O ex-ministro de Justiça e Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres foi preso, ontem (14/1), no Aeroporto Internacional de Brasília, ainda dentro do avião que o trazia de Miami, nos Estados Unidos. Sem algemas, Torres foi escoltado durante o voo por policiais federais. A transferência para um carro da polícia, ainda na pista do aeroporto, foi feita sem que a imprensa pudesse registrar.
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Discreto, ele viajou usando boné, óculos escuros e máscara descartável, item obrigatório de proteção contra a covid-19 em voos no Brasil. Na compra da passagem, usou apenas os dois primeiros nomes, Anderson Gustavo. Tudo para despistar a imprensa e evitar que imagens de sua chegada fossem divulgadas, discrição negociada pela defesa com a Polícia Federal (PF).
Anderson Torres foi encaminhado ao 4º Batalhão da Polícia Militar, no Guará, a 15km do centro de Brasília. Ele se submeteu a exame de corpo de delito ainda no aeroporto.
O aliado de Jair Bolsonaro passou por audiência de custódia por videoconferência no Batalhão de Aviação Operacional da PM, que fica no complexo do 4º BPM. O procedimento foi presidido pelo desembargador Airton Vieira, chefe de gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Nos próximos dias, Torres deverá prestar o primeiro depoimento sobre sua suposta participação nos atos terroristas de 8 de janeiro. Só então, Moraes deverá definir onde o ex-ministro ficará preso.
A prisão preventiva de Torres foi decretada pelo magistrado na última terça-feira, sob a suspeita de ter sabotado o comando da segurança pública do DF antes dos ataques terroristas aos Três Poderes. Ele deverá responder por omissão e conivência, pois era o responsável pela segurança, na ocasião. No mesmo dia dos ataques, Torres foi exonerado do cargo pelo agora governador afastado, Ibaneis Rocha (MDB).
Minuta
Na quinta-feira, agravando a situação já complicada do ex-ministro, a PF divulgou que, durante operação de busca e apreensão na residência de Torres, no âmbito da investigação, foi encontrada uma minuta de decreto que previa intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por meio de um Estado de Defesa que seria baixado por Bolsonaro. A intenção era não reconhecer o resultado das eleições presidenciais de outubro do ano passado. A minuta de decreto era datada de 2022, mas com dia e mês em branco, para ser assinada pelo então presidente da República.
O texto previa a decretação de "estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine (sic) à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social".
Constava, ainda, a suspensão do sigilo de comunicações dos membros do TSE, entre eles os ministros Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que ficariam impedidos de frequentar a Corte. No Twitter, Torres se defendeu dizendo que a minuta estava em "uma pilha de documentos para descarte", que o conteúdo fora tirado de contexto, e que respeita a democracia brasileira. "Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP (Ministério de Justiça e Segurança Pública)", escreveu.
Moraes determinou, na sexta-feira, a abertura de um inquérito contra Torres e contra o governador do DF, Ibaneis Rocha, afastado do cargo pelo Supremo por 90 dias. Também serão investigados o ex-secretário de Segurança do DF Fernando de Sousa Oliveira, que atuava como interino na data das invasões, e o ex-comandante da Polícia Militar do DF Fábio Vieira. O objetivo é apurar as responsabilidades dessas autoridades em relação ao vandalismo na capital. O ministro aceitou também o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Bolsonaro seja incluído no rol de alvos do inquérito.
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Depoimento
O depoimento de Anderson Torres pode jogar luz em pontos ainda nebulosos que cercam os atos golpistas de domingo passado. A PF investiga as circunstâncias da elaboração da minuta encontrada — como os autores intelectuais — e se Bolsonaro sabia do documento. Outro ponto que deverá ser explorado é se Torres tratou sobre a previsão de manifestação na Praça dos Três Poderes com o ex-presidente Bolsonaro.
O motivo da viagem aos Estados Unidos, dias após retornar ao GDF como secretário, justamente no fim de semana dos ataques, é outra questão que demanda explicações. Isto porque Bolsonaro também se refugiou no estado norte-americano da Flórida dias antes do término do mandato, e há indícios de que os dois se encontraram no exterior.
O ex-secretário pode detalhar, ainda, a postura do governador Ibaneis Rocha nas horas anteriores ao episódio. Em depoimento à PF, Ibaneis disse que o Exército impediu que a PM acabasse com o acampamento de golpistas em frente ao Quartel-General da corporação, local em que 1,2 mil pessoas foram presas pela PF, na segunda-feira. Ele afirmou que, no dia 7, ligou para Anderson Torres, que já estava de férias, ao ser informado que protestos bolsonaristas aconteceriam no dia seguinte.
Ibaneis relatou que o secretário interino Fernando de Souza Oliveira o tranquilizou, afirmando que os manifestantes estavam chegando pacificamente ao QG, informação que repetiu ao governador no dia dos atentados. Ao ver pela televisão o caos na Praça dos Três Poderes, Ibaneis ligou ao secretário e deu ordem para "prender o máximo possível".
Ex-secretário é peça-chave na apuração
Anderson Torres se tornou um dos personagens centrais das investigações dos atos terroristas de 8 de janeiro. Formado em direito, ele é especialista em Ciência Policial, Investigação Criminal e Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra, e lecionou na Academia da Polícia Civil de Roraima e da Militar do Distrito Federal.
Desde 2003, Torres é delegado da Polícia Federal (PF), instituição na qual coordenou investigações e operações de combate ao crime organizado, tráfico internacional e lavagem de dinheiro. Também esteve à frente de comissões sobre segurança pública e combate ao crime organizado na Câmara dos Deputados, além de ter sido chefe de gabinete do então deputado federal e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Fernando Francischini (União-PR).
Foi nomeado pelo governador Ibaneis Rocha, em 2019, para a Secretaria de Segurança Pública do DF, deixando o cargo em 2021 para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Torres foi o terceiro a ocupar o cargo. Em agosto daquele ano, participou de uma live de Bolsonaro em que questionou sem provas a segurança das urnas eletrônicas, o que o levou a ser incluído em inquérito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com a derrota do ex-chefe do Executivo nas urnas, foi reconduzido por Ibaneis ao comando da segurança pública da capital.
Em outubro do ano passado, foi criticado pelo papel desempenhado no caso Roberto Jefferson, que recebeu a tiros policiais federais que foram prendê-lo seguindo a determinação do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes.
Seguindo as ordens de Bolsonaro, Torres estava a caminho do Rio de Janeiro para acompanhar a rendição de Jefferson, uma figura próxima do ex-presidente na ocasião. Devido a possíveis desgastes à imagem de Bolsonaro, o plano foi abortado e ele seguiu os desdobramentos do caso de Juiz de Fora (MG).
Uma polêmica medida de Torres foi trocar o chefe da Polícia Rodoviária Federal por Silvinei Vasques, que fez abertamente campanha para Bolsonaro em suas redes sociais. Vasques seria acusado, em novembro, de uso indevido do cargo para favorecer Bolsonaro. Mais uma vez Torres voltou atrás e dispensou Vasques no mês seguinte.
O episódio mais recente na lista de embaraços de Torres foi a omissão e possível conivência com os atos terroristas que vandalizaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF. Ele ainda teria exonerado uma série de servidores do comando da Secretaria de Segurança, como informou Ricardo Cappelli, interventor federal designado por Lula.
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