O PT só conseguiu vencer a eleição presidencial em São Paulo — Estado com maior número de eleitores — uma única vez, em 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu sua primeira disputa para comandar o país.
Nas três eleições seguintes, o partido conquistou a Presidência da República, mas não levou a maioria do voto paulista — resultado que foi possível graças ao bom desempenho petista em outros locais populosos, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e a região Nordeste.
Pesquisas eleitorais do início do ano vinham indicando a possibilidade do feito de 2002 se repetir agora — e uma possível vitória em São Paulo colocava o petista com chances de ser eleito presidente já no primeiro turno.
Um novo levantamento, porém, mostra que a disputa com o presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo voto paulista ficou acirrada, cenário que ameaça o favoritismo de Lula na disputa nacional, na avaliação de analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.
Segundo a mais recente pesquisa da consultoria Quaest, divulgada na última semana, os 34,6 milhões de eleitores paulistas (22% do eleitorado brasileiro) estão bem divididos entre os dois líderes das pesquisas: o petista tem 37% das intenções de voto, contra 35% do presidente. Como a margem de erro da pesquisa é de 2,4 pontos percentuais, ambos estão tecnicamente empatados.
Outros levantamentos da Quaest realizados ao longo do ano mostram que Bolsonaro vem subindo continuamente entre os eleitores paulistas, o que anulou a ampla vantagem que Lula tinha. Na pesquisa de março, o petista aparecia com 39% das intenções de voto, contra apenas 25% do atual presidente.
Bolsonaro também tem melhorado seu desempenho em outras regiões do país, mas Lula se mantém à frente na média nacional. Também segundo pesquisa de agosto da Quaest, o petista tem 44% das intenções de voto no Brasil, contra 32% do presidente.
O desempenho é puxado principalmente pela ampla vantagem no Nordeste, região que abriga 27% do eleitorado. Lá, o ex-presidente aparece com apoio de 61% dos eleitores, contra 20% que pretendem votar em Bolsonaro.
Lula também segue liderando em Minas Gerais, segundo estado com o maior número de eleitores (10,41%), mas a vantagem sobre Bolsonaro caiu.
Segundo a última pesquisa Quaest, o petista tem 42% das intenções de voto entre os mineiros, nove pontos percentuais a mais que Bolsonaro (33%). Em março, a diferença era de 25 pontos percentuais (46% contra 21%).
Para a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp), a mudança em São Paulo e Minas Gerais altera o quadro nacional da disputa.
"As pesquisas de alguns meses atrás tornavam a vida do presidente Bolsonaro muito difícil, porque mostravam o PT com uma vantagem significativa em dois colégios eleitorais muito grandes: São Paulo e Minas Gerais. Para compensar isso, o presidente Bolsonaro teria que ter um desempenho muito bom em uma parte muito grande do país, que necessariamente deveria incorporar o Nordeste, o que não estava acontecendo", nota ela.
"Então, quando o Bolsonaro diminui a diferença em Minas e em São Paulo está empatado (com Lula), isso passa a tornar possível ou crível uma chance de virada do presidente", acrescenta.
Ela ressalta, porém, que a vitória do PT em São Paulo não é determinante para vencer a eleição, se Lula conseguir manter sua vantagem em outros locais, como Nordeste, Minas e Rio de Janeiro. Mas é importante para o partido que uma eventual derrota no maior Estado não seja por margem larga.
"O objetivo do PT, ainda que ele não ganhe em São Paulo, é não perder de muito", ressalta.
Em 2002, quando o PT teve seu melhor desempenho, Lula recebeu 46% dos votos válidos paulistas no primeiro turno, e 55,4% no segundo, derrotando José Serra (PSDB).
Depois disso, o desempenho petista foi encolhendo a cada ano, a ponto de Fernando Haddad, candidato do PT à presidência em 2018, ter recebido apenas 16,4% dos votos válidos paulistas no primeiro turno. No segundo, ele recebeu 32%, contra 68% de Bolsonaro.
Será importante verificar se outros institutos confirmam a tendência captada nas últimas sondagens da Quaest. Na próxima semana, o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) deve divulgar pesquisas para o país e alguns Estados, incluindo São Paulo e Minas Gerais.
Nos próximos dias, sairão também levantamentos para Rio de Janeiro e Bahia da Quaest.
O que explica empate em São Paulo?
Para os cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, a recuperação mais forte de Bolsonaro em São Paulo reflete dois fatores: de um lado, o reavivamento do antipetismo no Estado, conforme esquenta a campanha eleitoral e, de outro, a melhora do humor de parte do eleitorado com o presidente devido às medidas econômicas adotadas pelo governo.
Além da redução recente do preço dos combustíveis, o Congresso aprovou em julho uma proposta do governo para aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, ampliar o vale para famílias pobres comprar gás, e novos benefícios para caminhoneiros autônomas e taxistas abastecerem seus veículos — os valores começaram a ser pagos nesta semana.
Isso só foi possível porque houve uma alteração da Constituição para driblar a Lei Eleitoral, que impedia a criação de benefícios sociais pouco antes do pleito.
"O governo está colocando muito dinheiro na economia às vésperas da eleição, o que é uma coisa extraordinária, porque a legislação proibia isso em anos anteriores. Então, a gente nunca tinha visto algo parecido", nota Lara Mesquisa.
O cientista político Rafael Cortez, da Consultoria Tendências, também destaca o "poder da caneta presidencial" nesse processo de recuperação de Bolsonaro.
"A candidatura à reeleição tem um atributo que nenhuma outra tem, que é apresentar ao eleitor benefícios concretos em anos eleitorais. As outras candidaturas tentam atrair o eleitor basicamente no discurso. E, como a gente viu, o governo não mediu esforços, inclusive alterando o texto constitucional para fazer benefícios associados ao calendário eleitoral", ressalta.
A pesquisa Quaest mostra que entre os eleitores paulistas com renda de até dois salários mínimos, a intenção de voto em Bolsonaro subiu de 21% em julho para 28% agora, enquanto a de Lula teve pequena oscilação, de 47% para 45%.
Já no segmento que ganha entre 2 e 5 salários mínimos, ambos variaram pouco e aparecem tecnicamente empatados, com Lula com 37% e Bolsonaro com 34%.
O presidente manteve a liderança entre os mais ricos, tendo subido para 41% em agosto, contra 32% de Lula, que ficou praticamente estável.
Além do fator econômico, Cortez também destaca o histórico antipetista da maioria do Estado, onde o eleitorado tem renda mais elevada e é tradicionalmente mais conservador, com destaque para o interior.
Desde a redemocratização, o PT venceu três vezes a eleição para governar a capital, mas nunca conquistou o governo estadual, comandado desde 1995 pelo PSDB, o que rendeu a São Paulo o apelido de Tucanistão.
"Historicamente, São Paulo não é um Estado de esquerda. São Paulo nunca apoiou (o presidente) Getúlio Vargas, por exemplo. Não (é uma tendência) só da Nova República", concorda Lara Mesquita.
Dessa vez, o PT tenta quebrar o ciclo tucano no Palácio dos Bandeirantes com Haddad, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o governo paulista. Por enquanto, o governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato à reeleição, e o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado por Bolsonaro, disputam quem deve enfrentar o petista no segundo turno.
Apesar de as sondagens eleitorais indicarem que hoje Haddad venceria os dois, Cortez prevê uma disputa difícil para o PT.
"Um (Tarcísio de Freitas) se alimenta muito fortemente do antipetismo, e o outro (o governador Rodrigo Garcia) tem o atributo de manter suas articulações com os prefeitos (que podem buscar votos em suas cidades)", afirma.
Qual o peso da aliança com Alckmin?
Governador de São Paulo pelo PSDB por mais de 12 anos, Geraldo Alckmin surpreendeu ao ingressar no PSB para ser candidato a vice na chapa de Lula nesta eleição.
Os analistas entrevistados, porém, veem com ceticismo a possibilidade desse apoio se reverter em muitos votos para o petista em São Paulo.
Eles lembram que Alckmin teve desempenho fraco entre os paulistas quando foi candidato a presidente em 2018 e ressaltam também que, fora do comando do Estado, ele deixa de ter o poder da máquina estadual para articular apoio político com os prefeitos.
"A minha interpretação é que o potencial do Alckmin na campanha é muito mais de sinalização para formadores de opinião, para o mercados financeiros e para uma determinada elite política do que exatamente pro eleitorado", diz Mesquita.
"Não existe uma relação de afeto ou de carisma tão grande com o Alckmin que pudesse mitigar a rejeição ao Lula ou o apreço ao presidente Bolsonaro", acrescenta.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62528191
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