Jornal Correio Braziliense

Entrevista | Antonio Carlos de Almeida Castro

Kakay aponta haver dedo de Bolsonaro na tentativa de golpe

Advogado destaca a disseminação do discurso do ódio nos últimos anos, instigado pelo presidente, até o episódio que culminou nos atos de terrorismo em Brasília

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve responsabilidade pelos atos terroristas que destruíram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro. Convidado do Podcast do Correio, o jurista foi categórico ao declarar que "pregar golpe de estado não é liberdade de expressão" e teceu críticas ao comportamento do ex-chefe do Executivo.

Para o advogado, o ex-presidente incitou os apoiadores a atacarem. "Bolsonaro é um fascista, responsável direto por essa tentativa de golpe. Ele instigou durante quatro anos a população com ódio e violência, especialmente contra o Supremo Tribunal Federal. Não tenho nenhuma dúvida que ele tem que ser responsabilizado", disse, aos jornalistas Denise Rothenburg e Vinicius Doria.

Entrevista | Antonio Carlos de Almeida Castro

Você acha que a democracia brasileira ainda está em risco ou viramos essa página?

Olha, eu tenho dito e escrito que o que houve realmente foi uma tentativa de golpe. Na verdade, foi um golpe porque os Três Poderes foram ocupados, ainda que houve uma reação imediata, acho que o ministro Flávio Dino especialmente reagiu muito bem, mas é claro que tem um golpe em gestação ainda. Não estamos completamente tranquilos. Na realidade, quando houve a posse com tranquilidade, acho que houve também uma sensação de alívio para a maioria dos brasileiros. Aquele ato do Lula subir a rampa com brasileiros invisíveis, dentro de uma normalidade, acho que aquilo ali foi o Brasil tomando posse dele próprio. Então, a sensação que nós tivemos, já que houve a tranquilidade da posse, é de que nós poderíamos respirar. Mas, surpreendentemente, há oito dias nós vimos atos terroristas.

A expressão 'terrorista' é adequada?

É adequada para o que ocorreu, não é o terrorismo da lei de 2016, da lei do terrorismo, que não pode ser aplicada. Tem a lei do Estado de Direito de Defesa, mas a expressão terrorista é aceita na ONU para atos exatamente dessa forma. Acho que houve uma reação, a sociedade reagiu muito bem, o presidente Lula se portou como um estadista, porque ele voltou na noite daquele mesmo dia, foi até o Supremo, foi uma cena emocionante. Eu falei lá no Supremo, e o ministro do STF com quem eu falei estava chorando, dada a perplexidade e a violência daquelas ações. E acho que o Lula ao fazer no dia seguinte uma reunião com todos os governadores, e com os presidentes e ministros do Supremo, Congresso e Senado. E depois em um ato de de genialidade política, no meu ponto de vista, atravessou a rampa. Ele subiu a rampa dia 1º com os brasileiros e depois ele desceu a rampa com as autoridades e caminhou até o Supremo.

Há um debate grande nas redes. Esses manifestantes são vândalos, são golpistas ou terroristas?

Tecnicamente eles são terroristas. Na verdade, são pessoas que se dispuseram a tentar derrubar um governo. Eles ocuparam a sede dos três poderes, ocuparam depredando, fazendo aquilo que eles podiam fazer de pior, ao Congresso Nacional, ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal. Sobre a acepção da palavra que é aceita pela ONU, foi um ato terrorista. A dúvida que há, e eu concordo, é por que não se pode aplicar a lei antiterrorista de 2016? Porque a lei é muito restrita. Mas o fato de dizer que são terroristas, e tecnicamente são terroristas, é muito interessante.

É um momento crítico…

Nós vivemos um momento muito grave. Tem uma cena que me impressionou muito que é a tentativa de desmoralizar o poder Judiciário. Porque veja bem, nós tínhamos até dezembro um governo fascista. Bolsonaro é um fascista, responsável direto por essa tentativa de golpe. Ele instigou durante quatro anos a população com ódio e violência, especialmente contra o Supremo Tribunal Federal. Não tenho nenhuma dúvida de que ele tem que ser responsabilizado. Nós estamos entrando com uma petição, uma ação de investigação que existe no TSE, junto ao procurador-geral da República, para tentar levar esse documento que foi encontrado com o Anderson (Torres), um decreto para institucionalizar o golpe para que a procuradoria da República possa assumir essa responsabilidade.

Nós vivemos nos últimos anos uma série de tentativas de golpe, inclusive uma subleitura criminosa do artigo 142 da Constituição, onde Bolsonaro tentava dizer que as Forças Armadas seriam uma espécie de tutores da nação, como se fosse possível um golpe constitucional. Não existe golpe constitucional, o golpe é contra a constituição. Então o Bolsonaro é o responsável direto, ele semeou o ódio e a violência durante todos esses anos.

E essa violência?

A violência contra o Supremo Tribunal Federal não é normal. Não é normal o grau de violência contra o Supremo. Eu chorei quando vi aquilo ali, porque eu advogo para o Supremo há 40 anos. E por que essa violência? A origem disso se chama Jair Messias Bolsonaro. Foi ele que incentivou esse ódio, incentivou essa raiva, essa violência contra o Supremo. E por que que nos incentivou? Até então nós tínhamos um governo fascista, o Executivo era fascista, com métodos fascistas. E o Executivo cooptou o Legislativo. Boa parte do Legislativo, até dezembro, estava cooptada, seja com uma quantidade enorme de dinheiro que veio com o orçamento secreto e tudo mais. Então, o Legislativo faltou ao país e nós vimos algo impressionante que é o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral manterem a institucionalidade. Eu que sou advogado há 40 anos, sou crítico ferrenho do poder Judiciário, poder patrimonialista, poder reacionário para manter o Estado permanentemente.

Como você vê esse contexto em que Jair Bolsonaro está inserido e de que forma a institucionalidade pode dar a sua resposta?

No sistema presidencialista a figura do presidente da República, mesmo frágil, mesmo um homem indigente intelectual, é muito forte. A figura do Presidente da República tem um poder muito grande. É óbvio que quando ele foi eleito, foi em um contexto internacional de ultra-direita. Se o Trump fosse presidente dos Estados Unidos neste momento, nós teríamos um problema muito maior. Nós não podemos esquecer que, com a invasão do Capitólio, foram presas 800 pessoas na época e várias ações estão saindo. Pela primeira vez, há 20 dias, o sistema americano, o departamento americano de justiça, determinou que os procuradores federais denunciassem criminalmente Trump. Eu tenho informações que tem dois brasileiros, pessoas importantes e conhecidas, que estão na investigação americana.

Até agora só tivemos a responsabilização das pessoas ligadas ao GDF. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública, está preso. Tivemos a intervenção no DF, o governador foi afastado, mas o que acontecerá com os militares envolvidos?

Nós estamos há menos de uma semana dessa tentativa de golpe, que felizmente foi frustrada. As prisões que foram feitas até agora foram em flagrante, mais de 1.500 em flagrantes. Isso é de uma complexidade, quer dizer, o serviço de perícia que está sendo feito, o Ministério Público vai ter um trabalho enorme na individualização das condutas. Agora começaram a sair as prisões dos responsáveis. Foram presas pessoas de Brasília, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Essas são as prisões de pessoas que já foram identificadas como sendo financiadoras do golpe. Isso é importantíssimo, você tem que cortar o financiamento. Claro, nós temos que chegar também naqueles que eram os coordenadores, aí existe uma certa complexidade. Eu, pra ser sincero, acho que o responsável direto tem que ser responsabilizado, porque o Brasil não pode cometer o erro que fez na redemocratização, quando nós não punimos os terroristas e não punimos os assassinos. Se nós tivéssemos punido, Bolsonaro não seria presidente da República. Bolsonaro quando votou em plenário pela cassação da Dilma, ele evocou o torturador da Dilma, que disse ser "o brilhante Ustra", ele tinha que ter saído preso dali, ou pelo menos ter tido um processo para cassá-lo.

Qual é o futuro que você vê para o governador Ibaneis?

Eu fui favorável desde o primeiro momento pela intervenção no GDF. Até imaginei que teria sido melhor fazer uma intervenção no GDF e não só na segurança. Falei com o ministro Flávio Dino duas vezes naquela manhã, porque eu achava que o afastamento do Ibaneis via intervenção seria mais fácil dele voltar. Eu sabia que existiam vários grupos querendo uma medida mais drástica e eu imaginei que ele seria afastado. O afastamento via Judiciário é mais difícil. Nesse momento, eu entendo que a governadora em exercício, Celina, está agindo com muita habilidade. Tenho conversado com ela, com o ministro da Justiça, da Defesa, ministro do Supremo, até tenho levado essa conversa também em conjunto, vamos dizer assim, e a tendência, ou ao menos o que eu tenho falado, é que temos que ter um secretário de Segurança eleito de comum acordo, e o mais rápido possível, entre a governadora do GDF, quem está na intervenção e o ministro da Justiça. Se nós fizermos isso eu entendo que talvez dentro pouquíssimo tempo não precise esperar o tempo da intervenção, podemos terminar a intervenção mais cedo. Tudo isso favorece o Ibaneis. Sobre o aspecto criminal, eu acho que ele fará uma instrução técnica boa.