POLÊMICA

'Rachadinha': o que aconteceu com caso que envolve filho de Bolsonaro

Flávio Bolsonaro foi denunciado em 2020 pelo MP do Rio de Janeiro sob acusação de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de ex-funcionários públicos em benefício próprio

BBC
BBC Geral
postado em 13/10/2022 09:02 / atualizado em 13/10/2022 09:02
O senador Flávio Bolsonaro com o pai, Jair Bolsonaro
Reuters
O senador Flávio Bolsonaro com o pai, Jair Bolsonaro, em Brasília; caso da 'rachadinha' tem sido lembrado durante disputa eleitoral

O que aconteceu com o caso da "rachadinha" que supostamente envolvia o hoje senador Flávio Bolsonaro no desvio de recursos públicos em seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro?

Essa história está entre as discussões que voltaram a ser levantadas durante a corrida eleitoral — e o caso da rachadinha foi citado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em debate contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A seguir, entenda o que foi a denúncia contra Flávio, o caminho desse processo até a anulação de provas e por que o caso foi arquivado sem uma análise do conteúdo das provas.

O que foi a denúncia contra Flávio Bolsonaro?

Em 2020, Flávio Bolsonaro — que é o filho mais velho do presidente — foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob acusação de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de ex-funcionários públicos em benefício próprio, o que configuraria a chamada rachadinha. E teria acontecido em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, onde foi deputado estadual de 2003 a 2019.

O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, que foi chefe de gabinete de Flávio, foi apontado como operador do esquema nessa denúncia.

As acusações foram por prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Outros 15 ex-assessores de Flávio também foram denunciados.

Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro negaram todas as acusações.

Antes da formalização da denúncia contra Flávio pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, o nome de Queiroz já tinha ganhado os holofotes. É que um relatório do antigo Coaf apontou movimentação financeira atípica de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, que envolviam depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia.

A quebra de sigilo fiscal de Queiroz e da esposa mostrou, ainda, que a hoje primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu depósitos que totalizam 89 mil reais de Fabrício Queiroz e da esposa dele, Marcia Aguiar, entre 2011 e 2016. Ao se explicar, Bolsonaro disse que o valor era a devolução de um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. No entanto, a abertura dos dados bancários do amigo do presidente não mostram o recebimento desse empréstimo, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso à quebra de sigilo.

Queiroz (à dir.) é ex-motorista e ex-segurança do hoje senador Flávio Bolsonaro
Reprodução/Instagram
O policial militar aposentado Fabrício Queiroz (direita), que foi chefe de gabinete de Flávio, foi apontado como operador do esquema nessa denúncia

O que aconteceu com a denúncia contra Flávio Bolsonaro?

O caso das rachadinhas foi arquivado pelo Tribunal de Justiça do Rio em maio deste ano. Na prática, não houve uma análise pela Justiça do conteúdo das provas usadas pelo Ministério Público para determinar se Flávio era culpado ou não. O que aconteceu foi que a Justiça considerou que o processo não deveria estar nas mãos do juiz que cuidava do caso, porque Flávio tem foro privilegiado, e também anulou provas.

Como isso aconteceu? A pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, o Superior Tribunal de Justiça anulou as decisões tomadas no caso pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que permitiram a quebra de sigilo bancário e fiscal do parlamentar e de pessoas relacionadas a ele. Isso porque considerou que a quebra de sigilo não foi devidamente fundamentada.

E, em novembro de 2021, o STF anulou relatórios feitos pelo Coaf que embasaram a investigação e as provas decorrentes dele, porque entendeu que o Coaf não pode produzir relatórios de inteligência financeira contra suspeito que ainda não foi incluído formalmente em procedimento investigatório.

"Existem elementos fortíssimos de que houve prática de delitos? Sim. Mas eles vão poder ser usados para condenar criminalmente essas pessoas? Não, porque eles foram obtidos por meio ilícito. E aí assim que se vive numa democracia. Às vezes acontece de você ter uma prova robusta de que alguém cometeu algum delito, mas não pode condená-la usando essa prova porque essa prova foi obtida ilegalmente", disse à BBC News Brasil o professor do doutorado em Direito Constitucional no IDP, Ademar Borges.

E o Supremo também manteve o foro privilegiado de Flávio Bolsonaro.

Mas por que houve a discussão sobre foro?

A investigação contra Flávio tramitou inicialmente na primeira instância judicial, seguindo o entendimento firmado pelo plenário do Supremo em 2018, que limitou o foro privilegiado apenas a investigações relacionadas ao exercício do atual mandato do parlamentar.

Embora a família Bolsonaro tenha no passado defendido o fim do foro privilegiado, a defesa de Flávio argumentou que ele não deixou de ter mandato político, já que passou de deputado estadual a senador. E, após recursos, ficou valendo o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de que, por ter emendado os mandatos de deputado estadual e de senador, Flávio Bolsonaro não deixou de ser parlamentar, justificando o foro privilegiado no tribunal estadual.

No momento em que isso foi decidido, o caso saiu das mãos do juiz da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro para a jurisdição do Órgão Especial do TJRJ, composto por 25 desembargadores, antes de ser arquivado.

Flávio Bolsonaro chamou a investigação de ilegal e disse que houve "perseguição promovida por alguns poucos membros do honrado Ministério Público do Rio de Janeiro para tentar atingir o Presidente Jair Bolsonaro".

Na prática, o arquivamento encerra o caso, mas não garante que o assunto não volte a tramitar, já que, em teoria, o Ministério Público pode reabrir as investigações.

Mas o professor Ademar Borges explica, em tese, isso só poderia ser feito usando provas independentes daquelas que foram anuladas.

"Você só pode reabrir o caso se a acusação é feita com prova absolutamente independente daquelas que foram declaradas ilícitas", explicou Borges.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63232593

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