Militares

Generais consideram nota dissociada de governo; PT chama de 'politização'

Essa é a opinião de oficiais generais da ativa e da reserva consultados. Entre eles está o general Roberto Peternelli, deputado federal (União Brasil-SP), para quem os chefes militares falaram em nome de suas instituições e não como membros de governo.

A ausência da assinatura do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, da nota oficial publicada pelos comandantes das Forças Armadas é fruto da vontade de que o documento não fosse confundido como manifestação do governo de Jair Bolsonaro, mas sim entendido como a posição institucional dos militares.

Essa é a opinião de oficiais generais da ativa e da reserva consultados. Entre eles está o general Roberto Peternelli, deputado federal (União Brasil-SP), para quem os chefes militares falaram em nome de suas instituições e não como membros de governo. "É uma manifestação institucional, que defende vários preceitos constitucionais." Foi a primeira vez na atual gestão que uma nota conjunta não foi subscrita pelo ministro da Defesa.

O documento provocou reações de políticos. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou no Twitter que os chefes militares não devem se envolver em política. "Não é papel dos comandantes militares opinar sobre o processo político, muito menos sobre a atuação das instituições republicanas", escreveu.

Estudiosos das relações entre civis e militares também se manifestaram. Para o professor Eurico Lima da Figueiredo, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), a nota estabelece uma rota de escape dos militares para o próximo governo. "Ela apaga a figura da liderança do ministro da Defesa, que é política."

De fato, em outras seis oportunidades, a assinatura do titular da pasta esteve ao lado da dos comandantes. Assim foi em casos como a reação às declarações do senador Omar Aziz (PSD-AM), na CPI da Covid, sobre o suposto envolvimento de militares com corrupção.

O documento dos comandantes Almir Garnier Santos (Marinha), Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) começou a ser articulado em conversas entre eles nos últimos dias e ganhou corpo no dia 9. Só os comandantes e assessores próximos discutiram o teor. Naquele momento, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ainda não havia sugerido que os militantes de direita contrários à sua vitória voltassem para casa pacificamente, tampouco que Bolsonaro humilhara as Forças Armadas. Não foi, portanto, uma reação a Lula.

Como manifestação das Forças, a nota, segundo os generais, aborda situações que as incomodam e dá resposta aos que esperavam uma declaração após as eleições. Alguns pontos se destacam: o primeiro é o desconforto com a atuação do Poder Judiciário, que retirou do ar perfis de bolsonaristas que questionaram as urnas eletrônicas, e com a invasão de atribuições do Legislativo e do Executivo que teria sido praticada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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Moraes

É também contra as decisões recentes do ministro do STF Alexandre de Moraes que se dirige a nota da Marinha, do Exército e da Força Aérea, no trecho que condena a restrição a direitos individuais, como "a livre manifestação do pensamento". A nota faz ainda a defesa da "liberdade de reunião". Trata-se de referência, segundo os generais, aos protestos bolsonaristas em frente aos quartéis no País que têm pedido um golpe contra Lula.

Nesta sexta, 11, Moraes estendeu para todo o País, a ordem para que a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as PMs desobstruam vias bloqueadas por bolsonaristas inconformados com a eleição.

Generais ouvidos pelo Estadão afirmaram que não vão agir contra os protestos, pois os consideram pacíficos. Dizem que eles devem se esvaziar sozinhos à medida que o País volta à normalidade. E ressaltam que os casos de violência - a exemplo do que afirmam os comandantes - são exceções que merecem repúdio. Ou seja, eles são contrários à criminalização indistinta dos participantes dos protestos.

Ao mesmo tempo, a nota deixa claro que a ordem democrática não será rompida pelos comandantes. Eles afirmaram que cultuam a tolerância, a ordem e a paz e destacaram que estão transmitindo esses "valores" aos subordinados - as controvérsias devem ser resolvidas pela sociedade dentro do estado democrático de direito.

Reações

Mas, para o professor Figueiredo, "em uma democracia plena e consolidada, as Forças Armadas não têm de fazer declarações nem pronunciamentos, pois são instituições de Estado e mudas, no sentido de que cumprem seus deveres constitucionais". Ele qualificou a nota de extemporânea, mas destacou que as Forças se disseram voltadas às atividades profissionais. Observou ainda que as manifestações, quando feitas dentro da lei e da ordem, são normais na democracia. "Mas são ilegais, pois solicitam golpe."

Entre os políticos, a reação mais dura foi a da presidente do PT. Gleisi Hoffmann declarou que a liberdade de manifestação "não se aplica a atos contra a democracia, que devem ser tratados pelo nome: golpismo."

Já o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello considerou o documento pedagógico. "Há de procurar-se, com temperança, compreensão e muito equilíbrio a paz social. Qualquer antagonismo exacerbado não é bom, não é sadio."

Para o professor titular da FGV Direito São Paulo Carlos Ari Sundfeld, a nota parece revelar uma visão distorcida sobre as funções legais das Forças Armadas, como "moderadoras". "Esse termo remete ao Poder Moderador, que só existiu no Brasil no século 19, nas mãos do Imperador. Em nossa história, nenhuma das Constituições deu a militares quaisquer funções moderadoras."

O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Juliano Cortinhas concorda. "Militares não podem se manifestar politicamente, pois temos o Ministério da Defesa, que é o órgão político." Ele defendeu a punição dos comandantes. Nas redes sociais, a nota foi compartilha em grupos de militares e de bolsonaristas. Os apoiadores do presidente esperam que o documento amplie os protestos previstos para o dia 15. (COLABORARAM DAVI MEDEIROS, FELIPE FRAZÃO, LAURIBERTO POMPEU, PEPITA ORTEGA E WESLLEY GALZO)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.