tenha outros Marcelos por aí".
A viúva de Marcelo, Pâmela Silva, lembrou o heroísmo do companheiro, que, segundo ela, deu sua vida para defender a família e os amigos que celebravam seu aniversário. "Marcelo lutou e defendeu quem estava ali. Mas isso foi só uma parte do que ele fazia: diariamente ele fazia isso", disse.
Leonardo Arruda, um dos filhos do casal, pediu que todos continuem a lutar por um país mais justo. "É o que meu pai defendia: liberdade de expressão, igualdade entre as pessoas, seja qual gênero, opção sexual, religião e agora, principalmente, seja qual sua opção política", lembrou. "É inadmissível que uma pessoa mate por intolerância política, é inadmissível que a gente deixe isso tomar conta das nossas famílias."
O evento contou com apresentação musical de povos originários, ato ecumênico e falas de organizações locais de segurança, como o Movimento de Policiais Antifascismo. Outras lideranças políticas locais e familiares também lembraram da trajetória de Marcelo. No fim do ato, balões brancos com sementes de árvores foram soltos no céu.
A Polícia Civil do Paraná divulgou uma nota após a manifestação, em que diz que o indiciamento é "o mais severo capaz de ser aplicado ao caso" e voltou a afirmar que "não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, portanto isto é inaplicável". O comunicado também diz que não há previsão legal para o enquadramento por 'crime político', visto que a antiga Lei de Segurança Nacional foi revogada pela nova Lei de Crimes.
Depoimento
O depoimento da vigilante Daniele Lima dos Santos, em que ela confirma que o policial gritou o nome de Bolsonaro antes de atirar, não foi citado na conclusão do relatório final da investigação. A vigilante contou que o policial saiu "cantando pneu" e disse ter ouvido ele falar o nome do presidente para a mulher dele. "Ele estava com o vidro aberto, porque vi que ele estava com a mulher e uma criança. A mulher dele parecia assustada, mas achei normal, talvez ela não tenha gostado do lugar", disse à polícia. Cerca de 20 minutos depois, ela viu o carro voltar ao local, em alta velocidade.
Daniele, que fazia a ronda de moto, viu no retrovisor que o veículo não iria desviar dela. "Falei 'de novo?', achei estranho, pensei que ele queria me intimidar, porque da primeira vez ele saiu do local cantando pneu. Mas pensei que era coisa da minha cabeça. Mas dessa segunda vez ele veio pra cima. Eu joguei a moto para o lado. Ou eu jogava a moto ou ele passava por cima", relatou. O episódio ocorreu na estrada que levava até o clube.
Assustada, ela informou ao colega com quem dividia o turno que "um cara tentou me matar" e os dois foram procurar o homem. Foi o momento em que ela ouviu o grito 'Aqui é Bolsonaro' e os disparos. Quando ela e o parceiro de trabalho chegaram ao local, o tiroteio já havia começado "a cerca de um minuto". Era por volta das 23h54. "Procurei achar apoio, ligar para polícia", disse. Daniele confirmou, também, que ela era a autora de um áudio que viralizou em grupos no qual ela afirmava "um cara no carro quase me atropelou gritando Bolsonaro". Ela disse que enviou a mensagem para o patrão, antes dos disparos.