LEGISLATIVO

Representatividade aumenta no Congresso, mas resultado ainda não é o ideal

Congresso teve 134 eleitos autodeclarados negros, entre pretos e pardos. Em 2018, foram 123. Apesar do aumento, números mostram que representatividade ainda não retrata a realidade brasileira

Thays Martins
Talita de Souza
postado em 25/10/2022 16:41 / atualizado em 23/02/2023 18:22
 (crédito:  Jonas Pereira/Agência Senado)
(crédito: Jonas Pereira/Agência Senado)

Das 513 vagas da Câmara dos Deputados, apenas 27 serão ocupadas por pessoas pretas em 2022. O número é maior do que o de 2018, porém, ainda está longe do ideal. Para que a quantidade de deputados pretos fosse representativa da sociedade, seria necessária a eleição de quase o dobro dos que conseguiram uma vaga na Casa no pleito de 2022. Se levarmos em conta o percentual de pessoas pretas no Brasil, 46 parlamentares dessa cor teriam que ser eleitos para representar os 9% dessa população. O resultado das eleições deste ano, no entanto, revela uma persistente falha histórica no Brasil: a falta de representatividade de pretos nas esferas de Poder. O cruzamento de dados foi realizado com auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google.

O mesmo problema também ocorre em relação aos estados. Das 27 unidades da Federação, apenas 14 elegeram um candidato preto — Acre, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e São Paulo. As outras 13 preferiram candidatos brancos ou pardos.

A situação ainda piora quando se olha por regiões. Nenhuma das quatro unidades federativas do Centro-Oeste elegeram candidatos pretos, mesmo a área tendo 8,7% da população que se autodeclara preta. O Nordeste, que tem o maior percentual de pretos do Brasil, só elegeu nove deputados dessa cor entre os 151 eleitos. O Sudeste foi o responsável por enviar mais representantes pretos ao Congresso: 12, entre os 179 eleitos.

Os três estados apontados com o maior índice de violência contra negros não elegeram nenhum candidato preto: Alagoas, Amapá e Sergipe. De acordo com o Atlas da Violência de 2019, em Alagoas, a proporção de homicídios entre negros e não negros é de 99% para o primeiro grupo. No Amapá, a proporção cai para 97% e em Sergipe, para 96%.

Além disso, segundo Thales Vieira, coordenador executivo do Observatório da Branquitude, ainda há outras questões neste Congresso eleito que poderá dificultar a formulação de políticas públicas para este grupo, que são pretos e pardos que se elegeram com pautas contrários ao movimento negro. "Existem alguns que não têm compromisso com a população negra, são eleitos a partir de uma agenda contrária. Temos vários exemplos famosos disso. Ainda temos um Congresso mais conservador, com muitas pautas contrárias ao movimento negro", diz.

Resultado de política de incentivo

O aumento de candidaturas e eleitos de pessoas negras pode ser um resultado de uma política de incentivo. Este ano, foi a primeira vez que a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão foi distribuída de forma proporcional ao total de candidatos negros de cada partido. A iniciativa teve como intuito exatamente incentivar as candidaturas de pessoas não brancas.

Outras iniciativas da sociedade civil também tentam mudar este cenário. Como é o caso do Quilombo nos Parlamentos, ação da Coalização Negra por Direitos, que apoiou a candidatura de 120 pessoas ligadas ao movimento negro, que concorreram a cargos no Congresso e nas Assembleias Legislativas. Desses, 26 foram eleitos. Oito para o Congresso. O resultado foi visto com positivismo pela iniciativa. "Tivemos vitórias importantes. Como a eleição de duas mulheres trans para o Congresso, sendo que uma delas é preta (Erika Hilton, do PSol-SP), elenca Mônica Oliveira, integrante da coordenação da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.

No entanto, outro ponto que ela destaca como mais um entrave para que mais negros sejam eleitos é a cláusula de barreira. O mecanismo restringe a eleição de parlamentares caso o partido não alcance um percentual mínimo de votos e isso impede que, mesmo com votos, alguns candidatos não sejam eleitos, como foi o caso de Robeyoncé (PSol-PE). “Ela teve 80 mil votos e teve candidato com menos de 20 mil votos que foi eleito. Isso é um problema, é uma lacuna do modelo. O sistema opera para manter tudo como já está”, destaca Mônica.

Mais pardos

Os pardos também tiveram um aumento tanto em eleitos quanto em candidaturas. Foram 107, cinco a mais que em 2018. A população brasileira é composta por 46,8% da população parda, segundo o IBGE. Mas o dado, que à primeira vista é positivo, esconde ainda alguns problemas. Muitas pessoas se autodeclararam como pardas, sendo que são brancas. A polêmica em torno disso foi levada até para os debates.

Na Bahia, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil), candidato ao governo do estado, foi acusado pelos adversários de ter se autodeclarado pardo sem ser. Em setembro, o candidato apresentou um documento oficial do Instituto Pedro Melo, órgão ligado à Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), em que é declarado pardo durante a emissão do seu registro de identidade. "Eu me autodeclarei pardo, antes de tudo, porque é assim que me sinto, é assim que me vejo, não é de agora", disse em vídeo publicado nas redes.

Segundo dados do TSE, um em cada três negros eleitos em 2022 já se declararam como brancos em outras eleições. Um deles é o governador reeleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Em 2018, ele se declarou branco. Este ano, concorreu como pardo. A assessoria do governador foi procurada, mas não retornou. Dos 107 deputados federais eleitos como pardos em 2022, 28 já se autodeclararam como brancos em outras eleições. 

De acordo com Thales, o problema das candidaturas fraudulentas sempre existiram, porém, este ano se intensificaram por serem a primeira eleição com o incentivo monetário para candidaturas de pretos e pardos. "O que serve para ser analisado são aqueles que se autodeclararam pardos, mas não são, que se multiplicaram nessas eleições", explica. "As pessoas têm dificuldade de entender sobretudo o lugar do pardo. Ele é pensando como, pejorativamente, o mulato, o caboclo, a pessoa negra, mas um negro mestiço. Hoje, tem um fluidez de classificação e qualquer pessoa está se declarando como parda, porém socialmente são vistas como brancas", completa.

Mônica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, ainda destaca que a Coalização Negra por Direitos está estudando formas de combater ainda mais que essas candidaturas sejam registradas da forma errada. "O nome disso é fraude e é previsto na lei que haja sanções. No Brasil, quando ser negro significa algum benefício, aí as pessoas querem ser negras. Vamos tomar algumas medidas em relação a isso”, diz.

Thales, por sua vez, acredita que só será possível fazer uma análise do novo Congresso e se os parlamentares pardos terão impacto na política racial com o tempo. "A princípio, uma notícia boa, porém carece de uma análise do tempo. Não é possível fazer uma análise de que isso significa uma melhoria”, afirma.

De acordo com Mônica, o desafio daqui para frente será grande, apesar do aumento da representatividade. "Temos um Congresso pior do que o anterior, o maior conservador dos últimos 50 anos. Logicamente, todos sabiam que derrotar Bolsonaro não é derrotar o bolsonarismo. Então uma das estratégias que a gente pretende é estar, enquanto movimento negro, envolvido com os mandatos negros, fortalecer os nossos", afirma.

A produção desta reportagem usou recursos da ferramenta Pinpoint, do Google. Confira a coleção de arquivos analisados.

 

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