ENTREVISTA // Mário Goulart Maia

Projeto Diálogos de Cidadania apresenta a Justiça a jovens carentes

Conselheiro do CNJ conta ao Correio sobre o projeto Diálogos de Cidadania, voltado para crianças e adolescentes carentes e que trabalha o papel da Justiça e os direitos básicos da população

Luana Patriolino
postado em 15/08/2022 05:57 / atualizado em 15/08/2022 06:00
 (crédito: Rômulo Serpa/Agência CNJ)
(crédito: Rômulo Serpa/Agência CNJ)

Uma pesquisa da consultoria Quaest revelou que a maioria dos brasileiros não sabe qual é a função dos tribunais superiores, como Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Diante de uma população que pouco ou nada entende sobre o papel do Judiciário e da Constituição brasileira, o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Mário Goulart Maia se viu motivado a criar o projeto Diálogos de Cidadania, junto à Comissão Permanente de Políticas Sociais e Desenvolvimento do Cidadão do tribunal.

O trabalho consiste em visitar escolas de regiões carentes do país para conversar com crianças e adolescentes sobre o papel da Justiça e direitos básicos da população. Ao Correio, Maia contou sobre a recepção dos jovens nas instituições de ensino e do apoio do Judiciário para continuar promovendo os encontros pelo Brasil. Confira a entrevista:

Como surgiu o projeto?

Pensei no que podia fazer de diferente no conselho. Essa ideia surgiu porque, primeiro, eu estava vendo muita intolerância entre as pessoas, falta de diálogo. A partir do momento que o jovem tem noção que pode resolver e que ele deve respeitar as diferenças, inclusive, que o ordenamento da nossa lei jurídica já estabelece isso: a igualdade entre as pessoas.

O que seria essa igualdade?

Senti essa necessidade de apresentar aos jovens que existe uma garantia tutelada no nosso ordenamento jurídico, não só nessa igualdade. O conceito de igualdade é muito abstrato. Ao mesmo tempo, muito abrangente. Temos a questão racial, indígena, LGBTQIA , por exemplo. Quando apresentamos a essas crianças e adolescentes a Constituição, eles ficam surpresos! Não sabem o que é. E é como Ulysses Guimarães batizou: a carta cidadã.

Qual é o perfil desses estudantes?

Eu costumo ir às escolas de periferia. Não que os alunos da classe média, da classe alta, também não precisem de noções de cidadania, mas as crianças dessas regiões carentes são ainda mais excluídas da sociedade. O projeto começou em setembro do ano passado, desde que tomei posse no CNJ. Desde então, já fomos em duas escolas da Bahia e, neste mês, em Boa Vista, Roraima. Nesta última, tivemos a participação de um desembargador da região que não conhecia o projeto, mas se interessou.

E como o trabalho é visto no conselho?

Faço parte de comissões voltadas para esta temática, que é de direitos sociais e tudo que envolve. Isso é bom porque aproxima a população do Judiciário e desmistifica. Algumas pessoas pensam que tudo se resolve no Supremo, ou no Legislativo, ou no Executivo. Mas existe a separação entre os Poderes e o projeto humaniza isso. O projeto nasceu de uma vontade minha, mas eu tenho um apoio total do ministro Luiz Fux, presidente do STF e CNJ. A partir do momento que eu vou em missão institucional e tem dado frutos, pois alguns membros do Judiciário comentam. Sai de vez em quando, saem notícias da iniciativa nas redes dos tribunais e as diretoras das escolas também pedem o nosso retorno.

Como é a dinâmica nas escolas?

Eu explico a questão da cidadania, do pertencimento, sobre a dignidade da pessoa humana. E, com essa questão, introduzo as garantias fundamentais, os direitos que a gente, como cidadão, tem, além dos direitos sociais: saúde, educação e outros. Faço um diálogo a partir dessa premissa. Tento explicar de forma bem simples, e eles interagem. Chamo para lerem a Constituição comigo e distribuo alguns exemplares.

Quais são os problemas que o CNJ detecta nesses lugares?

Tenho percebido essa questão da violência familiar, ligado ao alcoolismo, ao consumo de drogas. Eles sentem que se alguém souber disso, que se eles forem ouvidos, serão perseguidos. E eu digo que não. É justamente ao contrário, a lei está justamente para proteger. A recepção tem sido excelente.

O senhor esteve na fronteira da Venezuela este mês. Como as crianças têm sido tratadas lá?

Vi várias crianças desassistidas. Estive em Pacaraima, na fronteira. Visitei os refugiados. É uma situação de guerra porque você vê crianças desnutridas. O Brasil acolhendo essas crianças. Até o próprio Exército Brasileiro que montou toda a estrutura. Também me surpreendi porque tive uma visão mais humanista do Exército: vi um soldado trocando uma fralda de uma criança e pensei que aquilo era o Exército de verdade, um braço do Estado, que acolhe, vacina, cede o cartão do SUS com as vacinas, alimenta, dá abrigo. Quando essas crianças sentem essa proximidade, elas relatam coisas que se passam no cotidiano delas. Ou seja, humaniza e aproxima.

Qual é a principal lição desse projeto?

A tolerância e a noção de pertencimento, que só surge quando você tiver noção de cidadania, do que é ser cidadão, do seu papel, de que você tem direito, de que não está só. Isso é a base para se começar uma transformação. Eles têm que ter essa noção de que tem um órgão, de que existe uma lei que não pune, mas que protege.

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FRASES

"A partir do momento que o jovem tem noção que pode resolver e que ele deve respeitar as diferenças, inclusive, que o ordenamento da nossa lei jurídica já estabelece isso: a igualdade entre as pessoas"

Vi várias crianças desassistidas. Estive em Pacaraima, na fronteira. Visitei os refugiados. É uma situação de guerra porque você vê crianças desnutridas. O Brasil acolhendo essas crianças"

Senti essa necessidade de apresentar aos jovens que existe uma garantia tutelada no nosso ordenamento jurídico, não só nessa igualdade. O conceito de igualdade é muito abstrato. Ao mesmo tempo, muito abrangente"

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