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Caso Jefferson: Ajufe não vê "sentido" em ação do ministro da Justiça

Presidente da Ajufe, Nelson Alves classifica como "audácia" de um "condenado" os ataques de Roberto Jefferson aos agentes da PF que cumpriam a ordem judicial de prendê-lo

Roberto Fonseca
Mariana Albuquerque*
postado em 25/10/2022 03:55 / atualizado em 25/10/2022 13:53
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nelson Alves, sustentou que os fatos ocorridos no caso Roberto Jefferson "atentam contra a independência do Poder Judiciário". Ele também repudiou o ataque do ex-deputado à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF). "Acho que os fatos são gravíssimos, e as providências têm de ser tomadas para a devida apuração, o acompanhamento e a punição ao autor desses delitos, desses crimes", frisou, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.

Alves também criticou a presença do ministro da Justiça, Anderson Torres, na cena do crime. Ele destacou que os agentes da Polícia Federal foram prender Jefferson por decisão do Judiciário. "O Ministério da Justiça é do Poder Executivo. São Poderes diferentes. A princípio, não há nenhum sentido na participação do ministro da Justiça nesse episódio." Veja os principais trechos da entrevista.

Como a Ajufe avalia o que ocorreu no fim de semana no cumprimento da ordem judicial contra Roberto Jefferson?

A entidade vê com muita preocupação. Na verdade, desde sexta-feira, quando houve o ataque à ministra Cármen Lúcia, seguido pelos episódios de ontem (domingo), que são lamentáveis por si só. A Ajufe se manifestou repudiando essa situação, esses fatos ocorridos, que atentam, na verdade, contra a independência do Poder Judiciário, mas, mais do que isso, a segurança da população em não ter um Poder Judiciário respeitado. Acho que os fatos são gravíssimos, e as providências têm de ser tomadas para a devida apuração, o acompanhamento e a punição ao autor desses delitos, desses crimes.

Que análise faz deste momento que o país está vivendo? O que é preciso nesta reta final de eleições para que haja tranquilidade?

A necessidade é de serenidade. Não é possível que um cidadão que é réu em um processo criminal e que já foi condenado pela Justiça em outra ocasião possa ter a audácia e se sentir no direito de alvejar policiais, agentes que estavam no cumprimento da sua missão. Isso é totalmente fora de qualquer contexto minimamente aceitável. Estamos em um momento de procedimento eleitoral muito importante para o Brasil. São necessárias calma e serenidade para que a população vá até as urnas, as urnas eletrônicas confiáveis, e que deposite lá a sua intenção de voto com toda e a completa absoluta tranquilidade.

Como fiscalizar se um preso que tem medidas restritivas está com armas em casa?

O ideal é que houvesse efetivo policial para que essa fiscalização fosse feita com regularidade, mas nós sabemos que isso é muito difícil. Com o material humano que existe hoje nas forças policiais, é difícil acompanhar uma fiscalização com muita regularidade dos locais em que essas pessoas estão presas em domicílio. O ideal é que a própria pessoa tenha a sua consciência de saber que já recebeu o benefício da Justiça, de não estar dentro do estabelecimento prisional regular. Aquilo já é um benefício para ela. E se ela resolve não reconhecer esse benefício, a única medida é revogar essa prisão domiciliar.

Qual é a avaliação da Ajufe sobre a participação do ministro da Justiça, Anderson Torres, nesse episódio?

Vamos trazer aqui o plano geral. Ali, estavam diante de uma decisão judicial, uma decisão do Poder Judiciário. O Ministério da Justiça é do Poder Executivo. São Poderes diferentes. As decisões do Judiciário não passam por um crivo do Ministério da Justiça. São cumpridas diretamente, seja, às vezes, por oficiais de justiça, quando é o caso, seja pela polícia judiciária. No caso, agora, foi a Polícia Federal. É um trâmite direto. Poder Judiciário e polícia, ou Poder Judiciário e o seu respectivo oficial de justiça. Nesse caso, não havia, a meu ver e da Associação dos Juízes Federais do Brasil, a necessidade de intervenção do Ministério da Justiça, tanto que houve o recolhimento do cidadão independentemente da participação do ministro da Justiça. A princípio, não há nenhum sentido na participação do ministro da Justiça nesse episódio, a não ser, eventualmente, uma tentativa de apaziguar alguma coisa, mas acho que não foi o necessário para o caso.

Como vê essa questão das notícias falsas produzidas no processo eleitoral e como o Judiciário tem que se comportar?

Acho que, de primeiro plano, tem de haver uma diferenciação entre liberdade de expressão e "liberdade de agressão" e de postar conteúdos inverídicos. Esses dois últimos não são admitidos no nosso ordenamento. A pessoa pode se expressar, achar que determinada proposta do candidato A ou B é interessante, defendê-la. Agora, espalhar notícias falsas e discurso de ódio não é admissível no nosso ordenamento. Tenho ouvido muito também que a liberdade de expressão é um direito absoluto. Não, não é. Nenhum direito previsto na nossa Constituição é absoluto. Ele tem de estar em paz e em coordenação com os demais direitos fundamentais também previstos na Constituição. Isso é uma regra básica do direito. Espalhar notícias falsas, disseminar discurso de ódio, isso não é aceitável, isso não é minimamente aceitável, e o Poder Judiciário não compactua com isso. Daí esse número imenso de remoções de conteúdos dessa natureza, que, repito, nada tem a ver com liberdade de expressão. A liberdade de expressão tem sido assegurada pelo Poder Judiciário, inclusive pela Justiça Eleitoral.

Qual deve ser o comportamento do Judiciário no fortalecimento das instituições em um país tão dividido como o que deve sair da votação de domingo?

A divisão entre ideias é natural, salutar. Acho até ruim quando você tem apenas uma ideia difundida, sem qualquer tipo de contraponto, isso também não é bom. O debate de ideias é importante. Veja: um debate de ideias, não de conteúdos falsos, não de agressões. E o Brasil vai sair como deve: com tranquilidade e paz, independentemente de quem seja eleito. E se houver necessidade da intervenção do Poder Judiciário e dos demais Poderes para isso assegurar, será feito. Quem for eleito, tenho certeza de que assumirá o mandato sem qualquer tipo de percalço. A Justiça Eleitoral está aí desde sempre, coordenando o trabalho das eleições, com as urnas eletrônicas confiáveis desde 1996, quando foram implantadas sem qualquer tipo de vestígio, de irregularidade nenhuma.

A Ajufe acredita que seria necessário um novo pacto entre os Poderes?

Acho que os Poderes têm de conversar entre si, é o que diz o artigo segundo da Constituição. Os Poderes são independentes, mas harmônicos entre si. Uma harmonia pressupõe diálogo, interação, pressupõe que os Poderes dialoguem de uma forma fraternal, tranquila e com ideias. Acho que nossa Constituição já é bastante suficiente nesse aspecto, creio que qualquer tipo de alteração não se mostra necessária, apenas basta que os Poderes cumpram o mandamento constitucional de cada um no seu respectivo campo independente, mas conversando, ou seja, com harmonia. Acho que basta para que nosso país evolua.

Os ataques à ministra Cármen Lúcia, por Roberto Jefferson, foram ao mesmo tempo sexistas contra a magistratura. A harmonia não passa por aí, para voltar a defender a manutenção da paz social?

Com certeza. E essa é a função do Poder Judiciário: a manutenção da paz social. Por isso, a Ajufe emitiu uma nota condenando as falas. E diga-se que o autor das declarações não é membro de qualquer poder, ele é um cidadão comum, como outro qualquer. Hoje, é um cidadão, réu, que já foi condenado. É uma opinião dele, lamentável opinião, repugnante. A Ajufe abomina esse tipo de discurso, mas não é uma situação de conflito entre Poderes. E mesmo que houvesse esse conflito, o diálogo existiria. Tenho certeza disso, e a situação seria resolvida da melhor forma possível.

Chamou a atenção o tempo que a Polícia Federal levou para executar a ordem contra Roberto Jefferson: oito horas. O que poderia ter sido feito para terminar de forma diferente?

Acho que todo esse episódio é sui generis, porque você percebe uma premeditação e uma preparação para o ataque aos agentes policiais. O cidadão objeto do mandado de prisão já sabia que a polícia estava ali, isso está em todos os vídeos, e ele teve mais uma atitude criminosa contra esses policiais. Logicamente, o ideal é que não haja nenhum tipo de vítima fatal, ou mesmo vítimas, que, no caso, houve, os policiais baleados, mas acredito que, apesar da demora que houve, a situação acabou se resolvendo com prisão do réu. A gente espera que os policiais atingidos estejam bem, mas realmente é uma situação sui generis. Não se imagina que uma pessoa que já teve toda a vida pública, como esse cidadão, fosse chegar a esse nível tão rasteiro e tão baixo de um ataque a policiais.

E sobre a filmagem? Geralmente quem o faz é a força policial, e não o lado contrário.

Não é a praxe, mas é uma questão interna da Polícia Federal. Eles têm de avaliar se esse é um procedimento. O que importa é que a ordem do ministro Alexandre de Moraes foi cumprida, e isso é o papel do Poder Judiciário: emitir as ordens. As autoridades policiais cumprem, e a avaliação desse tempo para a efetiva prisão é uma questão interna da Polícia Federal. Acho que cabe a ela resolver.

*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa

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