ELEIÇÕES 2022

Ampliação do STF gera críticas e especialistas apontam autoritarismo

Possibilidade de aumento do número de integrantes da Suprema Corte provocou reações em todos os setores. Especialistas apontam semelhanças com regimes autoritários e criticam discurso de Bolsonaro

A proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) de aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) gerou reação em todas as esferas da política. De um lado, a ala bolsonarista mais radical defende a proposta e, de outro, os críticos ao governo argumentam que a ideia se assemelha ao que aconteceu no país durante o período da ditadura militar (1964-1985), quando o número de magistrados da Suprema Corte foi alterado e passou a ter 15 integrantes. Enquanto isso, o centrão diz que ainda não é o momento de discutir o projeto.

O chefe do Executivo, que tenta a reeleição, alimenta uma relação conflituosa com o Judiciário desde que assumiu o mandato. Além de acusar o STF de agir com ativismo, defendeu publicamente o aumento de ministros, de 11 para 16.

Para alavancar a ideia, bolsonaristas ressuscitaram a PEC 275/13, de autoria da deputada federal Luiza Erundina (PSol-SP). A matéria transforma o STF em Corte Constitucional, reduz sua competência e amplia o número de ministros. No entanto, a parlamentar acusou Bolsonaro de deturpar seu projeto em benefício próprio.

Na proposição original, os magistrados passariam a ser escolhidos pelo Congresso, a partir de listas tríplices feitas por juízes, promotores e advogados. Isso significaria reduzir os poderes do presidente da República. Porém, os aliados do presidente querem aumentar o número de integrantes e manter a forma de indicação atual, na qual o chefe do Executivo nomeia e o Senado se limita a sabatinar e aprovar os candidatos ao cargo.

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Mudanças

O próximo presidente eleito poderá indicar dois ministros ao Supremo, pois Rosa Weber e Ricardo Lewandowski vão se aposentar em 2023, ao completarem 75 anos. Bolsonaro já indicou dois integrantes da Corte: Nunes Marques e André Mendonça, que costumam votar com base nos interesses do Executivo.

Na avaliação do advogado eleitoral Fernando Neisser, o aumento de cadeiras no STF vai na contramão do discurso do presidente de diminuição do ativismo judicial. "Primeiro, porque, na prática, acaba por conceder mais poder ao órgão, o qual deveria se concentrar na solução dos conflitos de natureza constitucional. Seguramente essa medida vem a turbinar a força do Supremo e a promover condições a que este, por vezes, acabe se envolvendo em problemas exteriores a sua competência. Segundo, porque objetiva uma manobra política de modo a submeter o Poder Constitucional a um determinado interesse político", destacou.

Os ministros aposentados do STF, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, criticaram a ideia. O primeiro disse que Bolsonaro quer controlar o Judiciário em prol de seus interesses. Para ele, é antidemocrático e desrespeita a prerrogativa de separação entre os Poderes, estabelecida pela Constituição. O ministro ainda lembrou que a ideia se assemelha às medidas implementadas nos governos militares.

Marco Aurélio Mello também se manifestou contra. O magistrado, que já declarou voto no presidente Bolsonaro, durante entrevista ao Correio, disse que se trata de "saudosismo puro" e "arroubo de retórica que não merece o endosso dos homens de bem", a proposta de ampliar o número de integrantes da Corte.

A Associação dos Magistrados do Brasileiros (AMB) também se manifestou publicamente e disse que a ideia é inconstitucional e uma agressão à democracia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, declarou que o momento não é para essa discussão. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi mais enfático e afirmou que a proposta é "inadequada" e "incoerente".

Em entrevista a um canal no YouTube, na semana passada, o chefe do Executivo voltou ao tema e disse que pode "descartar" a proposta, caso os magistrados "baixem a temperatura". Agora, diante da continuação da repercussão negativa, voltou atrás e negou ter se posicionado a favor do aumento do número de ministros.

Para o advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, a matéria é complexa e merece ampla discussão. "Não é para ser votada no apagar das luzes de um Congresso cuja face vai ser profundamente alterada em 2023, com a posse dos novos eleitos. De qualquer forma, usar essa ameaça para tentar 'domesticar' a Suprema Corte, apenas mostra o viés autoritário do presidente Bolsonaro", disse.

Regimes autoritários

A experiência de aumentar o número de ministros do STF também é experimentada por países com governos vistos como autoritários. A situação também aconteceu na Venezuela, sob o comando de Hugo Chávez e, mais recentemente, na Europa, em dois países que, hoje, são governados pela extrema-direita: Hungria e Polônia.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, inclusive, tem mantido uma relação próxima com a família Bolsonaro. Além de ser um dos poucos líderes europeus presentes na posse de Jair Bolsonaro em 2019, vem trocando afagos com o chefe do Executivo brasileiro desde então. Na Hungria, foram substituídos centenas de juízes das cortes por aliados e alterada a lei eleitoral para beneficiar o partido governista.

O cientista político André Rosa aponta que o aumento de ministros das cortes superiores para obter maioria artificial é uma estratégia clássica dos governos autoritários. "Não há dúvida que medida desse tipo seria flagrantemente inconstitucional, afetando cláusula pétrea que impõe a manutenção desse equilíbrio. Alterações na composição de cortes superiores só podem ser cogitadas a longo prazo, de modo a que não se beneficie um governante específico", observou.

O jurista e cientista político Enrique Carlos Natalino partilha do mesmo entendimento. "Em outras democracias que eram consolidadas, consideradas democracias importantes, como Turquia, Hungria e Venezuela, os autocratas que chegaram ao poder iniciaram o desmantelamento das instituições do país, exatamente pela captura da Suprema Corte do poder Judiciário", destacou.

"Caso isso aconteça e Bolsonaro seja eleito, ele teria controle do poder Executivo, do Legislativo e, com isso, oportunidade de indicar ministros alinhados ao Palácio do Planalto que terão, obviamente, uma agenda de acordo com as diretrizes dele", alertou Natalino.